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Emissões

Transporte, setor em que emissões mais crescem no Brasil, tenta virada ecológica


O Globo - 16 dez 2025 - 11:48

O setor cujas emissões de gases do efeito estufa que mais vem crescendo proporcionalmente no Brasil conseguiu neste ano uma realização importante. O transporte, que emite mais de 220 milhões de toneladas de CO2 por ano (excluindo aviação), apresentou uma pequena queda, de 1% no último ano.

O desvio na curva de 2024, o primeiro desde 2020, é ainda aquém do necessário para tornar o país uma nação carbono neutro em 2050, mas guarda em si uma pequena semente daquilo que será preciso ser feito.

Esse marco, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), se deu em um ano em que o volume e distância de carga e pessoas transportadas não teve queda.

“As emissões de transporte diminuíram porque houve um grande aumento do uso de biocombustíveis”, diz Felipe Barcellos e Silva, engenheiro do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). “O biodiesel aumentou bastante, mas notadamente o etanol aumentou, chegando no seu recorde histórico de consumo e produção”.

Além de uma participação crescente do álcool de milho, o setor sucroalcooleiro teve uma safra excepcional de cana, que deixou o etanol mais competitivo em relação à gasolina. Já o consumo de diesel "sujo" (de origem no petróleo) estagnou apesar do aumento de demanda, por causa do aumento do biodiesel (de origem vegetal).

Ao contrário do período de 2015 a 2020, no qual as emissões de transporte caíram sobretudo por desaquecimento da economia, no último ano o setor conseguiu efetivamente ser (um pouco) mais limpo. Esse ensaio de uma virada ecológica no setor é importante sobretudo por causa das metas de longo prazo do país.

O Brasil tem uma contribuição nacionalmente determinada (NDC), o documento que detalha sua promessa de corte de emissões de gases estufa, praticamente toda ancorada no compromisso de zerar o desmatamento, nossa maior fonte de emissões, até 2030. A segunda maior fonte de emissões, a fermentação entérica (o 'arroto do boi') na pecuária, é difícil de abater, mas não deve crescer muito mais.

Se as tendências dessas duas fontes continuarem em linha reta, no meio do século o transporte é que será a maior preocupação brasileira rumo à neutralidade de carbono. Por isso as medidas de mitigação precisam avançar muito mais.

Viabilidade econômica

Segundo André Ferrarese, coordenador técnico do Instituto MBCBrasil, iniciativa da indústria nacional para a "mobilidade de baixo carbono", a primeira medida a ser tomada é identificar setores em que já é possível avançar com alta viabilidade econômica.

“Nossa preocupação é fazer abordagem 'neutra' em tecnologia, porque cada rota de descarbonização tem seus diferentes trunfos e obstáculos”, ele afirma. “E a rota de maior viabilidade econômica no mundo é o uso de blends de combustível sustentável”.

A pequena queda de emissões do transporte no Brasil, ele explica, teve muito a ver não só com os carros flex, que podem usar gasolina ou álcool, mas também com a mistura de etanol na gasolina.

Comparada com os biocombustíveis, o uso de veículos elétricos teve pouca participação na descarbonização do transporte até agora, mas deve conseguir encontrar nichos onde é vantajosa.

Os carros elétricos e híbridos podem ajudar a descarbonizar sobretudo setores de transporte mais leve, de curta distância e em veículos de vida útil menor. Essas três características, ele diz, tornam o ambiente urbano mais favorável à eletrificação.

O grande desafio das emissões de transporte brasileiras, que são os veículos rodoviários de carga, ainda depende de mais avanços na tecnologia e na infraestrutura de postos de carregamento, para se tornarem competitivos. Nessa categoria, por enquanto, os biocombustíveis ainda são a frente mais viável, não só com o biodiesel, mas também com o biometano (gás natural produzido a partir de lixo e resíduos).

Estímulo corporativo

Tecnologia à parte, um grande desafio no setor é o de mobilizar as empresas para a causa, mas aí também existe oportunidade para uma virada. Com o impacto da mudança climática chegando a galope, empresas de transporte têm se engajado mais na causa, que já deixou de ser uma pauta motivada só por imagem e relações públicas.

A maior empresa de transporte e infraestrutura do setor no país, a Motiva (antiga CCR), teve um prejuízo grande no ano passado, quando as enchentes que atingiram destruíram parte da rodovia BR-386. A empresa, que detém a concessão da estrada no Rio Grande do Sul, teve que arcar com sua reconstrução.

A política de resiliência climática anunciada neste ano pela empresa tem não apenas medidas de adaptação, mas também de mitigação das emissões de CO2.

Para os trens que a empresa opera, por exemplo, há contratos para aquisição de eletricidade limpa. As frotas de veículos leves em estradas estão sendo eletrificadas. E as emissões difíceis de abater começam a ser neutralizadas com compra de créditos de carbono (títulos de mercado para bancar mitigação por parte de terceiros).

“Todos esses projetos fazem parte de um plano de descarbonização para garantir que nós cheguemos a 2033 com 59% menos de emissão”, afirma Juliana Silva, diretora de sustentabilidade da Motiva. “Quando chegarmos em 2035, o objetivo é zerar as emissões”.

A Motiva é uma das líderes do projeto Coalizão dos Transportes, que juntou 69 empresas e entidades para estudar soluções para as emissões do setor. O grupo apresentou na COP30, a conferência do clima de Belém, a avaliação de potencial de mitigação em cada subsetor. Executivos presentes ali declararam apoiar os objetivos do governo para a área.

Cloves Benevides, secretário de sustentabilidade do Ministério dos Transportes, diz que a ideia é ter já na próxima NDC do Brasil (a que cobre o período de 2035 a 2040) uma meta fixa para corte de emissões nesse segmento.

“O transporte mobilizou todo o seu setor, elaborou os seus planos de adaptação, mitigação e está participando da construção da NDC de uma maneira ativa”, disse. “O setor está entrando numa fase nova de maturidade”.

Rafael Garcia – O Globo