Melhorar a relação com o agronegócio
Um desavisado marciano que desembarcasse hoje no Brasil teria muita dificuldade de entender como um setor agropecuário relativamente bem-sucedido pode ser tão hostil ao poder incumbente.
De fato, a produção de grãos no último quadriênio cresceu à taxa de 6,7% ao ano com a área plantada aumentando 4,6% e a produtividade por hectare à taxa de 2%. Isso transformou o Brasil num dos mais importantes produtores e exportadores de produtos agropecuários do mundo como registra a segunda tabela. Vemos que entre dez importantes produtos do agronegócio somos o primeiro em seis deles, o que revela a nossa competitividade. É claro que isso é o resultado do trabalho dos agricultores, somado ao apoio do crédito subsidiado e dos excelentes planos de safra do governo. Esses vêm ampliando seu escopo, incluindo o setor de floresta, o seguro rural, o armazenamento etc.
Está ao alcance do governo melhorar as expectativas do setor.
Além do mais, há um aspecto do aumento da taxa de retorno implícita do agronegócio, que tem sido convenientemente esquecido nesses tempos de Piketty. Trata-se do dramático aumento do valor real da terra explorada pelo setor, desde que começou a grande expansão das suas exportações. Fonte confiável (Agrianual, Economática) mostra que um hectare médio passou de R$ 2.800 em 2002 para R$ 6.300 em 2013 em termos reais: uma valorização ativa anual entre 7% e 8% do principal patrimônio do setor, que se soma ao retorno da atividade.
Infelizmente, todo esse sucesso foi obscurecido por um desastre da política no nível macro: o uso abusivo do controle dos preços da gasolina para "retardar" o registro do seu efeito no aumento do IPCA. Como a energia contida num litro de álcool é, grosseiramente, 70% da contida num litro de gasolina, o sistema só pode funcionar se ambos os preços forem livremente fixados pelo mercado, que estabelecerá a relação dos preços do álcool e da gasolina, em 0,7.
Quando o preço da gasolina é resultado de um monopólio estatal - e, portanto, arbitrariamente fixado para atender à política de combate da inflação - o sistema exige que ele incorpore uma cunha tributária que os trate diferente.
Esse era o papel da velha Cide, consumida na cruzada anti-inflacionária. Isso prejudicou imensamente o setor e, colateralmente, desvalorizou as ações da Petrobras, uma empresa aberta, com milhares de acionistas privados, nacionais e estrangeiros. No mês passado, apesar da valorização artificial da taxa de câmbio, o preço da gasolina, na porta da refinaria, estava, pelo menos, 15% abaixo do seu preço internacional.
O setor tem sido maltratado, ainda, pela insensibilidade da agência reguladora em estimular o uso da bioeletricidade com leilões diferenciados. E, também, pelo atraso da sua disposição firme de fazê-lo. Se houvesse convicção que a bioeletricidade continua prioridade no planejamento do governo, isso daria previsibilidade à taxa de retorno e estimularia os investimentos.
No que respeita à produção de energia renovável de origem vegetal, as coisas parecem um pouco melhor com a recente decisão do governo de aumentar a participação do biodiesel de 5% (o B5, estabelecido em 2005) no diesel mineral, para B6 e para B7 em novembro próximo. Isso dá alguma esperança de que possamos ter, em futuro não distante, o B10 sugerido pela Abiove.
Apesar do grande esforço do governo e da mediação da corajosa senadora Katia Abreu, continua a haver um grande desconforto do setor com relação a outros problemas que não vão morrer de velhice: insegurança sobre a demarcação de terras de índios e quilombolas, que deveria ter terminado em 1993; dificuldade de definir objetivamente o que é trabalho "escravo", que sujeita o setor à discricionariedade do órgão fiscalizador; absurdas decisões da Justiça do Trabalho sobre a terceirização (agora do STF); dificuldades de entendimento das importantes implicações do fundamental Cadastro Ambiental Rural (CAR) etc. Sem solução razoável e definitiva dessas questões remanescerá um ponto escuro na previsibilidade que dá tranquilidade ao setor.
O que falta fazer é pouco. Está ao alcance do governo melhorar as expectativas do setor agropecuário, que deu ao Brasil segurança alimentar interna e salvou-o externamente com suas exportações.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras.