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Negócio

Grupo Fit é alvo de operação por suspeita de sonegação bilionária


Folha de S.Paulo - 27 nov 2025 - 08:54

Nova operação que atinge o setor de combustíveis e instituições financeiras, nesta quinta-feira (27), tem como alvo o Grupo Fit —a ex-Refit, da refinaria de Manguinhos, do empresário e advogado Ricardo Magro. Os investigadores cumprem mandados de busca e apreensão em 190 alvos, incluindo pessoas físicas e empresas, sob a acusação de prática de crimes como sonegação, fraude e ocultação de patrimônio.

Segundo os investigadores, a Refit, como é mais conhecida, é o maior devedor contumaz do Brasil, com débitos na casa de R$ 25 bilhões. O Fisco entende que um contribuinte se enquadra nessa classificação quando se dedica à inadimplência de forma recorrente e intencional.

Os agentes foram a campo no Rio de Janeiro, onde fica a refinaria, e também nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Maranhão e no Distrito Federal.

A operação foi batizada de Poço de Lobato, numa referência ao primeiro poço de petróleo do Brasil, localizado no bairro de Lobato, em Salvador (BA), cuja exploração começou em 1939, quando o escritor Monteiro Lobato era um entusiasta da atividade.

A ação conta com o trabalho conjunto entre Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e os Ciras, comitês interinstitucionais de recuperação de ativos nos estados.

O Cira é uma espécie de força-tarefa. Reúne órgãos estratégicos como Ministério Público, Procuradoria e Secretaria de Fazenda e Segurança Pública para combater a sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e outros crimes, além de recuperar ativos desviados ou ocultos.

A operação ganhou ainda o apoio das polícias Civil e Militar, além dos Gaecos, os grupos de atuação especial de combate ao crime organizado. Apesar de a operação não ter como alvo facções, mira supostos esquemas arquitetados para impedir a cobrança tributária.

A avaliação das autoridades é que o grupo Fit se sustenta há anos com um esquema de irregularidades que vai "do porto ao posto sem pagar imposto", incorporando fraude aduaneira e sonegação de tributos como parte da estratégia de negócio. A investigação abrange todos os níveis da cadeia de combustíveis, da importação à comercialização ao consumidor final.

Segundo as autoridades, apesar de o grupo ter um núcleo no estado do Rio de Janeiro, a atuação abrange praticamente todo o território nacional.

Procurada pela reportagem, a assessoria não se manifestou até a publicação deste texto. Em entrevista à Folha, em setembro, Ricardo Magro afirmou que suas empresas não sonegam. Disse, por exemplo, que no Rio já havia negociado os débitos. Em São Paulo, afirmou, tem uma discordância com a Fazenda estadual sobre a forma de pagamento.
O entendimento das autoridades é que o grupo Refit está associado a terceiros para sonegar, fraudar e ocultar patrimônio, nos moldes de uma organização criminosa —operam com uma rede que inclui holdings, offshores, instituições de pagamento e fundos de investimento. Para alcançar todos os elos, a operação desta quinta extrapola a área de combustíveis e chega ao setor financeiro.

A estrutura é descrita como "sofisticada", com movimentações que somam bilhões de reais passando por dezenas de fundos de investimentos e instituições financeiras, com apoio e participação direta de administradoras e gestoras, indicam as investigações.

A Receita Federal detalha que o esquema envolvia uma empresa financeira "mãe" controlando diversas "filhas", criando operações complexas que dificultavam a identificação dos verdadeiros beneficiários.

Assim como na megaoperação Carbono Oculto, foram exploradas brechas regulatórias, como as "contas-bolsão", que impedem o rastreamento do fluxo dos recursos. A principal financeira tinha 47 contas bancárias em seu nome, vinculadas contabilmente às empresas do grupo.

O dinheiro ilícito, detalhou a Receita, era reinvestido em negócios, propriedades e outros ativos por meio de fundos de investimento, dando aparência de legalidade e dificultando o rastreamento.

O órgão destacou em nota que já identificou 17 fundos ligados ao grupo Fit, que somam patrimônio líquido de R$ 8 bilhões. "Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo, criando camadas de ocultação. Há indícios de que as Administradoras colaboraram com o esquema, omitindo informações do fisco", destacou o texto divulgado.

A operação desta quinta foi organizada para que os fiscais também pudessem recolher mais provas nos endereços em que operam as empresas suspeitas.

Os investigadores levantaram que o grupo movimentou mais de R$ 70 bilhões em apenas um ano, utilizando empresas próprias, fundos de investimento e offshores —incluindo uma petroleira no exterior— para ocultar e blindar lucros. Também identificaram que, entre 2020 e 2025, foram importados mais de R$ 32 bilhões em combustíveis.

Nesses esquemas, afirmam as autoridades, a empresa não recolhe tributos há anos, declara falsamente o conteúdo de importações com a finalidade de pagar menos tributos aduaneiros, utilizando a interposição de pessoas para dar aparência de legalidade às suas operações de importação e ocultar receitas relacionadas às suas atividades operacionais.

Em São Paulo, onde os fiscais tributários têm atuado intensivamente contra o grupo Fit, a operação reuniu, além do Cira/SP, a Secretaria Municipal da Fazenda.

Os órgãos que monitoram a tributação em São Paulo afirmam que o grupo Fit organizou um esquema com várias empresas que, sobrepostas, buscam dificultar o recolhimento de ICMS, o que alimenta crimes contra a ordem econômica e tributária, lavagem de dinheiro, ocultação de lucro e de patrimônio. O esquema, reforçam, também simula operações interestaduais com combustíveis, contornando a aplicação dos Regimes Especiais de Ofício pela Secretaria da Fazenda no estado.

Ainda segundo as autoridades paulistas, o grupo tem uma atuação dinâmica. Quando uma estratégia é identificada, o modus operandi é alterado, criando novos empecilhos.

A Receita Federal, em nota, informou que a PGFN e o Cira/SP já conseguiram medidas cautelares em ações judiciais cíveis que bloquearam mais de R$ 10,2 bilhões em bens dos envolvidos, incluindo imóveis e veículos, para a garantia do crédito tributário.

Ação internacional

O braço internacional do grupo Fit também é descrito como sofisticado pelos investigadores.
Apesar de a empresa já ter negado, o fisco federal destaca suspeita de importação com falsa declaração do conteúdo (gasolina importada declarada como derivados de petróleo para industrialização), ausência de evidências do processo de refino e indícios de uso de aditivos químicos não autorizados pela regulamentação, pois alteram as características do produto e podem indicar tentativa de adulteração do produto vendido ao consumidor.

A Receita detalhou que uma das principais operações internacionais envolveu a aquisição de uma exportadora em Houston, Texas, da qual foram importados combustíveis no valor de mais de R$ 12,5 bilhões entre 2020 e 2025.

"Já foram identificadas mais de 15 offshores nos EUA, que remetem recursos para aquisição de participações e imóveis no Brasil, totalizando cerca de R$ 1 bilhão", destacou o órgão.

"Também foram detectados envios ao exterior superiores a R$ 1,2 bilhão sob a forma de contratos de mútuo conversíveis em ações, que podem retornar ao Brasil como investimentos por meio de outras offshores, fechando o ciclo."

A análise dos fundos identificou, apontou a participação de entidades estrangeiras como sócias e cotistas, além da coincidência de representantes legais entre offshores e fundos.

"Essas entidades foram constituídas em Delaware, nos Estados Unidos, jurisdição conhecida por permitir a criação de empresas do tipo LLC com anonimato e sem tributação local, desde que não gerem renda em território norte-americano", destacou a Receita.

"Por meio dessa estrutura, as entidades deixam de ser tributadas tanto nos EUA quanto em território nacional. Tal prática, é comumente associada a estratégias voltadas à lavagem de dinheiro ou blindagem patrimonial dos envolvidos."

O órgão lembrou que na Operação Cadeia de Carbono foram retidos quatro navios com cerca de 180 milhões de litros de combustível. Por causa disso, refinaria no Rio foi interditada em setembro pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) sob a suspeita de irregularidades na importação e venda de combustíveis.

Apesar da operação ter natureza tributária e não incluir ação envolvendo facções, a Receita também diz que o grupo investigado mantém relações financeiras com empresas e pessoas ligadas à Carbono Oculto e após a paralisação das distribuidoras investigadas naquela operação, o grupo Fit alterou totalmente sua estrutura financeira.

Ele substituiu o modelo usado desde 2018 por outro com novos operadores e empresas. Esses operadores, antes responsáveis por movimentações de cerca de R$ 500 milhões, passaram a movimentar mais de R$ 72 bilhões após 2024

Alexa Salomão – Folha de S.Paulo