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Acidentes

Bolivianos são flagrados em trabalho degradante em empresa criada por pesquisador da USP


Folha de S. Paulo - 07 mar 2012 - 09:52

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Fiscalização do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego flagrou ontem dez trabalhadores bolivianos em situação degradante numa refinaria de Pradópolis.

Condições degradantes nos dormitórios dos funcionários e suspeita de descarte ilegal de óleo foram encontrados pelos fiscais na Energea South America, que foi autuada e teve o alojamento interditado.

A empresa foi criada por Miguel Joaquim Dabdoub Paz, professor do departamento de química da USP de Ribeirão Preto, pesquisador reconhecido por ter desenvolvido tecnologia para reprocessamento de óleo e desenvolvimento de biodiesel.

À Folha ele disse que não é mais sócio da empresa, mas nos registros da Junta Comercial de São Paulo, Dabdoub constava ontem como um dos quatro sócios da empresa. Ele negou a suspeita de crime ambiental, pois o sistema existente no local foi criado por ele (leia mais nesta página).

SEM DOCUMENTOS
A Polícia Ambiental foi acionada para fazer a perícia do local e investigar possíveis crimes contra a natureza.

A fiscalização encontrou bolivianos, que relataram as irregularidades. Segundo eles, seus documentos estavam retidos pela empresa e eles eram submetidos a jornadas excessivas de trabalho -de 15 horas diárias-, sem descanso mínimo de 12 horas entre um dia e outro. Ainda de acordo com o relato deles, os trabalhadores não tinham carteira de trabalho assinada ou direitos trabalhistas assegurados.

Ao menos um deles afirmou aos fiscais que trabalhava na Energea há seis anos.

Há pelo menos quatro meses, oito dos dez trabalhadores dormem em um barracão a uma quadra da empresa, de acordo com os fiscais.

Segundo os funcionários, o local foi alugado para servir de alojamento. Antes, eles moravam em uma casa próxima à indústria com três quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro.

O barracão não apresentava higiene e condições de habitação, de acordo com Olavo Volante, auditor do Ministério do Trabalho.

O espaço tinha somente um telhado de proteção. Os fogões e geladeiras estavam sujos. Sob o barracão, uma cama de casal exposta era usada para descanso. Em uma sala no barracão, havia outras sete camas amontoadas para os outros empregados.

O barracão foi interditado e os funcionários serão levados a um hotel. A empresa deverá arcar com os custos, disse a procuradora do trabalho Regina Duarte da Silvaambiental-dabdFiscais observam fosso que era usado para despejo de óleo

Estrangeiros dizem que trabalhavam 15 horas

Mario Ipiña, 45, afirma que está há seis anos trabalhando na Energea South America. Segundo ele, sem carteira de trabalho assinada e jornada extra todos os dias.

Já Rodolfo Luna, 45, diz que também está há seis anos trabalhando sem registro e que não tem nem documentos. Ele conta que os perdeu e não teve a oportunidade de regularizar sua situação.

As histórias dos bolivianos foram colhidas por auditores e procuradores durante a fiscalização conjunta ontem na Energea South America.

Reservados, disseram que trabalhavam das 7h às 22h, de segunda a sábado, e que aos domingos a jornada ia das 7h às 12h. O salário para toda essa jornada era de R$ 1.300, pago em dólar ou real, de acordo com a necessidade do trabalhador, segundo eles.

Eles almoçavam as marmitas enviadas por uma empresa terceirizada e pagavam por isso R$ 8 por refeição. Já o jantar era feito no alojamento por eles mesmos.

VOLTA INTERROMPIDA
Florentino Rojas, 36, disse que queria voltar para a Bolívia, mas que como tinha os documentos retidos com a empresa, não podia fazer a viagem de volta ao seu país.

Eles vieram para o Brasil por meio da empresa MD, com sede em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, segundo o encarregado Juan Copa.

A empresa é ligada à família de Miguel Dabdoud, segundo o próprio pesquisador da USP disse à Folha.

De acordo com os bolivianos, a empresa estava havia dois meses sem pagar o salário. Eles atuavam fazendo solda de máquinas, tonéis para armazenamento de óleo e manutenção das estruturas da empresa Energea.

"A parte trabalhista é totalmente irregular por terem jornada excessiva, não têm documentos e serem imigrantes", falou Edson Bim, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego.

No alojamento, a situação era ainda mais degradante. Um dos bolivianos disse que na cama, que ficava em local aberto, havia até ratos.

Pesquisador diz que vendeu empresa e contesta suspeita

O professor e pesquisador Miguel Joaquim Dabdoub Paz disse, em entrevista à Folha, que vendeu há seis meses sua participação na empresa Energea South America.

Após ser questionado que seu nome consta nos registros oficiais da empresa, ele insistiu em dizer que havia vendido a Energea.

"Eu tinha um projeto de biodiesel e entrei na pesquisa de óleo [reaproveitamento], mas o futuro chegou para os outros, eu não tinha cacife para investir. Vendi."

Apesar de afirmar que vendeu a empresa, ele defendeu a Energea. Contestou, por exemplo, a suspeita de crime ambiental. Segundo ele, sob o solo há 85 metros de dutos por onde o óleo passa para separar da água.

"A suspeita atinge minha pesquisa acadêmica e sobre ela tenho plena certeza de ter sido feita para ter preservação ambiental."

Sobre o alojamento, Dabdoub falou que os funcionários têm opção de morar em outro lugar. A reportagem não encontrou os outros sócios da empresa.

ELIDA OLIVEIRA
DE RIBEIRÃO PRETO
Foto: Matheus Urenha / A Cidade - Edson Silva/Folhapress