Refit importava gasolina, mas disse à Justiça que carga era petróleo, mostram laudos da ANP
A carga da Refit (nome fantasia da Refinaria de Manguinhos) apreendida pela Receita Federal no último dia 19 de setembro, na Operação Cadeia de Carbono, era gasolina, e não óleo bruto de petróleo, como afirmou a companhia à Justiça do Rio e à Receita Federal. A informação consta de laudo técnico produzido pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e entregue à Justiça nesta quinta-feira, 2.
Procurada, a Refit afirma contestar os exames feitos pela ANP, alegando que “não seguem as resoluções da própria agência, que determinam os parâmetros técnicos a serem atendidos para que um produto seja legalmente considerado gasolina”.
É a segunda contradição apontada pelas autoridades federais contra a Refit, que já teve quatro navios com carga apreendida e foi interditada pela ANP no último dia 26 de setembro por suposta importação irregular de gasolina e por não refinar, apesar de acessar benefícios tributários específicos para a atividade de refino.
A Refinaria de Manguinhos entrou no radar das autoridades após a deflagração da Operação Carbono Oculto, em 28 de agosto. Na sexta-feira passada (26), a refinaria foi interditada pela ANP.
As autoridades investigam se o combustível da Refit abasteceria redes de postos de gasolina controlados pelo PCC. Segundo os investidores, a organização criminosa usa o mercado de combustíveis para lavar dinheiro do crime e ocultar os verdadeiros donos com a ajuda de bancos e fintechs instaladas na Faria Lima. A empresa nega ter relação com distribuidoras identificadas nas investigações e fornecer combustível ao crime.
A Receita Federal também apura se Manguinhos está sonegando impostos ao importar nafta e outros derivados de petróleo para fazer gasolina, sem recolher os tributos como deveria, além de usar empresas de fachada para ocultar os reais importadores do combustível, o que é crime.
Segundo as autoridades, essa conduta deforma o mercado legal, ao criar uma concorrência desleal com competidores, além de permitir a infiltração do crime organizado em uma cadeia complexa e de elevada carga tributária.
Os laudos da ANP foram elaborados a partir de 19 amostras de combustível apreendidos na Operação Cadeia de Carbono, quando a Receita Federal interditou dois navios supostamente com nafta que iam para Manguinhos. A carga foi importada pelas empresas Axa Oil e Fair Energy, que trabalham exclusivamente para a Refit. A empresa nega ter participação nas duas empresas.
Todo o processo de importação da carga ocorreu na Paraíba, onde a empresa também poderia usufruir de um benefício tributário de ICMS, embora o material tivesse como destino o Rio.
Quando uma empresa importa gasolina, deve recolher todo o imposto na compra do produto, inclusive o ICMS. Já quando compra nafta, as alíquotas são mais baixas e ela pode pagar depois, apenas quando vende a mercadoria processada. As autoridades afirmam acreditar que a Refit comprava gasolina pronta, mas declarava ser nafta ou petróleo para evitar a tributação (mais alta) da gasolina.
No pedido para liberar a carga, avaliada em R$ 240 milhões pela Receita, a Refit informou à 5ª Vara Empresarial do Rio que se trata de 82 milhões de litros de óleo bruto de petróleo e de 5 milhões de litros de hidrocarbonetos de mistura aromáticos (normalmente usados para o tratamento da nafta para transformá-la em gasolina). No entanto, os laudos da ANP, a que o Estadão teve acesso, afirmam que o material é gasolina.
“Amostra com características físico-químicas de gasolina automotiva. Os resultados obtidos para os parâmetros avaliados na amostra atendem aos limites especificados na Resolução 807 para Gasolina A”, afirma o documento.
Segundo a Refit, os testes feitos pela ANP não seguem todos os parâmetros para avaliar se um produto é gasolina, como destilação, octanagem, limites de hidrocarbonetos e densidade.
“Se qualquer um desses critérios não for atendido, o produto não pode ser considerado gasolina e, de acordo com a Resolução 807/2020 da ANP, deve ser classificado como nafta petroquímica ou como condensado de gás natural, ambos destinados a uso petroquímico/industrial e não ao consumo veicular”, afirma a companhia. “A Refit contestará tecnicamente tais laudos nos autos do processo administrativo na ANP e em outras instâncias que forem necessárias.”
Nesta semana, o Estadão revelou que a Refit chegou a negar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que a carga apreendida era dela. No mesmo dia, porém, ingressou com a ação na Justiça reivindicando a posse do material apreendido.
A autarquia voltou então a questionar a Refit, que é uma empresa de capital aberto e por isso deve prestar informações aos investidores.
Nesta sexta-feira, 2, ela fez novo comunicado à CVM negando a contradição e afirmou que, na ocasião do fato relevante, não possuía a confirmação de que a titularidade das cargas apreendidas havia sido transferida para a companhia, já que o desembaraço foi realizado por empresas terceirizadas. A empresa declarou ainda que não houve intenção de ocultar informações ou induzir investidores a erro.
Mariana Carneiro – Estadão