Dilema de Trump: Agradar Macri ou setor de biodiesel dos EUA
A decisão do governo do presidente americano Donald Trump em abril de 2018 de passar a taxar as importações do biodiesel fabricado na Argentina foi uma benção para Bob Morton. Sem uma gigante concorrente, ele elaborou um plano para ampliar a capacidade de sua planta de biodiesel no Estado de Rhode Island em mais de 40% e contratou mais 10 funcionários.
Esse plano de expansão está ameaçado após a Casa Branca chocar a indústria local de biodiesel ao anunciar que pretende rever as tarifas depois das mudanças tributárias feitas pela Argentina. Morton e outros produtores americanos torcem para que a amizade de longa data entre Trump e o presidente Mauricio Macri não seja levada em conta.
Os dois se conheceram há três décadas, quando o pai de Macri, um magnata da construção civil, enviou o filho, então com 24 anos, para negociar uma operação imobiliária com Trump. A transação não saiu, mas os dois mantiveram contato, às vezes jogando golfe. Em visitas à Argentina, Trump se hospedava na residência de Macri.
O relacionamento azedou porque Macri apoiou Hillary Clinton na eleição presidencial de 2016, mas os dois foram forçados a reatar quando Trump assumiu o cargo. Ele recebeu Macri na Casa Branca em abril de 2017, quebrando a tradição presidencial de conhecer os líderes do Brasil e do México antes dos outros latino-americanos.
"É possível que o relacionamento Trump-Macri influencie o que acontece com o biodiesel", disse Marcelo Elizondo, diretor da consultoria de comércio Desarrollo de Negocios Internacionales, de Buenos Aires. "Em um governo como o de Donald Trump, as considerações pessoais dele são grande influência, frequentemente desbancando instituições."
Um porta-voz da Casa Branca não respondeu à solicitação de comentário da reportagem.
'Atípico'
Durante a conferência da Federação de Fazendas Americanas, realizada em Nova Orleans na semana passada, Trump deu uma ideia da reciprocidade na relação comercial com Macri. "Acabamos de abrir a Argentina às exportações de suínos americanos", afirmou o presidente. "Eles precisavam de algo e eu disse que precisavam abrir para os suínos."
Elizondo acredita que, considerando o lobby do biodiesel em Washington, Trump e as prioridades do Departamento de Comércio dos EUA não são os únicos fatores em jogo.
"Ainda estamos tentando descobrir quem pode estar por trás disso", disse Kurt Kovarik, vice-presidente de assuntos federais do Conselho Nacional de Biodiesel, em Washington. "Parece atípico para um governo disposto a ir à luta para obter acordos comerciais melhores" para o agronegócio e outros setores.
Precedente
"A legislação dos EUA especificamente permite que o Departamento inicie uma revisão de circunstâncias alteradas nos 24 meses após uma determinação final, se uma 'boa causa' for demonstrada", afirmou por email um porta-voz do Departamento de Comércio . "Embora rara, uma revisão dessas não é sem precedentes e é justificada neste caso, com base nas evidências submetidas pelo governo da Argentina, de que alterou fundamentalmente o regime tributário de exportação que foi tema das investigações subjacentes."
"A indústria americana terá plenos direitos processuais de revisar e comentar essas evidências", acrescentou o comunicado. "Continuamos comprometidos com a aplicação rigorosa e energética de nossas leis comerciais de maneira justa e transparente."
A decisão de reavaliar as tarifas sobre o produto argentino pode ser considerada bem embasada, após o país elevar o imposto de exportação de biodiesel para ter maior alinhamento com o imposto sobre o óleo de soja. A alíquota para o biodiesel feito de soja é somente 3 pontos percentuais menor do que a do óleo de soja. Quando as tarifas preliminares entraram em vigor, em setembro de 2017, a diferença era bem maior, ao redor de 27 pontos.
A Argentina exportava mais de US$ 1 bilhão por ano em biodiesel para os EUA antes da aplicação de taxas contra dumping e subsídios que cercearam o acesso do país ao mercado.
Mario Parker e Jonathan Gilbert – Bloomberg