O biodiesel vai à COP30
A menos de uma semana da abertura da 30ª Conferência das Partes (COP30), todos os setores da economia brasileira que tenham credenciais verdes a apresentar estão em franca ebulição, fazendo preparativos de última hora para um evento que – e isso não é nenhum segredo – o Palácio do Planalto pretende usar como vitrine para projetar a imagem do Brasil como líder global na luta contra as mudanças climáticas. De todos, a indústria de biodiesel é uma das mais animadas com a possibilidade de surfar a onda de atenção que deverá se concentrar sobre Belém (PA), quando representações de quase todos os países do mundo se reunirem para tentar chegar a acordos cuja ambição é nada menos que salvar o planeta.
É até bastante natural que a indústria brasileira de biodiesel busque se posicionar no centro do palco. Nascido cerca de 20 anos atrás, o setor representa um alinhamento quase perfeito entre os interesses do agronegócio, da defesa do meio ambiente e da política social. Isso garante que o biodiesel tenha – de fato – muito a mostrar para um público que está em busca de soluções que permitam que a matriz energética global se afaste dos combustíveis fósseis tão rapidamente quanto possível.
Só até meados deste ano, o biodiesel já tinha evitado que o Brasil consumisse mais de 78,2 milhões de m³ de diesel mineral. Isso representa aproximadamente 175 milhões de toneladas de CO₂ a menos despejadas na atmosfera. É um feito e tanto! E isso sem nem entrar nos méritos do setor como grande promotor da agricultura familiar e da industrialização de áreas remotas do país.
Não quer dizer que esteja sendo fácil ocupar esse espaço. Até agora, a sugestão do setor de que os geradores que vão garantir o abastecimento de eletricidade fossem abastecidos com B100 e o sistema de ônibus de Belém rodasse com B25 durante a COP não emplacou. “As associações trabalharam para viabilizar essa proposta, mas tivemos dificuldade em obter resposta da organização”, reconhece o superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Julio Minelli.
Embora aponte que a proposta não tenha sido abandonada, Julio admite que – a essa altura do campeonato – as associações estão “céticas” quanto à possibilidade de tirá-la do papel.
De carona
Esse revés quase deixou o setor sem uma ação midiática de alta visibilidade para a ocasião, não fosse por uma bem-vinda iniciativa concebida pela Be8 e pela Mercedes-Benz. As duas empresas estão patrocinando uma caravana que está percorrendo os quase 4.000 km entre Passo Fundo (RS) e Belém (PA) para demonstrar as vantagens de substituir o diesel fóssil por biocombustíveis.
A bem da verdade, o biocombustível que está sendo usado no projeto é o BeVant – um tipo de biodiesel destilado, desenvolvido e patenteado pela Be8 – que pode até ser usado puro em veículos a diesel sem modificações. Ainda assim, a ação tem potencial para render frutos para o setor como um todo.
No total, são quatro veículos – dois caminhões e dois ônibus – que estão fazendo essa viagem; metade deles abastecida com diesel comum e a outra rodando com BeVant. A viagem está sendo acompanhada por técnicos do Instituto Mauá de Tecnologia, que estão registrando o consumo de combustíveis de cada um dos pares para calcular as emissões de CO₂ e demais poluentes. Os primeiros resultados indicam redução de 99% nas emissões de carbono no caminhão e no ônibus abastecidos com a opção renovável.
Nessa última quinta-feira (30), a caravana passou por Brasília, onde foi recebida pelo presidente Lula. Se tudo correr como deve, os veículos chegarão a Belém para a COP30, onde poderão ser visitados pelo público do evento. Além disso, o trajeto está sendo todo documentado e divulgado pelas redes sociais da Be8.
Uma andorinha só...
Na COP30 em si, o setor decidiu que seria melhor não ir sozinho. Fiel à máxima de que “a união faz a força”, as três principais entidades representativas das usinas – Abiove, Aprobio e Ubrabio – estão somando forças com outras dez organizações dos setores de biocombustíveis e automotivo para levar uma agenda unificada sobre mobilidade de baixo carbono.
O grupo é formado por:
– Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás);
– Associação Brasileira da Indústria do Açúcar e da Bioenergia (Bioenergia Brasil);
– Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove);
– Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA);
– Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio);
– Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea);
– Instituto da Qualidade Automotiva (IQA);
– Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB);
– SAE Brasil;
– Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças);
– União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio);
– União Nacional do Etanol de Milho (Unem);
– União da Agroindústria Canavieira e de Bioenergia do Brasil (Unica).
Essa articulação é um tanto surpreendente. Nos últimos anos, não foram poucas as ocasiões em que fabricantes de biodiesel e a indústria automotiva trocaram farpas de forma pública. Pouco mais de dois anos e meio atrás, a Anfavea esteve entre as signatárias de uma carta que acusava os fabricantes de biodiesel de usarem a argumentação ambiental de forma casuísta para garantir uma “reserva de mercado”.
Na época, o governo Lula estudava retomar a progressão da mistura obrigatória de biodiesel, que havia sido congelada em abril de 2021 pelo governo Bolsonaro. O grupo apoiado pela Anfavea pressionava o governo a manter tudo como estava.
Muita água passou por baixo dessa ponte desde então. Não só o mandato avançou até chegar ao B15 em agosto passado, como também – com a aprovação da Lei do Combustível do Futuro – temos uma nova rampa que pode fazer o mandato chegar a B20 dentro dos próximos cinco anos.
Além disso, nesse meio-tempo, uma série de montadoras passou a permitir o uso de biodiesel puro. Volvo e Scania já têm produtos à disposição do mercado, e outras montadoras também parecem estar se movendo na mesma direção.
Articulação histórica
“A união de todos esses elos da cadeia dos biocombustíveis em uma agenda comum é algo histórico. Ela pode colocar o Brasil em outro patamar sobre como fazer as coisas com sinergia”, afirma o consultor da Ubrabio, Igor Tokarski, acrescentando que há tempos os fabricantes de biocombustíveis vêm tentando costurar uma ‘biocoalizão’ para servir como uma frente unificada em defesa de todos os biocombustíveis. “A Ubrabio sonha há anos com a formação da ‘biocoalizão’ e, agora, conseguimos extrapolar com a adesão do setor automotivo”, comemora Igor, acrescentando que juntar as engrenagens da cadeia ajuda a sublinhar “o sucesso desse modelo no Brasil”.
Para além do simbolismo dessa confluência inédita, essa articulação se formou por um motivo um tanto mais prosaico: a Unica havia conseguido um estande dentro da disputadíssima Blue Zone – o, por assim dizer, epicentro da COP30. É nesse espaço que vão circular as principais lideranças e negociadores da conferência. A entidade, então, passou a convidar outras organizações afins. “A gente teve esse entendimento de que era uma oportunidade melhor do que fazermos algo sozinhos”, diz o presidente executivo da Abiove, André Nassar.
A ideia é que as entidades envolvidas organizem uma série de conteúdos sobre mobilidade sustentável no Brasil para serem apresentados ao seleto público da Blue Zone e, também, eventos em formato pocket a serem organizados por cada uma das entidades que formam a coalizão. “Queremos demonstrar ao mundo a convergência que estamos construindo no Brasil para descarbonizar os transportes”, diz Igor.
Naturalmente, o estande não será dedicado a uma única rota tecnológica; as entidades do setor automotivo devem trazer conteúdos também sobre eletrificação. Mas há uma expectativa de que os biocombustíveis tenham o maior destaque. “Os biocombustíveis são fundamentais para a descarbonização dos transportes e também são uma grande vocação [do Brasil]”, comenta o representante da Ubrabio. “Queremos colocar o Brasil como referência global em biocombustíveis”, complementa.
E, até mesmo em termos de eletrificação, os biocombustíveis dão uma vantagem ao Brasil, segundo Júlio Minelli. “Um híbrido a etanol do Brasil emite menos do que um elétrico a bateria da Europa”, comenta, elaborando que isso permite cortar emissões no segmento de pesados – como ônibus e caminhões – que têm se mostrado difíceis de eletrificar, uma vez que exigem baterias grandes e pesadas demais.
Representação
Mas o setor também não vai se limitar a ficar parado em um estande durante todos os 11 dias da COP30.
Representantes das associações de biodiesel também deverão buscar ativamente oportunidades de inserção. Uma delas será a AgriZone, espaço paralelo que a Embrapa está organizando para divulgar a agricultura brasileira. No dia 19 de novembro, por exemplo, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) vai organizar um grande evento dedicado aos biocombustíveis, que deverá concentrar representantes do segmento.
André Nassar, da Abiove, antecipa que sua organização deverá acompanhar o lançamento de um protocolo da Embrapa para a produção de soja de baixo carbono. “Eu não vou ser palestrante [no evento], mas devo estar lá representando a Abiove”, diz, acrescentando ainda que a Abiove está conversando com sua contraparte chinesa – a Câmara de Comércio da China para Importação e Exportação de Produtos Alimentícios (CFNA) – para ações conjuntas. “Eles estão mais preocupados com a sustentabilidade da produção [da soja]; queremos fazer um bate-bola sobre biocombustíveis no Brasil e na China”, diz.
De uma forma ou de outra, a fala dos entrevistados por esta reportagem aponta que, para os fabricantes de biodiesel, a meta ao estar na COP é mostrar que o modelo de biocombustíveis desenvolvido pelo Brasil tem plenas condições de ser ampliado e cumprir um papel bem maior do que já cumpre nos esforços globais para a transição energética. “Queremos levar para o mundo uma mensagem de que o biocombustível brasileiro está pronto. Temos condições de levar nosso modelo para o mundo e de ampliar nossa produção sem concorrer com alimentos”, garante Julio.
Vezes quatro
Esse posicionamento do setor está bastante alinhado com uma ideia que o Palácio do Planalto vem ventilando nos últimos dias: aproveitar a COP30 para propor que o mundo multiplique por quatro o uso de biocombustíveis.
Por uma dessas coincidências que mais parecem planejadas, a COP30 vai coincidir com o aniversário de 50 anos do Proálcool. Lançado em 14 de novembro de 1975, o programa tornou o Brasil referência global em biocombustíveis.
Em entrevista concedida há pouco mais de uma semana, a assessora especial do MME, Mariana Espécie, ressaltou que a transição energética precisa abarcar tanto os elétrons quanto as moléculas. “E é [nas moléculas] onde estão as maiores dificuldades (...). Todas as projeções globais mostram uma tendência de ainda haver consumo de combustíveis fósseis no horizonte de médio e longo prazos”, diz, apontando que o modelo brasileiro de biocombustíveis se coloca como uma ferramenta para superar o desafio colocado na COP de Dubai de abandonar os fósseis até meados do século.
“A gente quer fazer essa provocação aos demais países (...) lá em Belém. O Brasil está convidando o mundo a quadruplicar os combustíveis sustentáveis”, disse Mariana.
Embora fale em combustíveis renováveis – categoria que engloba outros energéticos, como o hidrogênio verde –, essa proposta obviamente foi bem recebida pelos fabricantes. “O Itamaraty colocou como uma prioridade”, destaca André Nassar. “E, por mim, tudo bem usar esse outro conceito que o governo está tentando consolidar, desde que fique claro que os biocombustíveis de base agrícola estão incluídos”, continua.
Julio Minelli espera que essa promoção também leve o governo brasileiro a ser mais vocal na defesa dos biocombustíveis. “Temos uma necessidade de que a diplomacia brasileira nos defenda porque, em alguns mercados, como o europeu, existe um certo bloqueio no reconhecimento dos biocombustíveis brasileiros em função do uso que fazemos do óleo de soja. Eles acham que a gente planta soja no meio da Amazônia. Essa é uma mensagem que temos que atualizar”, encerra.
Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com