Coluna: Do biodiesel à biorrefinaria
A maior fragilidade do biodiesel
não está no maior custo
de produção comparado ao
diesel, nem tampouco na
forte dependência da matéria-prima,
muito menos nos problemas
de congelamento ou nas emissões
de NOx. Todos esses problemas,
olhados na linha do tempo, serão
naturalmente tratados e solucionados
à medida
que o produto
ganhar escala de
produção e consumo.
O
maior
problema do
biodiesel é ser,
através do processo
de trans
e s ter ific aç ão
por catálise homogênea,
refém
de um único produto. Na maior
parte das fábricas, a glicerina que
poderia ser uma segunda fonte de
recursos é muito mais um problema
do que um co-produto.
As usinas de álcool, pela própria
escala imposta pelo mercado,
comercializam não apenas etanol,
mas açúcar e eletricidade – e algumas
delas, levedura também.
O mesmo ocorre no refino de petróleo
e na petroquímica, que possuem
vasta carteira de produtos e
derivados.
Desde o ano de 2001, o grupo
de J. A. Dumesic, da Universidade
de Wisconsin (EUA), vem
mostrando que é possível obter
hidrogênio a partir de moléculas
orgânicas oxigenadas, entre elas
o glicerol. O processo conhecido
como “reforma em fase líquida”
ocorre tipicamente a 250oC, e
não a 900oC, como normalmente
ocorre na geração de hidrogênio
a partir do gás natural (principal
processo de produção de hidrogênio
do mundo).
O problema é
que os catalisadores
metálicos
utilizados nesse
processo (níquel,
paládio ou platina)
são rapidamente
desativados
pela presença
de álcali ou sais
na glicerina da
transesterificação
convencional. Apenas uma glicerina
pura poderia ser empregada
para produzir hidrogênio.
Mas para que o hidrogênio?
No caso do petróleo, todas as refinarias
precisam do hidrogênio
para produzir diesel, gasolina,
querosene e os principais derivados.
Os processos de hidrodessulfurização,
hidrodenitrogenação,
hidrodeoxigenação e hidrogenação
de aromáticos retiram as principais
impurezas dos destilados
leves e médios. No caso dos ésteres
e ácidos graxos, o hidrogênio
em baixa pressão pode produzir
ácidos graxos hidrogenados utilizados
em pneus, tintas e solventes.
Uma hidrogenação a pressões médias,
na faixa de 40-50 bar, produz
hidrocarbonetos de alta pureza
que podem ser empregados na
indústria alimentícia e em lubrificantes
especiais. Pressões superiores,
acima de 80 bar, geram álcoois
graxos usados em xampus, condicionadores
e diversos outros cosméticos.
O hidrogênio produzido
a partir do gás natural exige grandes
investimentos pelas condições
muito mais drásticas do processo.
O transporte de hidrogênio para
os locais de produção do biodiesel
(sobretudo no Centro-Oeste)
é caro, inviabilizando a operação.
A produção de hidrogênio a partir
da glicerina descentralizaria a
produção de hidrogênio, trazendo
inúmeras oportunidades para a
oleoquímica e também para a sucroquímica.
Portanto, processos que gerem
glicerol de alta pureza, como
a transesterificação com catálise
heterogênea ou a hidroesterificação
(hidrólise de gorduras seguida
de esterificação), são fortes candidatas
para compor uma biorrefinaria,
ou seja, oferecerem ao mercado
não apenas biodiesel, mas uma
gama de bioprodutos.
Mais do que uma diversificação
da produção, essa decisão
estratégica poderá representar a
sobrevivência de futuras empresas
de biodiesel: as biorrefinarias da
oleoquímica.
Donato Aranda é professor de engenharia química da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e possui o título de comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico.