Por que governos ao redor do mundo estão reduzindo a mistura de biodiesel?
A recente decisão do governo de Jair Bolsonaro de manter a mistura obrigatória de biodiesel no diesel em 10% (B10) até o final de 2022 – abaixo dos 13% até março e 14% a partir de então, como previsto em resolução do CNPE – vem causando um embate entre governo e indústria.
De um lado, o Ministério de Minas e Energia (MME) justifica a decisão como de interesse do consumidor, uma tentativa de frear os aumentos no preço do diesel, cujos impactos são significativos na inflação.
De outro, setor produtivo alega que a medida não consegue resolver a alta de preços no diesel B, e provoca prejuízos maiores e com diversos alcances: no processamento interno da soja, no preço da ração animal, nas emissões de gases de efeito estufa e até na qualidade do ar.
Mas a medida não é um caso isolado do Brasil
Relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) mostra um tendência na redução do combustível produzido a partir da esterificação de óleos vegetais por dois motivos principais: custo de matéria-prima e disputa com o diesel renovável, cuja demanda deve triplicar até 2026.
No caso do diesel renovável, políticas dos Estados Unidos e da Europa estão impondo limites a algumas matérias-primas para biocombustíveis, e dando preferência à rota a partir de resíduos.
Além disso, o diesel verde, também conhecido como HVO, pode ser misturado em percentuais mais elevados do que o biodiesel.
O custo da matéria-prima tem sido outro fator determinante. Na América Latina, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai precisaram recuar na política para o biocombustível devido à pressão do custo do óleo de soja sobre o preço final do combustível.
A seguir, um panorama das políticas de biodiesel na AL e principais mercados:
Argentina: mandato pela metade, exportações em alta
Em agosto deste ano, o mandato de mistura foi reduzido pela metade para 5%, e a indústria agora depende do crescimento das exportações para sobreviver. Tradicionalmente, o mercado externo é o principal impulsionador da indústria argentina de biodiesel desde seu início, em 2008.
Em outubro, as exportações aumentaram para 133,8 mil toneladas, um aumento mensal de 78% de acordo com os dados mais recentes da agência de navegação Bluestar.
As exportações acumuladas alcançaram 1,06 milhão de toneladas, em comparação com 597 mil toneladas no mesmo período do ano passado. Todas as exportações foram destinadas à Holanda.
A Platts Analytics prevê que as exportações em 2021 atinjam 1,3 milhão de toneladas e permaneçam em um volume semelhante em 2022, de 1,2 milhão de toneladas, quando o consumo doméstico deverá melhorar ligeiramente.
Uruguai: mistura extinta
Uma lei sobre Agrocombustíveis, aprovada em 2007, estabelecia a mistura mínima de 5% de biodiesel no diesel. O biocombustível é produzido pela ALUR (Alcoholes del Uruguay), utilizando cereais, soja e colza, e a obrigação de fazer a mistura com o diesel ficava a cargo da estatal Ancap.
Recentemente, através do projeto de lei Rendición de Cuentas, o governo local decidiu eliminar o mandato com o objetivo de reduzir os preços finais do diesel para os consumidores.
Dado o pequeno tamanho do país, uma taxa de mistura de 5% de biodiesel equivale a menos de 50 milhões de litros dos biocombustíveis, estima a Platts Analytics.
Paraguai: 2% não cumpridos
O mandato de biodiesel do Paraguai atualmente é de 2%, mas não é cumprido.
De acordo com os analistas da S&P Global Platts Analytics, já houve várias discussões sobre a possibilidade de aumentar para 5%, mas os altos preços locais do biocombustível e a necessidade de importação desencorajam o avanço.
Apesar disso, o Paraguai assumiu uma posição pioneira na região com a construção de uma grande usina de diesel renovável/SAF, a Omega Green, do investidor brasileiro ECB Group.
Será a primeira fábrica de diesel renovável na América Latina e estará entre as maiores fábricas do mundo, com cerca de 900 mil toneladas de capacidade.
As operações estão previstas para começar em 2025. Objetivo é exportar a produção para Europa e EUA.
Nayara Machado – EPBR