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Política

Programa Mover favorece biocombustíveis, diz CBIE


Argus - 26 jan 2024 - 17:35

Em 30 de dezembro, o governo federal lançou um programa de descarbonização da frota de transportes para substituir o Rota 2030. O Mover, ou Mobilidade Verde e Inovação, ainda é uma Medida Provisória (MP) a ser votada no Senado e estabelecerá requisitos para comercialização de novos veículos produzidos internamente ou importados.

A principal diferença em relação à iniciativa anterior é o maior foco no papel dos biocombustíveis como vetores da transição energética brasileira e não nos carros elétricos, apontou Bruno Pascon, sócio fundador da consultoria CBIE Advisory, parte do Centro Brasileiro de Infraestrutura, à Argus.

A seguir, os principais pontos da entrevista.

Quais são as maiores diferenças do Mover para o Rota 2030?

O Mover é um aprimoramento em relação ao Rota 2030, pois ao mudar a metodologia de cálculo dessas emissões [de CO2, com a contagem do "poço à roda"], está incentivando mais o uso de carros híbridos e menos de veículos 100pc elétricos.

E a partir de 2027, aumentando ainda a maneira de contabilizar o CO2 equivalente, "do berço ao túmulo", vai mostrar que o biocombustível é ainda mais adaptável e melhor para o meio ambiente do que um carro 100pc elétrico.

E é um estímulo fiscal muito grande, que dobrou o volume de investimento que você pode fazer em relação a P&D [pesquisa e desenvolvimento], que antes era 0,3pc e será de 0,3-0,6pc da receita. Também quase triplicou o efeito fiscal positivo, ou seja, o quanto você pode deixar de pagar imposto, podendo chegar até R$3,20 para cada real investido em P&D, o que é um incentivo para que cada vez mais haja investimentos em biocombustíveis e soluções de transição energética que não constituem somente o carro elétrico.

O programa consolida uma agenda do governo federal dos biocombustíveis como principal rota de transição?

Exato. E é curioso que quando a gente olha o mapa que a Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA) criou para mostrar qual seria o caminho para conseguir descarbonizar as economias e limitar o aquecimento global até 2050, o hidrogênio aparece só com 10pc.

E a bioenergia – que envolve biocombustível e captura de CO2 – é 20pc da transição energética. O hidrogênio virou moda, mas é muito mais caro do que todo biocombustível que a gente já tem, já domina a tecnologia. Eu poderia produzir hidrogênio com etanol, mas por que já não utilizar direto o etanol?

Pensando em captura e armazenagem de carbono (CCS, na sigla em inglês) de fósseis e pela rota da bioenergia (BECCS, na sigla em inglês), o cálculo de emissões do berço ao túmulo deve incentivar projetos do tipo?

Totalmente. Quando se fala do carro elétrico, a grande preocupação é o descarte destas baterias, que não são um produto biodegradável como é o biocombustível. A vida útil da bateria não é tão longa, pode durar cerca de 12 anos, roda menos quilômetros.

Então, quando olhamos do berço ao túmulo, a captura de CO2, seja ela capturada direto no ar, que é mais cara, ou via BECCS, já representa 14pc no gráfico da IRENA. E este número somado ao CCS da indústria de combustíveis fósseis chega em 20pc. É algo que está muito mais pronto do ponto de vista econômico e financeiro do que produzir hidrogênio verde, por exemplo.

O Mover terá algum impacto no mercado de CBios?

Quanto mais tiver a adoção de biocombustível no Brasil, mais tem condição de negociar CBios. O Mover anda ao lado da política do Renovabio.

Aguardamos agora a regulamentação no Senado da lei que cria um mercado de carbono mais amplo, não só envolvendo CBio, mas também energia, como o IREC [Certificado de Energia Renovável]. O biometano, por exemplo, ainda não tem a especificidade dele como crédito regulado de carbono. Então, estamos esperançosos tanto com essa lei quanto com o Mover, assim teremos outras formas de comercializar o crédito de carbono de uma maneira que seja equiparável ao que é vendido lá fora, para também poder exportá-lo e não só comercializar internamente.

Esta manutenção do híbrido também é uma forma de, mesmo com o avanço da transição energética, manter a gasolina na nossa matriz energética?

Acho que sim, mas do ponto de vista de comportamento, diria que esse programa vai incentivar no bolso do consumidor que eu abasteça mais com etanol.

Não quer dizer que vamos voltar a ter carro só com etanol, acho que a vocação do Brasil é o híbrido. Mas vai incentivar no bolso o consumo do etanol, porque no final do dia, quando eu tiver a pontuação do tipo de carro que tenho, pensando nas montadoras, vou ter mais custo se consumir combustível ou produzir carro com combustível fóssil. Pensando no IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados], o Mover institui que quanto mais verde for a produção, menos IPI é cobrado.

Quer dizer que o consumo de gasolina vai ser eliminado? Não, vai ser uma coisa mais gradual. Porém, quando tivermos a escala, por exemplo, para o biometano, acredito que ele reduzirá o consumo de diesel. No transporte pesado, não há autonomia para rodar longas distâncias com elétrico e vejo que o biocombustível será a principal solução para substituir o diesel.

O programa barateará o preço do etanol?

Não só o etanol de primeira geração, mas biodiesel, etanol de segunda geração e biometano. Toda vez que o governo der incentivo à adoção desse combustível, a produção vai aumentar.

Se eu produzir mais para a mesma demanda, o preço vai cair. O grande desafio da indústria de biocombustíveis é escala e é por isso que se criam programas como o Mover e o Renovabio.

Laura Guedes – Argus