Meta de plano de descarbonização divide montadoras
Montadoras fizeram chegar ao governo preocupações com os rumos do Mover, programa federal de descarbonização da indústria automobilística. O principal receio é que as metas de redução de emissões, que ainda serão anunciadas, possam ser cumpridas quase que exclusivamente com veículos movidos a etanol, ou seja, sem a necessidade de grandes investimentos na produção de modelos híbridos e elétricos. Na visão dessas empresas, isso prejudicaria aquelas que já estão mobilizando investimentos em eletrificação das frotas.
Nos bastidores, a versão de algumas fabricantes é de que metas mais “brandas” poderiam beneficiar a Stellantis, gigante do setor que controla marcas como Fiat (líder no mercado nacional), Jeep, Peugeot e Citroën, entre outras. Executivos da empresa já declararam publicamente a preferência pelos modelos movidos a etanol e sinalizaram que a produção de carros elétricos no Brasil não está entre as prioridades.
Um decreto com as metas de redução de emissões para os próximos anos será publicado em breve, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), principal responsável pelo programa. Pelas regras do Mover, as montadoras que poluírem menos terão desconto no Imposto sobre Produtos Industrializados, o chamado “IPI Verde”. Estão previstos R$ 19 bilhões em incentivos fiscais entre 2024 e 2028.
A forma pela qual o decreto está sendo desenhado é alvo de críticas dentro e fora do governo. Ricardo Abreu, da RSA Consultoria, afirma que as metas deveriam ser elaboradas com maior transparência e com mais participação de empresas e universidades. No governo, ministérios que teriam ficado de fora das discussões, como Meio Ambiente (MMA) e Minas e Energia (MME), também estão insatisfeitos.
Segundo o Mdic, o decreto interministerial será assinado em conjunto com as pastas da Fazenda e da Ciência e Tecnologia, com participação do MME e da Casa Civil nas discussões. O MME, contudo, nega que tenha participado dos debates sobre as metas. Questionado, o Mdic reafirmou que aquela pasta contribuiu.
“Quando a gente olha as primeiras propostas vindas do governo, elas são positivas. Mas nas curvas [de emissões] e no detalhe, de fato existe uma pressão para uma curva mais baixa”, disse ao Valor o executivo de uma montadora que preferiu não ter o nome publicado. “Nós defendemos uma métrica justa, na qual se possa viabilizar o etanol e a eletrificação”, completou ele.
Abreu explicou que metas de emissões mais brandas podem permitir um investimento menor em eletrificação, com prioridade para o aumento da eficiência de motores flex movidos a etanol. Um cenário como esse pode representar um entrave para a modernização da indústria automotiva nacional, que deixaria de se atualizar com uma tecnologia que será cada vez mais presente no mercado global.
Metas excessivamente rigorosas, por outro lado, demandariam uma oferta bem maior de carros 100% elétricos, o que esbarra na capacidade do mercado nacional, tanto em termos de custos de produção como de infraestrutura para abastecimento desses veículos. Este cenário é defendido nos bastidores pelas fabricantes chinesas, que vêm reduzindo substancialmente os preços dos carros elétricos.
“Se deixar [a meta] muito frouxa, não tem o desafio tecnológico. Se deixar muito apertada, inviabiliza a indústria nacional. E tem ainda a questão ambiental. Todas as montadoras que estão aqui no Brasil estão no exterior. A decisão de investir ou não é mercadológica, não tecnológica”, explicou o consultor.
Questionado sobre o direcionamento das metas de emissões, o Mdic informou apenas que “todos os veículos novos comercializados no Brasil terão de atender aos requisitos mínimos obrigatórios, independentemente da tecnologia de propulsão”.
Em entrevista ao Valor, um ano atrás, o presidente mundial da Stellantis, Carlos Tavares, elegeu o etanol e o carro flex como a melhor solução para o Brasil. “Agora, a sociedade precisa, o cidadão precisa [do elétrico]? Minha avaliação honesta é que não, não precisam porque vocês têm uma solução muito boa para o planeta”, afirmou sobre o etanol.
A Stellantis informou que segue articulando parcerias para acelerar o desenvolvimento das novas soluções de motopropulsão e de descarbonização da mobilidade. Reforçou, ainda, o objetivo de descarbonizar suas operações até 2038, com redução das emissões pela metade já em 2030. Segundo a empresa, 55% da descarbonização planejada virá da cadeia de produção, enquanto 45% virão dos produtos.
“Também enxergamos o etanol como forte aliado na redução das emissões de CO2 aqui no Brasil. Sua combinação com a eletrificação pode ser uma alternativa competitiva de transição para a difusão da eletrificação a preços acessíveis”, disse a Stellantis.
Murillo Camarotto – Valor Econômico