Mercado cobra da ANP “lista suja” do RenovaBio
A indústria de combustíveis espera que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) publique a lista de empresas que não cumpriram com a obrigação de comprar os certificados de crédito de descarbonização (CBios), como parte do RenovaBio, programa de redução de emissões de gases de efeito estufa do setor. A ideia é que a divulgação da “lista suja” pela agência traga segurança jurídica às produtoras e distribuidoras de combustíveis para que não sejam comercializados produtos com as revendas inadimplentes. Procurada, a ANP afirmou que o tema está em deliberação interna.
Agentes do setor alegam que o descumprimento da meta do RenovaBio é recorrente e, com a publicação da lista, fornecedores podem se recusar a vender combustíveis sem o risco de serem obrigadas sob força de ações judiciais.
O RenovaBio estabelece a política nacional de biocombustíveis, como etanol e biodiesel, pela lei 13.576/2017. O programa fixa metas anuais de redução de emissões de distribuidoras e assegura expansão previsível da oferta de biocombustíveis. O cumprimento da meta se dá pela compra e “aposentadoria” dos CBios pelas distribuidoras.
Cada CBio corresponde à emissão evitada de 1 tonelada de carbono, com o consumo de combustível renovável. A “aposentadoria” é uma espécie de registro na B3 dos CBios, como forma de comprovar o atendimento às metas compulsórias pelas distribuidoras. Os CBios não aposentados indicam o nível de descumprimento do programa. Para 2025, as metas de descarbonização correspondem à emissão de 49 milhões de CBios. Em 2024, segundo levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), 77% da meta foi atendida, o que evidencia uma prática contumaz do mercado.
Para endurecer a vida dos inadimplentes, o governo editou a lei 15.082/2024 e o decreto 45.437/2025, que reforçam mecanismos de fiscalização do cumprimento das metas. O decreto estabelece, entre outros pontos, multas que podem chegar a R$ 500 milhões a distribuidores e revendas que descumprirem metas de descarbonização. Também prevê a inclusão no cadastro negativo, o que implica proibição de comercializar combustíveis com outros agentes, bem como realizar importação direta, entre outras ações.
Segundo a diretora de downstream do IBP, Ana Mandelli, algumas empresas acharam na inadimplência proposital uma facilidade de ganhar mercado sobre a concorrência. Em 2023, por exemplo, mais de 60 empresas não cumpriram as metas do RenovaBio, afirmou. “Quem não cumpre as metas está recebendo uma vantagem indevida”, disse Mandelli.
A análise do IBP, com base em dados da ANP, aponta que 68 empresas estão com processos administrativos instaurados pela ANP por descumprimento da regra de compra de CBios. As multas aplicadas pela ANP somam R$ 505 milhões, mas apenas R$ 17 milhões foram quitados ou parcelados. Outros R$ 85 milhões estão sob as liminares em vigor. Em 2024, cada CBio correspondeu a um preço médio da ordem de R$ 100. Logo, o prejuízo para o mercado no ano passado foi de aproximadamente R$ 1 bilhão.
Mandelli estima que esse valor corresponde a um descumprimento de cerca de 25% do mercado, já que as três maiores empresas do setor (Vibra, Raízen e Ipiranga), por exemplo, obtêm créditos de descarbonização que equivalem a R$ 4 bilhões.
Fontes do setor alegam que, além do prejuízo ambiental, a concorrência fica prejudicada pela competição injusta entre as empresas. Segundo uma das fontes, em conversas com a ANP, a avaliação da agência é de que não seria necessária nenhuma regulamentação adicional, apenas preparar a lista e publicá-la.
A lista pode tirar do mercado empresas que não cumprem a legislação ambiental. O não cumprimento das metas de descarbonização traz margem na distribuição que pode variar entre R$ 0,20 e R$ 0,30 por litro para a revenda. Em condições normais, por exemplo, o diesel traz uma margem de R$ 0,06 por litro na revenda.
“Continuamos com a expectativa que a ANP publique a lista das distribuidoras que descumpriram as metas. Inclusive, algumas delas foram condenadas [judicialmente] em primeira instância”, disse a fonte. O tema ganha mais atenção com os cortes de orçamento da ANP. A agência vai reduzir ações de fiscalização após perder cerca de R$ 34 milhões do orçamento de 2025, da ordem de R$ 140 milhões.
Fábio Couto – Valor Econômico