Produção de soja fica 27,4% menor no RS em ano de estiagem
Os 45 dias sem chuva foram impiedosos na produção de Jean Filippe, do município de Camargo, no Norte. Dos 35 hectares semeados com soja nesta temporada, a produtividade variou "de pouco para quase nada", resultando em uma das piores colheitas já anotadas pelo agricultor — de 21 sacas por hectare.
“Nas outras secas não foi tão ruim. Este foi o pior ano de todos, muito semelhante a 2005. Mais uns dias sem chuva e não precisava nem passar a colheitadeira, porque não teria nada para colher”, relata o agricultor.
O cenário de quebra em razão de mais uma estiagem abateu o Rio Grande do Sul de forma discrepante, mas não sem efeitos que, no médio e no longo prazo, tendem a ser generalizados na economia gaúcha, em que a agropecuária têm parcela significativa.
Números finais da safra divulgados pela Emater mostraram que a produção de soja, principal produto agrícola do verão, totalizou 13,2 milhões de toneladas no Estado este ano, uma queda de 27,4% em relação à colheita da safra anterior (18,2 milhões) e de 38,8% em relação ao que se pretendia colher nesta temporada (21,6 milhões). A colheita está tecnicamente encerrada nas regiões produtoras.
Já em produtividade, que é o quanto se produz por hectare, a média estadual foi reavaliada para 1.957 kg/ha pela Emater, representando uma redução de 38,4% em relação aos 3.179 kg/ha projetados antes do início do plantio.
No ranking de produções, a colheita 2024/2025 é a oitava em volume no Estado.
Maiores safras de soja no RS:
• 2021: 20.420.501 toneladas
• 2017: 18.744.186 toneladas
• 2019: 18.498.119 toneladas
• 2024: 18.258.064 toneladas
• 2018: 17.538.725 toneladas
• 2016: 16.209.892 toneladas
• 2015: 15.700.264 toneladas
• 2025: 13.252.277 toneladas
• 2014: 13.041.720 toneladas
• 2023: 12.970.362 toneladas
• 2020: 11.307.760 toneladas
• 2022: 9.341.148 toneladas
Estiagem "heterogênea"
Gilberto Costa Beber, produtor e presidente do Sindicado Rural de Condor, no Noroeste, foi praticamente exceção entre os vizinhos agricultores ao colher "relativamente bem" nesta safra. Foram 50 sacas de soja por hectare, uma média abaixo do clico anterior, quando foram 75, mas melhor que a estiagem de 2023, quando foram 33.
O produtor diz que o plantio na janela "do cedo", ainda em outubro, colaborou para o resultado. Apesar da chuva escassa, as precipitações que vieram caíram na hora certa na lavoura. A mesma sorte não tiveram produtores distantes pouco quilômetros, evidenciando o caráter desparelho com que a estiagem abateu o RS neste verão.
“Tive sorte, não posso reclamar. Tenho vizinho ao lado que colheu quase 20 sacas a menos na mesma área, tendo os mesmos cuidados. Mas não adianta”, relata Beber sobre a imprevisibilidade com que os plantios têm sido implantados nos últimos anos.
A diferença de colheita entre as propriedades e os dados finais da safra reforçam o caráter heterogêneo com que a estiagem atingiu a produção gaúcha neste ciclo, aponta o diretor técnico da Emater, Claudinei Baldissera. É como os números evidenciam as características de "mosaico" na produção, antecipada pela entidade desde que se apontaram os primeiros sinais da falta de chuva no Rio Grande do Sul.
As disparidades entre as regiões produtoras tendem a se acentuar em meio às mudanças do clima e exigirão ainda mais planejamento da agricultura no Estado.
“Temos a região de Passo Fundo, que possui uma projeção de 61,2 sacas por hectare. E, na outra ponta, a região de Bagé, com 41,3 sacas por hectare. São praticamente 20 sacas de diferença nas condições de um ano normal. É importante avaliar esses cenários para possíveis decisões. Onde é preciso avançar com irrigação e gestão da propriedade, por exemplo”, diz Baldissera.
Outros grãos
A escassez hídrica atingiu também os outros cultivos que compõem a safra de grãos do verão, ainda que em menor proporção de perdas do que a soja.
No milho, a redução foi de 9% em relação ao que se pretendia colher neste ciclo. Contudo, apesar da diminuição da área plantada e dos impactos da estiagem em algumas áreas, a produção total no Estado deve finalizar em 4,8 milhões de toneladas, um acréscimo de 7,5% em relação ao colhido na safra anterior (4,5 milhões de toneladas).
No arroz, também com colheita praticamente encerrada, a produção do cereal somou 8,3 milhões de toneladas, crescimento de 15,3% sobre o ano passado, quando foram 7,2 milhões de toneladas produzidas. A produtividade também foi revisada para cima, de 8.478 kg/ha para 8.558 kg/ha.
Nessas culturas, o período em que se deu a falta mais crítica de chuva foi determinante para o comprometimento ou não do desenvolvimento das plantas, lembra o diretor técnico da Emater. No milho, o desempenho das áreas irrigadas tive importante participação no resultado geral da colheita.
“Principalmente na parte Norte, as primeiras lavouras tiveram desenvoltura excepcional, muito boa, o que demonstra o avanço do sistema irrigado no milho. E o efeito do tempo que foi bom nessas regiões, com produtividades muito boas”, observa Baldissera.
Efeito extracampo deve atingir o PIB
Diante de uma expectativa que não se cumpriu, o aguardo agora é pelo efeito da colheita menor na economia gaúcha. O desempenho da agropecuária, sobretudo da colheita de verão, é um balizador da atividade econômica no Rio Grande do Sul, com reflexos nas mais diversas atividades, dos serviços à indústria.
Em 2024, mesmo com a enchente, o PIB do Estado foi considerado bom diante das perdas. A economia cresceu 4,9% na comparação com o ano anterior. Em 2025, no entanto, a estiagem deve frear este crescimento, conforme os analistas.
Economista chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz menciona o impacto da falta de chuva no setor, muito pior que o excesso dela:
“Os efeitos da enchente são mais visuais e chocantes, pela invasão na casa das pessoas. No entanto, do ponto de vista econômico, estiagens são muito mais danosas”, diz.
As perspectivas para os próximos meses são de perdas que se prolongam.
“O PIB do RS acumula um atraso de 12% em relação ao Brasil, e esse hiato surgiu a partir da estiagem de 2022 e se agravou até 2024. Com as perdas de 2025, que tudo indica serão as piores do ciclo, essa distância será ainda maior. Ter uma perda é muito duro, mas ter perdas sobre perdas coloca milhares de produtores sob risco de continuidade”, comenta o economista da Farsul.
A dificuldade climática tem encarecido ainda mais a produção, que já lida com custos fixos altos e ainda enfrenta o endividamento em boa parte das propriedades.
“Tento aqui na propriedade manter tudo na ponta da caneta. Então, a gente consegue ir levando. Só que vai sobrando pouco da reserva que vínhamos guardando, pela questão de clima e do custo. Este ano, por exemplo, com 50 sacas eu só empato”, diz Beber, produtor em Condor.