Pesquisa transforma semente de abacate em fonte de enzima industrial
A semente do abacate, que representa cerca de 18% do peso do fruto e é frequentemente descartada, está sendo estudada por cientistas do Brasil e do Peru como fonte para obtenção de lipase — uma enzima de alto valor para as indústrias alimentícia, farmacêutica e de biodiesel.
Estima-se que o processamento do abacate no Brasil e no Peru gere milhões de toneladas de subprodutos, como cascas e sementes. O Brasil produz mais de 338 mil toneladas da fruta por ano, enquanto o Peru ultrapassa as 550 mil toneladas. A semente, que contém cerca de 12% de óleo, é um dos principais alvos do estudo por seu potencial ainda pouco explorado.
A ideia surgiu após visita da coordenadora do projeto, Eliane Pereira Cipolatti, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), ao Peru, onde observou os desafios locais com o descarte da semente de abacate.
“Eles extraem o óleo do abacate também da semente, só que essa semente acaba gerando um problema de descarte. Quando a gente processa essa semente, ela tem muito óleo ali. E o óleo estimula com que o microrganismo produza essa enzima”, relata a professora do curso de engenharia química.
O processo de reaproveitamento se baseia na produção de lipase por fungos como Rhizopus oryzae e Aspergillus oryzae, que utilizam a farinha da semente como fonte de lipídios. “A gente utiliza como comida do fungo a farinha de abacate. Ele se desenvolve ali e produz a nossa lipase”, explica Cipolatti. Mesmo após a extração de óleo, a farinha ainda contém resíduos lipídicos que estimulam a produção da enzima.
“A gente utiliza como comida do fungo a farinha de abacate. Aí ele se desenvolve ali e produz a nossa lipase. Então, eu tenho algo que a gente ia descartar, eu consigo pegar essa enzima e utilizar num processo que tenha um valor agregado. E aí eu não preciso nem comprar enzima, que vai sair caro”, explica Cipolatti.
Por isso, um dos focos do estudo também é o de reduzir os custos da lipase, cuja versão comercial pode valer cerca de R$ 1.200 por grama, inviabilizando a aquisição. Produzida em laboratório com o uso de resíduos do abacate, a enzima pode ter seu preço reduzido em mais de dez vezes, ampliando suas possibilidades de aplicação.
A lipase desempenha um importante papel em diversas indústrias. Cipolatti cita como exemplo o uso da lipase na produção de biodiesel, onde catalisa a transformação de óleos em ésteres que darão origem ao biocombustível. Também é amplamente utilizada na indústria alimentícia para melhorar a textura e o sabor de produtos, como queijos e pães. Na indústria farmacêutica, ela pode auxiliar na digestão de lipídios e na formulação de medicamentos.
Além da lipase, a equipe estuda compostos antioxidantes presentes na semente. No entanto, segundo a pesquisadora, esses compostos se desestabilizam com facilidade e demandam processos de estabilização para manter suas propriedades nutricionais. A intenção é integrar esses princípios ativos em novos produtos, dentro de uma abordagem de economia circular.
A pesquisa envolve 15 cientistas brasileiros de instituições como UFRRJ, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estácio de Sá, em colaboração com a empresa peruana CITE Agroindustrial Chavimochic, e é financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
O estudo segue em desenvolvimento com foco na viabilidade em escala e no uso de coprodutos do abacate como base para soluções industriais e sustentáveis.
Gabriella Weiss – Globo Rural