No Brasil, petróleo ainda é rei com aposta de gigantes do setor
Se a transição energética está ocorrendo ao redor do mundo, ainda não chegou às ruas da Ilha da Conceição, o bairro em Niterói no centro do renascimento do petróleo no Rio de Janeiro.
Lá, ônibus e caminhões se amontoam no estaleiro da Baker Hughes, onde a gigante de serviços de energia instala centenas de quilômetros de dutos de petróleo e gás. Em outra rua, a Exxon Mobil carrega suprimentos para explorar os maiores campos de petróleo offshore do país. Royal Dutch Shell e Total Energies têm planos semelhantes para o fim do ano.
A cena aponta para uma verdade incômoda: enquanto políticos do primeiro mundo tentam eliminar os combustíveis fósseis, em países que precisam de capital e ricos em recursos naturais como o Brasil, o petróleo ainda é rei. Com exceção dos Estados Unidos e da Opep, o Brasil é o país que mais deve aumentar a produção de petróleo bruto até 2026.
No ano passado, enquanto o resto do mundo limitava a produção de petróleo em meio à pandemia, o Brasil era um dos poucos que aumentavam a produção, mais do que qualquer outra nação fora da Opep, exceto a Noruega. O Brasil quer dobrar a produção de petróleo até 2030 para se tornar o quinto maior exportador do mundo e, mesmo que não atinja essa meta, campos de petróleo de baixo custo posicionaram bem o país para emergir como um dos últimos redutos do mundo na transição energética.
“Vivemos o melhor momento dos últimos anos”, disse Matheus Rangel, petroleiro do Rio que comanda um canal no YouTube com dicas sobre como conseguir empregos no setor. Segundo ele, em um hotel uma ala inteira está reservada para petroleiros que trabalham em plataformas offshore. “Transição energética? Não sei, não. Se você tem petróleo, perfura até a última gota.” Com os reservas de petróleo de classe mundial do país, legislação favorável e amplo apoio político para o setor de petróleo e gás, centenas de milhões de dólares estão sendo gastos para encontrar novos poços.
Em 10 anos, grandes petroleiras podem parar de buscar esses tipos de projetos de expansão em massa, disse Schreiner Parker, vice-presidente para a América Latina da consultoria Rystad Energy. Mas, até lá, precisam garantir suprimentos que durem até 2040 com o consumo ainda subindo, especialmente na China.
Tudo isso torna o Atlântico Sul uma espécie de porto seguro para uma indústria que foge cada vez mais do enfraquecimento do modelo econômico e de políticas climáticas mais agressivas em outros lugares. A ANP espera que as perfurações de novos poços quadrupliquem este ano, para 19. A Rystad tem uma previsão mais modesta para a exploração de petróleo, prevendo uma duplicação do número, com ainda mais poços no próximo ano.
“Todas as grandes empresas estão se preparando para perfurar”, disse Roberto Monteiro, diretor-presidente da Petro Rio. “A ação está aqui.”
No entanto, a indústria de petróleo brasileira mostra um cenário muito distante de uma década atrás, quando expatriados de Houston a Oslo lotavam os clubes exclusivos do Rio e edifícios à beira-mar. Os investimentos da Petrobras representam apenas uma fração dos US$ 40 bilhões por ano que a estatal gastou durante os anos de expansão.
E só porque há mais poços sendo perfurados, isso não significa que a produção de petróleo vai necessariamente aumentar tanto quanto as previsões do governo. Em situação muito semelhante aos campos de gás de xisto dos Estados Unidos, essa intensa atividade é parcialmente necessária, mesmo que seja apenas para manter os níveis de produção atuais à medida que a produtividade de poços mais antigos começa a cair.
Ao mesmo tempo, a expansão da produção de petróleo deve elevar ainda mais exportações para consumidores famintos na Ásia.
Para o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a transição energética é um sinal de alerta para que o máximo de petróleo possível seja descoberto antes que comece a ser eliminado, embora o país simultaneamente aposte nos biocombustíveis e busque reduzir as emissões das operações de petróleo e gás para atender às metas climáticas. “Não há data para o petróleo perder importância, mas, evidentemente, dentro de 30 anos o petróleo não terá a importância que tem hoje”, disse Albuquerque, acrescentando que é importante que o Brasil aproveite sua posição agora, com termos contratuais mais atrativos.
“As realidades são diferentes quando você fala sobre Estados Unidos, Europa e outros países desenvolvidos. O Brasil ainda é um país em desenvolvimento com grande abundância de recursos naturais”, afirmou.