País terá dificuldade de substituir diesel russo
Na terça-feira (15), o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Mark Rutte, disse que Brasil, China e Índia podem ser afetados pelas sanções secundárias que o presidente americano, Donald Trump, ameaçou impor aos países que compram produtos russos. O plano de Trump é impor tarifas de 100% sobre os compradores da Rússia, caso o presidente Vladimir Putin não aceite um acordo de paz na Ucrânia em 50 dias.
De janeiro a junho, a Rússia foi o principal vendedor de diesel para o Brasil, segundo o MDIC. Importadores brasileiros compraram no período US$ 2,5 bilhões em combustível russo. Os EUA ficaram em segundo lugar, com US$ 1 bilhão em vendas (ver quadro). Do diesel vendido no mercado brasileiro, 70% são supridos por produção local e 30%, por importações.
Felipe Perez, analista da S&P, diz que o Brasil pode ter dificuldades de encontrar uma fonte alternativa para a importação de diesel em momento em que o produto tem baixos estoques no mundo. “Caso exista retaliação tarifária que inclua combustíveis, o diesel americano ficaria mais caro e não atrativo para importar. Outra opção poderia ser a Índia, mas que também é grande consumidor do produto russo e estaria na mira da extensão de sanções e tarifas dos Estados Unidos.” Conforme Perez, Nigéria e países do Oriente Médio ainda podem ser opções, mas custos de frete e baixo volume de entrega podem ser impeditivos para resolver o problema como um todo.
O diesel russo começou a ganhar protagonismo nas importações brasileiras em 2023. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia, os países da União Europeia e os Estados Unidos impuseram sanções à venda de combustíveis russos, o que levou o país a buscar novos mercados. Para atrair clientes, a Rússia passou a oferecer descontos sobre o produto. Índia e China também se destacavam nas compras desses produtos em 2023.
Naquele ano, a Rússia chegou a impor medidas para controlar os preços, como quando proibiu a exportação de diesel e gasolina em setembro, no momento em que os preços do petróleo se aproximavam de US$ 100 por barril. A medida foi temporária, mas gerou preocupações globais sobre a instabilidade do fornecimento russo, que não costuma firmar contratos de longo prazo.
Conforme o MDIC, 2023 foi marcado por um recorde na importação brasileira de diesel da Rússia, com US$ 4,5 bilhões. Em 2024, a tendência se manteve. O Brasil comprou US$ 5,4 bilhões em diesel russo. O segundo lugar supridor foram os Estados Unidos, com US$ 1,4 bilhão. Em 2022, foram US$ 95 milhões em compras de diesel russo, ano em que o país ocupava a oitava posição entre os fornecedores. A lista era liderada pelos EUA, com US$ 8 bilhões.
O presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Sergio Araujo, concorda que haverá dificuldades em encontrar um supridor que atenda às necessidades de importação brasileira. A situação se agrava, diz, se as sanções afetarem ainda China e Índia, o que vai criar uma demanda global maior do que a oferta. “Esse possível cenário gera um impacto no mercado. Os Estados Unidos podem ser uma possibilidade de fornecedor, mas não sei se as refinarias americanas têm condição de aumentar a oferta o suficiente”, diz Araújo. “Se não houver oferta global suficiente, haverá escalada de preços, o que pressiona a inflação.”
Os associados da Abicom que importam o produto russo aguardam para ver se as ameaças de Trump vão se confirmar. A maior parte dos importadores de diesel da Rússia é formada por operadores independentes, diz fonte do setor. Procurada, a Acelen, dona da Refinaria de Mataripe (BA), disse que não compra diesel russo. Raízen não quis comentar e Vibra não respondeu.
A Petrobras, por sua vez, não está entre as companhias que compram petróleo ou derivados da Rússia. Em nota, a estatal afirmou que a origem do diesel importado depende dos movimentos de mercado. “A atuação global da companhia, por meio de suas subsidiárias de trading no exterior, favorece a importação de diferentes origens, com destaque aos Estados Unidos, Índia e região do Golfo Pérsico.”
Thiago Vetter, analista da StoneX, avalia que há pressão da Otan sobre o Brasil e os demais países, mas acredita que a chance de aplicação da tarifa é pequena. “Considero a probabilidade remota de aplicação das tarifas secundárias contra compradores de produtos da Rússia em função da importância desses mercados para a economia americana.” Para Vetter, é baixo o risco de desabastecimento de diesel no Brasil caso a entrada do produto russo seja de fato cortada. As empresas poderiam substituir o produto russo, diz, mas a preços maiores.
Kariny Leal – Valor Econômico