Multinacionais querem expandir cultivo de óleo de palma na África
Saído da África para conquistar o Sudeste Asiático no século passado, o dendezeiro está voltando com força total para seu continente de origem. De dois anos para cá, os projetos de investimentos na produção de óleo de palma têm se multiplicado na zona intertropical africana, a ponto de uma conferência continental ter sido organizada em Acra, capital de Gana, entre quarta e quinta-feira (5 e 6 de setembro), para possibilitar contatos entre investidores e órgãos financeiros.
Simultaneamente, na quarta-feira (5), o Greenpeace e uma outra ONG, o Oakland Institute, publicaram dois relatórios denunciando as condições nas quais esses investimentos estão sendo feitos, criticando especialmente o projeto da empresa americana Herakles. Esta assinou, em 2009, com o governo camaronês, um contrato de locação por 99 anos de 73 mil hectares de terras situadas no sudoeste do país, para ali cultivar a palmeira e produzir óleo de palma.
“Essa onda repentina de contratos fundiários e de investimentos (...) pode levar a um desmatamento em grande escala, a mudanças climáticas, a abusos sociais e à perda de parte das terras cultivadas pelas comunidades locais”, adverte o Greenpeace.
A ONG Grain enumerou cerca de trinta projetos de investimentos nas plantações de dendezeiros na África, sendo um deles de 180 mil hectares no Congo, conduzido por uma empresa malaia. O grupo cingapuriano Olam anunciou, em janeiro, que pretendia investir US$ 250 milhões (R$ 510 milhões) na produção de óleo de palma no Gabão. “Todo país quer se tornar o maior produtor africano de óleo de palma”, acredita Frédéric Amiel, do Greenpeace França.
Esse entusiasmo é explicado por pelo menos três fatores: a disponibilidade de terras, o aumento da demanda e a perspectiva de um lucrativo retorno sobre o investimento. Segundo um relatório do banco japonês Nomura, citado pela revista Jeune Afrique, a Indonésia e a Malásia, que garantem 85% da produção mundial atual de óleo de palma não terão mais terras cultiváveis daqui a dez anos. “Já a África dispõe de uma enorme reserva de terras aráveis não cultivadas”, reconhece Mouhamadou Niang, do Banco Africano de Desenvolvimento.
As grandes empresas do setor – asiáticas, em sua maioria – não demoraram a prospectar desse lado do planeta. “Temos experiência para ajudar a África a erradicar a pobreza e garantir sua segurança alimentar”, afirmaSupramaniam Ramasamy, diretor das plantações da Olam.
O óleo de palma, do qual a África é importadora líquida, se tornou o óleo vegetal mais consumido no mundo, com 39% de um mercado em plena expansão, bem à frente da soja, da canola e do girassol. Segundo o Banco Mundial, “mais 28 milhões de toneladas de óleos vegetais deverão ser produzidos a cada ano até 2020” em razão do crescimento demográfico e da demanda alimentar, e isso sem nem levar em conta o uso de oleaginosas para produzir biocombustíveis.
Apesar de sua má imagem em certos países ocidentais, particularmente na França, o óleo de palma é o mais bem posicionado para atender a esse desafio: apesar da alta de seu preço, ele continua sendo o mais econômico dos óleos vegetais. E a produtividade do dendezeiro lhe permite utilizar – em igual produção – de seis a nove vezes menos terras do que as outras oleaginosas.
“O dendezeiro é uma fábrica de óleo, que pode produzir até seis toneladas por hectare e rende entre US$ 2 mil a 3 mil (R$ 4.080 a R$ 6.120) por hectare ao ano, se empolga Alain Rival, pesquisador no Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad). “Nenhuma outra cultura, exceto talvez pela seringueira, rende tanto”.
Não é preciso ir procurar mais longe pelas razões do entusiasmo pelo cultivo do dendezeiro, as mesmas que levaram a Indonésia e a Malásia a sacrificarem durante anos suas florestas primárias pela renda que se oferecia por elas. Mas o desmatamento levou o Banco Mundial a suspender seus investimentos no setor em 2009 e os países importadores ocidentais a exigirem a criação de uma certificação.
Poderia o óleo de palma ser uma oportunidade de a África tirar da pobreza parte de sua população, como aconteceu no Sudeste Asiático, ou será que o continente pode, mais uma vez, deixar escapar os lucros obtidos com esse cultivo? “O óleo de palma é ótimo, mas não em qualquer lugar e não de qualquer jeito”, diz Patrice Levang, agroeconomista no Instituto Francês de Pesquisa para o Desenvolvimento.
O Banco Mundial lembrou que o cumprimento de um certo número de critérios sociais e ambientais era indispensável. Em primeiro lugar, a consulta e o consentimento das comunidades envolvidas, o respeito às zonas florestais de alto valor de conservação, a integração a esses projetos de agricultura intensiva de pequenos cultivadores e produtores ou ainda a proteção dos direitos fundiários.
São critérios que as ONGs acusam certos investidores e certos Estados de não respeitarem no momento de assinar contratos, com vantagem quase exclusiva dos primeiros. Patrice Levang acredita ser necessária a instauração de planos nacionais de desenvolvimento sustentável do dendezeiro na África. Esperando que seja esse o caso, o Greenpeace está pedindo pela suspensão dos “projetos agroindustriais que preveem concessões de terras em grande escala”.
Gilles Van Kote
Tradução e adaptação UOL