Interesses, conflitos e incentivos no biodiesel
O Brasil planta cerca de 35
milhões de hectares na safra
de verão, que se estende
de setembro/outubro a
março/abril, e planta apenas 8 milhões
de hectares na safrinha e safra
de inverno. Sobram 27 milhões
de hectares onde nada é plantado.
A terra está pronta, os produtores
têm os equipamentos, querem e
precisam plantar, mas não plantam
porque não existe garantia de
que alguém vá comprar sua produção.
Isso vem acontecendo com
trigo, girassol, linhaça, crambe,
canola e muitas outras plantas.
Por outro lado, temos uma
produção de biodiesel extremamente
dependente do óleo de
soja e a vontade de alguns em fazer
com que o biodiesel desperte
o interesse pelo cultivo de novas
oleaginosas. O governo está cada
vez deixando mais claro que o
aumento da mistura obrigatória
não acontecerá se não entrarem
novas oleaginosas na matriz de
produção. Além disso, recente estudo
do Ipea recomendou que a
autorização de maior parcela do
biodiesel na mistura esteja atrelada
ao cumprimento das metas
do PNPB. Assim, parece evidente
o caminho que o setor precisa seguir:
a implantação de alternativas
à soja.
Mas existem algumas pedras
que o próprio governo precisa
ajudar a remover. Nos últimos
35 anos, inúmeras tentativas de
firmar o plantio de canola e girassol
aconteceram, mas não foram
adiante. As culturas se mostraram
excelentes no campo, com bons
rendimentos, mas encontraram
enormes dificuldades de comercialização.
Inúmeros são os problemas
que a implantação dessas
culturas enfrenta, e me atenho a
alguns que me parecem os mais
importantes:
• Diferenças tributárias em
relação ao óleo de soja.
• Desinteresse do agronegócio
da soja em outras oleaginosas.
• Necessidade de armazenagem
específica e adaptações nas
esmagadoras de soja.
• Altos percentuais de lucro
aplicados pelos supermercados
aos óleos de canola e girassol,
considerados de consumo das
classes ricas.
• Falta de políticas públicas
específicas para oleaginosas de safrinha
e de inverno.
Não quero colocar a culpa
em ninguém apresentando esses
entraves na produção e consumo
de óleo de canola e girassol. As
empresas vivem de lucros e não
vão investir em algo que não dê
retorno.
O governo faz sua parte em
etapas e lentamente. O Mapa fez
o zoneamento agroecológico para
as culturas, mas isso não basta. O
governo precisa querer implantar
definitivamente as cadeias produtivas
no país. Precisa sentar com
produtores e industriais, localizar
e identificar os problemas, e então
estabelecer objetivos, metas e prazos
com linhas de financiamento,
como fez no recente lançamento
do programa do dendê.
Com uma política pública
clara, o governo pode facilmente
convencer usinas de biodiesel de
que novas oleaginosas ajudarão a
fortalecer mais ainda o agronegócio
da soja no Brasil, e não o contrário.
Hoje, as usinas de biodiesel
que estão desenvolvendo parcerias
para plantios de outras oleaginosas
são empresas que não fazem
parte do agronegócio da soja,
como BSBios, Petrobras, Vale e
Fusermann, para citar algumas.
Isto me faz pensar que as grandes
usinas brasileiras ligadas à soja
apenas fazem de conta que estão
apoiando iniciativas com outras
plantas. Para elas, está ótimo assim.
Para que investir em novas
máquinas e equipamentos e gastar
para formar novas cadeias produtivas
se produzir com soja é fácil,
menos ariscado e sem a necessidade
de investimentos?
Não nos esqueçamos que o
Selo Combustível Social, que só
é mantido pelas usinas para poderem
participar dos leilões, está
baseado na soja.
Univaldo Vedana é analista do setor de biodiesel.