Especialistas criticam ideia de Bolsonaro de comprar diesel de Putin
O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira (11) que está “quase certo” um acordo para o Brasil importar óleo diesel da Rússia para reduzir risco de desabastecimento, já que o país não produz todo o combustível que consome.
No entanto, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, aumentar a oferta de combustível tende a reduzir o preço, porém, importar diesel da Rússia, país alvo de sanções econômicas das potências ocidentais, pode ter um custo alto para o Brasil.
Há duas semanas, ele já havia afirmado que a possibilidade existia e que o tema havia sido tratado em uma conversa telefônica com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Ontem, porém, foi mais enfático, dizendo que a possibilidade é consequência de sua viagem a Moscou, pouco antes da invasão da Ucrânia pela Rússia.
"Está quase certo um acordo para comprarmos diesel bem mais barato da Rússia. Onde a Petrobras, alguns, compravam mais caro" afirmou Bolsonaro, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, onde voltou ao tema mais tarde. "Está acertado. Em 60 dias já pode começar a chegar aqui, já existe essa possibilidade. A Rússia continua fazendo negócio com o mundo todo, parece que as sanções econômicas não deram certo."
Alinhamento indesejado
O advogado Fábio Pimentel, sócio do escritório Pimentel e Aniceto Advogados, diz que, legalmente, não há impedimento na importação em si. Porém, ao transacionar com a Rússia neste momento, o Brasil acaba explicitando um alinhamento econômico enquanto outros parceiros comerciais do país estão impondo embargos ao país. O melhor, diz o jurista, seria buscar alternativas neutras.
"Buscar outros fornecedores fora do eixo da guerra pode ser uma boa alternativa, senão o Brasil corre o risco de trocar uma crise energética por uma crise econômica internacional. É obrigação do governo brasileiro garantir a segurança energética nacional", afirmou Pimentel, que vê risco de o país se tornar alvo de sanções, caso fique claro que há outros mercados com produto disponível. "Pior que comprar combustível russo é não explicitar que essa compra é feita por falta de opção."
Bolsonaro defendeu a medida afirmando que o país importa cerca de 30% do diesel consumido e que é preciso importar de quem está vendendo mais barato e não de quem pratica preços maiores. A aquisição seria feita pela Petrobras, que compraria o combustível russo por meio de traders (comercializadoras), segundo uma fonte do setor. Procurada, a companhia não se manifestou.
Operação não é simples
Segundo Sérgio Araujo, presidente da Abicom, associação dos importadores, o Brasil não importa diesel da Rússia atualmente. Para colocar a operação de pé, seria necessário vencer dificuldades como o valor do seguro da carga e até mesmo a forma de pagamento, já que o sistema bancário russo está parcialmente desconectado dos sistemas internacionais que utilizam o dólar como moeda de troca.
Outra fonte do setor ressalta que as empresas que atuam no segmento de distribuição no Brasil, com acionistas ou sede na Europa ou nos Estados Unidos, precisariam de uma autorização especial.
A compra de derivados de petróleo é feita por meio de traders. As empresas do segmento que atuam no Brasil, mas têm sede nos EUA ou na Europa, não podem fazer negócios com a Rússia em razão das sanções econômicas impostas após a invasão da Ucrânia.
A Rússia pode descontar o preço do frete na venda do diesel a fim de se equiparar ao valor do produto oriundo do Golfo, de acordo com fontes do mercado. Segundo o executivo de uma distribuidora, a importação da Rússia é inexistente hoje por uma questão de preço.
Atualmente, a maior parte do diesel importado pelo Brasil vem do Golfo do México, por uma questão de logística e menor custo de transporte. Porém, desde o início da Guerra na Ucrânia, a oferta de diesel no mercado vem se tornando mais restrita. Hoje, o estoque de diesel no país, sem considerar importações, seria suficiente para abastecer o mercado por apenas 48 dias.
Na avaliação de integrantes do governo, o Brasil deve ser livre para fazer negócios com o mundo todo. Esse ponto é lembrado por Edmar Almeida, professor do Instituto de Energia da PUC-Rio. Ele destaca que o governo brasileiro já deixou claro que não apoia sanções contra a Rússia, portanto não vê risco na operação:
"O Brasil não está apoiando as sanções contra a Rússia. Não faz sentido não se alinhar com a Europa e deixar de comprar. Mas não acho que, se comprar (petróleo russo), vai ter algum efeito sobre o alinhamento dos preços com o mercado internacional."
A restrição na oferta de diesel no segundo semestre é um fenômeno global. No Brasil, coincidiria com o período da safra agrícola, o que poderia ter impacto sobre os preços dos alimentos.
Além disso, é o combustível usado no transporte público. Uma crise por escassez de diesel a menos de três meses da eleição é tudo que o governo busca evitar no momento. Na avaliação de fonte da área diplomática, o abastecimento do produto é prioridade total e qualquer erro poderia ter consequências graves para o governo em ano eleitoral.
No primeiro semestre, o país aumentou em 91,8% suas importações da Rússia, de acordo com dados do Ministério da Economia. Do total de itens comprados daquele país, 77% são adubos e fertilizantes, que registraram alta de 172% nas aquisições.