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Negócio

Para analistas, Petrobras ignora transição energética em plano estratégico


Exame - 29 nov 2021 - 09:10

Nos próximos cinco anos, a Petrobras pretende investir US$ 55 bilhões em projetos. Deste total, US$ 1,8 bilhão é para a agenda verde e de transição energética. Na visão de analistas ouvidos pela Exame, o novo plano estratégico da empresa, divulgado na última semana, tem acertos, mas ignora o futuro em que o petróleo será menos relevante.

Petroleiras como a British Petroleum (BP), Equinor e Chevron têm apostado em uma mudança de modelo de negócios. A ideia delas é abandonar aos poucos a exploração e a dependência do petróleo. A mudança inclusive já alterou a forma como elas se comunicam. Agora, a ideia é passar a mensagem de que são empresas de energia. A BP, por exemplo, adotou a cor verde na marca.

Na Petrobras, porém, a agenda se resume em reduzir as emissões de carbono na exploração do petróleo e zerá-las até 2050. A empresa já tem até investido nisso nos últimos anos, principalmente na reinjeção de gás nos poços, que antes eram queimados nas plataformas. Hoje, a extração de cada barril de petróleo gera 15,7 quilos de carbono. Em 2010, eram 30 quilos. Essa emissão acontece porque ao retirar petróleo de um poço, não é só óleo que sobe, mas também gases.

Os mais de 40 bilhões restantes que a empresa pretende investir nos próximos anos são focados em aumentar a exploração no pré-sal. A região tem alta produtividade, volumes de reservas altos – o que diminui o custo de extração – e forte expertise na exploração de águas profundas. Quase 70% do petróleo produzido pela empresa vem de lá. Em 2026, esse valor deve ser 79%.

Apesar de criticar a falta de indicativos para a transição verde, o investimento no pré-sal é elogiado pelo analista Ilan Albertman, da Ativa Investimentos. “Eles têm uma oportunidade fantástica com o pré-sal, que tem o custo de exploração de US$ 3 o barril. Com o brent a US$ 80, é um negócio muito lucrativo. Então é um acerto priorizar o que faz a companhia girar mais rápido”.

O analista ainda aponta que 70% do Ebitda do terceiro trimestre veio do pré-sal. “Ainda assim, em um plano de investimento de mais de US$ 50 bilhões, só US$ 1,8 bilhão para compensação de carbono é tímido”, afirma e completa: “Há poucos projetos de aumentar a oferta de petróleo no mundo. No médio prazo o preço vai ficar fortalecido, mas e depois? Eu acho que é fundamental ter outros caminhos. Vai ter demanda de petróleo, mas tem de diversificar o portfólio com uma agenda verde”.

A professora da Coppe-UFRJ, Suzana Kahn, concorda que a empresa deveria diversificar. Para ela, a opção de geração de energia eólica em alto-mar poderia ser uma boa opção para a empresa, já que a Petrobras domina a tecnologia offshore. Outra tecnologia possível seria aproveitar o movimento das marés.

“Eu acho que esse planejamento da Petrobras de explorar ao máximo o pré-sal é muito arriscado porque um olhar míope e extrativista. Extrai tudo o que dá. É claro que a gente ainda vai precisar de petróleo, mas estamos chegando num ponto em que a demanda vai começar a cair. Ela pode extrair tudo agora, mas e depois?”, questiona e completa: “Todas as outras petroleiras estão investindo muito em energias renováveis. Não só as empresas como os países. A China investiu 800 bilhões nisso nos últimos quatro anos e os Estados Unidos 400 bilhões. Faz sentido ignorar isso?”.

Mesmo que ainda exista um consumo de petróleo residual nas próximas décadas, principalmente para a indústria petroquímica e produção de plástico, a visão dos analistas é que esse mercado seria muito pequeno para sustentar a exploração de petróleo a todo vapor. Com isso, o tamanho da Petrobras será muito menor no futuro se ela não diversificar e apostar na transição.

Albertman reconhece que a diretoria da empresa quer focar no produto que domina, zelando pelo capital da empresa. Mas ele cita também que, em algum momento no futuro, a demanda pelo petróleo vai começar a cair em meio à transição energética do mundo – e, assim, também o preço.

Existem diversas tentativas de prever quando a demanda de petróleo vai atingir um pico, para depois cair. A Agência Internacional de Energia projeta que isso ocorra em 2025, uma perspectiva de queda considerada rápida. As previsões, no entanto, concordam que isso deve acontecer até 2040.

No relatório do novo plano estratégico, a Petrobras afirma que é possível explorar petróleo do pré-sal com algum lucro mesmo que o barril chegue a custar apenas US$ 20. A empresa já prevê uma queda para os próximos cinco anos: em 2026, o barril custará US$ 55.

“No curto e médio prazo, a trajetória do setor de óleo e gás é positiva. Os últimos balanços não deixam dúvida. Há uma grande capacidade de criação de valor, mas quando você pensa na viabilidade de uma companhia seu espectro de tempo é maior”, explica Ilan Albertman.

Para o analista, o tempo de investir sozinha em energia eólica e solar passou, e agora valeria a pena contar com parcerias, principalmente quanto à energia eólica que hoje é competitiva.

Em relatório sobre a empresa, o banco BTG Pactual elogiou os compromissos financeiros e de foco no pré-sal, apesar de ainda considerar que oscilações políticas – como cobranças para baixar preços dos combustíveis – têm peso negativo.

O banco também não trouxe críticas sobre a necessidade de se apontar projetos mais concretos de transição energética e elogiou o que foi abordado no plano sobre a agenda verde. “O ESG ocupou uma parte mais forte do que nunca na apresentação e nas diretrizes da empresa para o plano estratégico”, cita o relatório.

Outros anúncios do plano estratégico da Petrobras foram mudanças nos dividendos e investimentos para a finalização da refinaria de Abreu e Lima. Eles serão pagos trimestralmente e somarão pelo menos US$ 4 bilhões em anos em que o Brent médio registrado for de pelo menos de US$ 40 e no caso da dívida bruta estar abaixo de US$ 65 bilhões.

Victor Sena – Exame