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Negócio

Brasil assume protagonismo na transição global para fontes mais limpas


Veja - 05 dez 2025 - 09:15

O crescimento acelerado da demanda por fontes limpas está redesenhando o mapa global da energia — e o Brasil surge como um dos protagonistas. Com décadas de experiência no uso do etanol e uma matriz energética já majoritariamente renovável, o país tem nas mãos uma oportunidade única: transformar seu agronegócio em pilar da nova economia verde. Biocombustíveis como etanol, biodiesel, biogás e biometano não apenas reduzem emissões, mas também reposicionam o Brasil como fornecedor estratégico em um mercado bilionário.

A experiência brasileira com o etanol evidencia a relevância dos biocombustíveis no processo de descarbonização da economia. Durante sua participação no VEJA Fórum Agro, em 24 de novembro, Marcio Santos, presidente da alemã Bayer no Brasil, destacou que 25 países manifestaram a intenção de quadruplicar a produção de etanol nos próximos anos — reflexo das discussões feitas na COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Belém do Pará. O painel contou também com a presença de Luciane Bachion, sócia e pesquisadora sênior da consultoria Agroicone.

É nesse cenário que o agronegócio brasileiro ganha proeminência na transição energética global. Os biocombustíveis vão além do etanol extraído da cana-de-açúcar e do milho: entram também na conta o biodiesel, o biogás e o biometano (derivado do biogás), todos como alternativas viáveis aos combustíveis fósseis. Segundo o Balanço Energético Nacional, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia, o etanol e o biodiesel — as opções de biocombustíveis mais consolidadas no país — representaram, juntos, 25% da energia utilizada nos transportes em 2024.

Expansão com responsabilidade

Para aproveitar ao máximo este momento, porém, será preciso planejamento cuidadoso. O relatório “Biocombustíveis no Brasil”, produzido pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) em parceria com o Observatório do Clima, mostra que a expansão da produção pode ocorrer sem necessidade de desmatamento de novas áreas, contribuindo ao mesmo tempo para os compromissos de descarbonização assumidos no Acordo de Paris, em 2015. Para atender à demanda energética nacional até 2050, a oferta de biocombustíveis precisará dobrar — o que exigirá planejamento e políticas públicas adequadas.

Como a produção de biocombustíveis depende do uso intensivo da terra, é legítima a preocupação com seus impactos sobre florestas e ecossistemas naturais. “A quantidade de terra necessária não é desprezível”, alerta Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Iema e principal autor do relatório sobre o tema. Para ele, a política de incentivo à indústria de biocombustíveis deve ser acompanhada de um mapeamento criterioso das áreas aptas ao uso, além de ações de recuperação de pastagens degradadas e reflorestamento.

O estudo apresenta, no entanto, uma perspectiva otimista: o Brasil dispõe de 55,8 milhões de hectares com potencial para a expansão agrícola — incluindo produção de alimentos, florestas plantadas e áreas de integração lavoura-pecuária-floresta. Esse número é 40% superior aos 40 milhões de hectares de terras degradadas previstos para restauração no Programa Caminho Verde, do governo federal. Desse total, 64% estão concentrados nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia, Mato Grosso do Sul e Goiás.

Entre os maiores desafios do setor, segundo o relatório, estão o aumento da produtividade e a diversificação da origem da matéria-pri¬ma. Atualmente, a fabricação de biodiesel, diesel verde e combustível sustentável de aviação (SAF) está excessivamente concentrada na soja — um modelo que precisa ser revisto. Durante o evento da VEJA, Marcio Santos reconheceu que a ampliação do uso de etanol — defendida pela Bayer — ainda enfrenta resistência entre negociadores internacionais. Para ele, os protestos contra os combustíveis fósseis registrados na COP30 representam uma oportunidade para o setor. “Vi ali um campo fértil para o etanol”, declarou. “Pode parecer ingenuidade, mas quem protesta contra os combustíveis fósseis, na prática, está apoiando os renováveis.”

Participando pela primeira vez de uma COP, Santos se disse impactado e otimista com o que presenciou em Belém. Ele ponderou, no entanto, que a agenda climática avança de forma gradual. Como lembrou, foram necessários mais de vinte anos de negociações para a consolidação do Acordo de Paris. Em sua visão, os acordos plurilaterais — firmados entre blocos ou grupos de países — podem ser alternativas diante das dificuldades de alcançar consensos globais. Luciane Bachion, sócia da consultoria Agroicone, concordou que o saldo da COP30 foi positivo: “Vimos ali a união de todo o setor. A despeito da competição de setores como cana e milho, nos posicionamos como país”.

Potencial inexplorado

Para vencer resistências e consolidar sua liderança, o Brasil tem uma carta na manga valiosa: a capacidade de produzir energia limpa no campo sem comprometer a segurança alimentar. Essa é a conclusão do estudo “Dinâmicas de demanda e oferta de energia pelo agronegócio”, conduzido por pesquisadores da FGV Agro e da FGV Bioeconomia. “Sempre reconhecemos o agronegócio como fornecedor de alimentos”, afirma Luciano Rodrigues, pesquisador do Observatório de Bioeconomia da FGV. “No Brasil — e possivelmente em outros países tropicais — ele também tem grande potencial para fornecer energia.”

Rodrigues explica que, sem a contribuição do agronegócio, a participação das fontes renováveis na matriz energética nacional cairia de 49% para cerca de 20% — o que colocaria o Brasil no mesmo patamar da média global, de 15%. Além disso, setores como alimentos e bebidas, cerâmica, papel e celulose e metalurgia consomem mais bioenergia do que o próprio transporte, desmistificando a ideia de que etanol e biodiesel servem apenas como substitutos do diesel e da gasolina.

O relatório “Biodiesel no Brasil 2025”, da Embrapa, revela que a produção brasileira desse combustível — feito a partir de óleos vegetais e gorduras animais — foi de cerca de 9,7 milhões de metros cúbicos em 2024. Isso apesar de a capacidade instalada ultrapassar os 14,6 milhões de metros cúbicos por ano. A ociosidade do setor aponta um grande potencial de crescimento, mas também acende o alerta: sem novos investimentos, há risco de paralisação de operações e perda de empregos.

Outro ponto crítico é a diversificação da matriz. Segundo a Associação Brasileira do Biogás, os resíduos gerados diariamente pelo setor sucroenergético e pela agropecuária — como dejetos de animais e restos vegetais — poderiam gerar até 204 milhões de metros cúbicos de biogás por dia. O potencial estimado de produção de biometano é de 115 milhões de metros cúbicos por dia, o que representa 62% da demanda de diesel no país.

Dados do centro de estudos CIBiogás indicam que, até o fim de 2026, a oferta nacional de biometano poderá triplicar, considerando os pedidos de autorização registrados na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis até o fim de 2024. No entanto, 60% da capacidade atual de produção de biogás provém da conversão de resíduos sólidos urbanos e esgoto e é destinada à geração elétrica. A agropecuária responde por apenas 19% dessa capacidade, com usinas de pequeno porte — embora o segmento tenha crescido 70% de 2022 a 2024.

O desafio brasileiro reflete uma urgência global. A Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) alerta que, para que a capacidade mundial de energia renovável — solar, eólica, hídrica e outras — triplique até 2030, como prevê o Acordo de Paris, será necessário dobrar o fornecimento global de bioenergia. Isso exigirá adições anuais de potência de 26 gigawatts a partir de 2025 — cinco vezes o que foi registrado em 2024 — e um salto no investimento anual, dos atuais 19 bilhões de dólares para algo em torno de 115 bilhões.

Na corrida global por energia limpa, os desafios enfrentados pelo agronegócio brasileiro são imensos — mas proporcionais às oportunidades que se abrem.

Leandro Steiw – Veja