[Opinião] Os caminhos do metanol e o combate inteligente à fraude
Com crescente preocupação, acompanhamos as notícias sobre o aumento de intoxicações por metanol causadas pela ingestão de bebidas alcoólicas adulteradas. Esta é uma crise de saúde pública que ceifa vidas, causa cegueira e danos renais irreversíveis. Diante de um desafio tão gigante e difuso, a estratégia de combate não pode se resumir a procurar uma "agulha num palheiro". Precisamos de inteligência e foco para rastrear a origem do problema: os caminhos do metanol no Brasil.
O país não é um produtor significativo de metanol. O volume que circula aqui, superando 1,2 milhão de metros cúbicos por ano, é majoritariamente importado para usos industriais legítimos, como a fabricação de resinas e, principalmente, de biodiesel. É um insumo essencial para o nosso setor.
Infelizmente, essa cadeia logística regular está sendo explorada por organizações criminosas. A fraude que resulta nas bebidas mortais começa muito antes, com a mistura proibida de metanol ao álcool combustível (etanol). Este etanol contaminado, mais barato, é então desviado para a produção de bebidas destiladas ilegais, substituindo o álcool de cereais, que é mais caro e seguro para consumo.
As investigações precisam, portanto, conectar os pontos entre a fiscalização de combustíveis e a crise na saúde. Mas como o setor de biodiesel, que represento com orgulho como presidente da Ubrabio, se torna um alvo involuntário neste esquema?
A resposta está na porta de entrada do metanol. Para importar o produto, é necessário um registro, e uma das formas de obtê-lo é se cadastrar como produtor de biodiesel. Fraudadores se utilizam dessa brecha para ter acesso legal ao insumo que, mais tarde, será desviado.
O esquema é ainda mais sofisticado e revela uma sinergia perversa entre duas fraudes. Enquanto o metanol físico é desviado para contaminar o etanol, os documentos dessa importação (as notas fiscais) são utilizados para "esquentar" uma produção inexistente de biodiesel. Com essa documentação falsa, os criminosos simulam o cumprimento da mistura obrigatória de 15% de biodiesel (B15) no diesel fóssil, muitas vezes em conluio com distribuidoras. Em uma única operação, eles lucram com a fraude nos combustíveis e escondem o desvio do metanol.
Diante dessa complexidade, como pode a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) atuar de forma eficaz?
A solução está em focar na origem. Em vez de dispersar a fiscalização em milhares de postos ou centenas de destilarias, a estratégia deve ser criar uma "malha fina" para o metanol. O volume importado, embora enorme, entra no país por pouquíssimos portos e instalações de logística. É nesses pontos de estrangulamento que o controle deve começar, rastreando cada metro cúbico desde sua chegada até seu destino final na indústria.
É tecnicamente improvável que a mistura fraudulenta ocorra antes da destilação do etanol, pois parte do metanol se perderia e a separação posterior exigiria equipamentos caríssimos que as usinas não possuem. A contaminação ocorre depois, na cadeia de distribuição.
Este resumo não esgota as possibilidades, mas oferece um caminho estratégico baseado em inteligência para orientar os esforços do governo federal, das polícias e dos governos estaduais. A tarefa é complexa, mas perfeitamente executável com foco e colaboração.
O setor produtor de biodiesel repudia veementemente qualquer ilegalidade e se coloca à disposição para colaborar. A defesa do nosso mercado e, acima de tudo, da vida dos consumidores brasileiros, exige uma ação firme e estratégica. Um Brasil legal é um Brasil sem corrupção.
Juan Diego Ferrés – presidente da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) e sócio da Granol