Consumo de petróleo cai, mas conflitos põem em risco a oferta
A ampliação da ofensiva de Israel no sul do Líbano contra o Hezbollah e a retaliação do Irã pela morte de comandantes do grupo xiita aliado de Teerã interromperam a calmaria nos preços do petróleo, que haviam caído em setembro para abaixo dos US$ 70. A invasão a Gaza não foi suficiente para causar sobressaltos no preço. O revide iraniano, com uma chuva de duas centenas de mísseis sobre território israelense, levou o barril do Brent a subir entre 8% e 10% na semana, ainda assim uma reação bem mais moderada do que a esperada em um momento em que uma conflagração geral no Oriente Médio pareceu muito próxima. Os mercados, e não só o do petróleo - dólar e ouro não acusam nervosismo nem fortes oscilações -, continuam a se mover seguindo os fundamentos. O que pode mudar este jogo é o próximo capítulo das hostilidades - a reação de Israel ao Irã, caso a decisão seja um ataque à infraestrutura de energia iraniana.
A desaceleração da economia e a consequente redução da demanda estão forçando um rearranjo no mercado de petróleo. O principal fator para isso é a queda do consumo chinês. Da redução de 800 mil barris/dia estimada em agosto pela Agência Internacional de Energia, pelo menos 280 mil barris se devem à retração chinesa, que ocorre pelo quarto mês consecutivo. O recuo da economia chinesa é concomitante à menor atividade nos Estados Unidos e uma recuperação ainda tímida dos países da zona do euro. No ano, o consumo está dois milhões de barris/dia menor do que o do nível anterior à pandemia. Foi esse cenário que levou as cotações do tipo Brent para baixo, em uma queda de US$ 20 em relação às de abril.
Os maiores atores do mercado começaram a mudar de atitude com o deslocamento dos preços. Desde novembro de 2022, os países da Opep+, o cartel do petróleo, com a Arábia Saudita à frente, resolveram reduzir sua produção em 5,3 milhões de barris/dia, pouco mais de 5% da oferta global, para sustentar as cotações. Para financiar seus multibilionários projetos de reforma econômica, os sauditas tinham como alvo a cotação de US$ 100 o barril, que se frustrou. Com a contenção de produção do cartel, os países de fora dele, como os Estados Unidos, o maior produtor do mundo, o Canadá, o Brasil e a Guiana, ampliaram a oferta em 1,5 milhão de barris/dia.
Enquanto a Arábia Saudita diminuiu em 2 milhões de barris sua produção diária, para 9 milhões de barris, a menor desde 2011 (salvo durante a pandemia da Covid e depois de um ataque a suas refinarias em 2019), aliados do cartel, como Rússia e Cazaquistão, e mesmo membros, como Iraque, não cumpriram suas cotas e despejaram mais petróleo nos mercados. Diante das pressões internas e externas ao cartel, a Arábia Saudita decidiu há poucos dias que a partir de 1 de dezembro voltará a aumentar a oferta, começando com 83 mil barris/dia até culminar com elevação de 1 milhão de barris em dezembro de 2025.
A ação dos sauditas impedirá que outros países ganhem fatias de mercado a suas custas, mas terá um efeito baixista sobre as cotações. Boa parte do represamento do fornecimento do cartel foi anulado pela queda da demanda e pelo aumento da produção, o que trouxe uma disponibilidade adicional equivalente a 3,5 milhões de barris/dia. Depois da decisão, porém, a guerra de Israel contra o Hamas e o Hezbollah recrudesceu ao ponto em que a destruição da capacidade de produzir e escoar petróleo no Irã passou a ser cogitada pelos estrategistas israelenses.
Os mercados especulam sobre quais seriam os efeitos desses ataques e as possíveis reações do Irã a eles. Se a produção iraniana, de 3,4 milhões de barris/dia, fosse totalmente retirada do mercado, os outros países do cartel teriam como substituí-la, pois contam com capacidade ociosa. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos têm disponibilidade para elevar sua produção em até 5 milhões de barris/diários. Mas as cotações certamente explodiriam caso o Irã revidasse com o fechamento do Estreito de Ormuz, impedindo não só o fluxo de sua produção para o exterior, como a de boa parte da Arábia Saudita. Seria uma segunda rota vital para o comércio de petróleo obstruída em menos de dois anos.
Os houthis, aliados do Irã, em conflito com a Arábia Saudita, fazem ataques no Estreito de Bab El Mandeb, na ponta do Mar Vermelho, o que retirou da rota dos cargueiros o Canal de Suez. Por ela passavam 15% do comércio global (não só óleo) e 30% da carga em contêineres. Os navios se desviaram desse caminho e aumentaram em média em 9% o percurso. Os fretes da Ásia para a Costa Oeste do EUA até fevereiro haviam subido 130% desde novembro. A rota Xangai-Roterdã, com desvio pelo Cabo da Boa Esperança, elevou os custos do transporte em 35% (Valor, 4 de outubro).
A disseminação do conflito pelo Oriente Médio não impediu a queda da demanda, também impulsionada pelo avanço das energias verdes, mas pode repentinamente estrangular grande parte da oferta de petróleo. Na crise financeira de 2008, o preço do barril do tipo Brent chegou ao recorde de US$ 148,50. As cotações iriam buscar esse teto se o óleo deixasse de fluir do Oriente Médio.