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Expansão dos emergentes e o preço dos alimentos


Gazeta Mercantil - 11 ago 2008 - 05:49 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:07

A duplicação dos preços das commodities agropecuárias nos últimos 20 meses vem incomodando as economias mundiais, até mais que as estupendas altas no preço do petróleo, porque tem um efeito perverso sobre a alimentação da população mais pobre. Não seria por menos, pois somente China, Índia, Rússia e o resto da Ásia reforçaram sua dieta alimentar em centenas de milhões de consumidores carentes num prazo relativamente curto. Prazo esse insuficiente para se ter uma resposta equivalente da oferta mundial de alimentos, que sofre inclusive a concorrência do uso dos recursos disponíveis destinados para a produção do biodiesel. O PIB da China crescendo a 10% ao ano vem dobrando a cada sete anos e o da Índia crescendo a 6,5% ao ano dobra a cada 11 anos. Dá para imaginar o impacto disso sobre a demanda de alimentos numa base populacional beirando 2,5 bilhões de pessoas?

Pelo efeito renda, até que a pressão sobre os preços não seria expressiva, pois se a elasticidade da renda dos alimentos fosse 0,3, isto é, para cada 1% de aumento da renda seria destinado 0,3% para a compra de alimentos, logo, haveria um acréscimo de 30% na demanda de alimentos (somente para um terço da população mundial), e isso exigiria um crescimento da oferta da ordem de 3% ao ano, o que não é nada fora da realidade. A diferença entre as taxas de crescimento do PIB e da oferta da agropecuária acaba levando a uma contínua diminuição dos gastos das famílias com alimentos, ao longo do tempo, como aliás aparecem nas estatísticas das pesquisas de orçamentos familiares. A questão crítica está na expansão do enorme contingente de pobres incorporados no consumo de alimentos com uma propensão a consumir alimentos, não muito distante da unidade.

Esse efeito é que tem sido devastador sobre os preços dos alimentos e que se transforma num drama social. Ao manter o mesmo ritmo de crescimento dos emergentes populosos, a pressão sobre os preços continuará no futuro. Primeiro porque o estímulo de preços mais altos dado à expansão da oferta vem sendo engolido pelos custos crescentes de produção, principalmente daqueles advindos do petróleo na cadeia produtiva do agronegócio, como fertilizantes, adubos, inseticidas, etc.

Em segundo lugar, porque o custo de oportunidade de produzir alimentos está muito alto, em termos de usar os recursos para a produção do biocombustível. Para que o excesso de demanda de alimentos não resulte em aumento de preço relativo perverso aos pobres, seria necessário induzir mudanças estruturais ao longo da cadeia produtiva, que resultassem em maiores ganhos de produtividade. Isso pode ser traduzido por inovações tecnológicas, tanto no processo de produção e industrialização dos alimentos (genética, mecanização, correção de solo, controle do meio ambiente, embalagens, etc.) como no sistema de financiamento (crédito, seguro, etc.), e particularmente no transporte, armazenagem e comercialização da produção.

Mundialmente, têm sido fantásticas as inovações na tecnologia de processamento dos alimentos, por meio de máquinas moderníssimas, controle eletrônico de qualidade, embalagens e conservantes, bem como o uso de adequados sistemas de logística, armazenagens e transporte marítimo baseados em contêineres apropriados, tudo voltado a ganhos de produtividade.

O Brasil não escapa dessa necessidade, apesar de ser visto como mais imune à crise alimentar, visto suas vantagens comparativas na produção e industrialização de alimentos. Sua agropecuária moderna tem produzido enormes ganhos de produtividade, que se repete nas economias de escala da transformação industrial, onde ambos os processos têm permitido aos alimentos suportar redução histórica de seu preço relativo em benefício do consumidor.

As estatísticas disponíveis revelam esse fato, pois entre dezembro de 1994 e dezembro de 2007 o poder de compra do salário mínimo medido em termos dos preços dos alimentos cresceu a uma taxa média anual de 7,2%, isto é, dobrando a cada dez anos. O mesmo vem acontecendo quando a parcela da renda gasta pelas famílias vem caindo ano após ano, começando em 45% nos anos 50, para hoje chegar a 20%.

Outro ponto importante que vem ajudando a conter os preços dos alimentos em São Paulo, e talvez de forma equivalente no Brasil, têm sido as inovações introduzidas pelos supermercados paulistas no processo de negociação impositiva com os fornecedores, adoção de uma logística e informática adequadas para a movimentação, armazenagem e controle das vendas e estoques. Enfim, um turbilhão de mudanças contínuas em direção a conquistar o consumidor resistindo às altas de preços. O resultado dessa estratégia foi a forte expansão das vendas nominais da ordem de 207% e das vendas reais de 58%, entre 1996 e 2007. Valor esse muito superior aos 24% de ganho na massa de remuneração real do pessoal ocupado. O efeito da queda real dos preços dos alimentos corresponde a um ganho de renda disponível para a aquisição de mais bens e serviços ou poupar e, com isso, aumentar o bem-estar dos cidadãos.

Historicamente, a produção, a industrialização e a comercialização nos supermercados deram sua contribuição para uma forte queda do preço real dos alimentos. Porém, uma vez que o arranjo na cadeia da distribuição já foi estabelecido, pouco se pode esperar do modelo atual para absorver os mais recentes aumentos dos preços das commodities agropecuárias. O esforço para novos ganhos de produtividade voltam novamente para a produção e a indústria de processamento de alimentos.

JUAREZ RIZZIERI - Professor da FEA/USP.

Tags: Alimento