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Soja

Cresce área que desrespeita moratória da soja


Fábio Rodrigues - 16 jun 2020 - 09:41

O cultivo de soja em áreas desmatadas no bioma Amazônia após 2008, e portanto em desacordo com a Moratória da Soja, cresceu na safra 2018/19 e reforçou a tendência ascendente da última década. Naquela safra, colhida no primeiro semestre do ano passado, a área que não respeitou os marcos da moratória aumentou 38% ante a temporada anterior, ou 24 mil hectares. No total, 88.235 hectares do grão foram plantados sem conformidade com o pacto ambiental, de acordo com relatório da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove).

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Pela moratória, as empresas representadas pela Abiove e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) se comprometeram a não comprar soja de fazendas onde houve plantio em áreas que foram desmatadas no bioma Amazônia após 2008 - mesmo que dentro da lei. Desde a vigência do acordo, a área de soja fora de conformidade tem crescido ano a ano, ainda que em termos absolutos esse avanço seja pequeno. O aumento nominal da safra passada foi o maior da série.

O acordo não bloqueia o plantio de soja em regiões do bioma desmatadas antes de 2008. Em 2018/19 o grão ocupou 5 milhões de hectares no bioma, e a maioria esmagadora da área foi aberta antes do pacto. A expansão já durante a vigência da moratória representa, portanto, 1,5% da área total de cultivo. Se considerados os 95 principais municípios com o grão no bioma, o percentual chega a 4,8%.

Ainda assim, a área de soja no bioma fora de conformidade com a moratória representou 7% da área de expansão da soja na Amazônia em 2018/19, contra 2% a 3% entre as temporadas 2012/13 e 2016/17. E essa aceleração preocupa as organizações da sociedade civil que atuam no Grupo de Trabalho da Soja. Para as ONGs, é preciso aprimorar o acordo para estancar logo essa tendência.

“Existem mecanismos para colocar essa soja na cadeia, seja através de armazéns ou fornecedores indiretos, que as empresas [signatárias] têm menos controle sobre a origem”, afirmou Cristiane Mazzetti, porta-voz do Greenpeace. Outra saída pode vir pelos próprios produtores “regulares”, segundo Rodrigo Spuri, diretor da The Nature Conservancy (TNC). “Pode ter triangulação de produtor não conforme vendendo para produtor conforme”, disse.

Atualmente, os armazéns e cerealistas são obrigados, em seus contratos de fornecimento com as tradings signatárias, a também cumprir com o acordo, mas esse cumprimento não é verificado.

A Abiove afirma que as tradings não são obrigadas a fazer a verificação do fornecedor, mas ressalta que, se um deles é identificado com inconformidade, é descredenciado. “Se isso não for feito, toda a auditoria da trading é reprovada”, disse André Nassar, presidente da entidade.

Para ele, boa parte da soja plantada em áreas desmatadas após 2008 está sendo comprada por empresas que não são signatárias da moratória. “Nunca conseguimos que a moratória incluísse todas as empresas que comercializam. Tem algumas que atuam na Amazônia e não são signatárias”, disse Nassar ao Valor.

Spuri, da TNC, defende que outros elos da cadeia integrem o acordo, como fornecedores de insumos e o setor financeiro. “Todos eles financiam, tem relação de barter. Seria um reforço”. Para Mazzetti, do Greenpeace, o aumento da área de soja fora de conformidade também pode ser explicado pelo cenário geral de governança da Amazônia. “Tem uma sensação de impunidade que está se reforçando pela redução de fiscalização e da presença do Estado em campo”. Para ela, o problema tende a aumentar com a postura ambiental no atual governo.

As tradings signatárias não consideram que o crescimento da inconformidade afeta a credibilidade da moratória. Para elas, o receio maior é com os dados gerais de avanço do desmatamento na Amazônia. “O aumento do desmatamento como um todo gera no nosso cliente uma visão de que não há controles nem imposição da lei no Brasil”. Segundo Nassar, em 2019 as empresas tiveram que dar muitas explicações aos clientes internacionais diante dos dados de desmatamento no país.

A expansão em áreas desmatadas após 2008 está concentrada em um perfil específico de propriedade: majoritariamente no norte de Mato Grosso e em imóveis com mais de 100 hectares. Apenas quatro municípios mato-grossenses (Feliz Natal, União do Sul, Santa Carmem e Nova Maringá) concentraram 33,5 mil hectares de soja em desacordo - quase 40% do total.

A Abiove ainda vai mapear a extensão a ser embargada, já que as fazendas devem ser excluídas da lista de fornecedores, mesmo que só uma parte esteja fora da moratória. Os produtores podem questionar os dados ou firmar acordos. Para Nassar, boa parte da área em desacordo já estava com outros cultivos, como arroz. Segundo ele, houve “dois ou três” casos “emblemáticos” de produtores que tinham autorização para desmatar - dentro da lei, respeitando a área de reserva legal - com o objetivo de plantar soja, mas que ficaram fora da regra da moratória.

PL na mira alemã

Uma petição online com mais de 300 mil assinaturas pede que três redes de supermercado da Alemanha parem de comercializar produtos brasileiros por causa do risco de aumento do desmatamento da Amazônia com o projeto de lei 2633/20, batizado pelos críticos de “PL da Grilagem”.

A campanha foi lançada pela ONG Compact e é direcionada às redes Lidl, Edeka e Aldi Nord, que estão entre as cinco maiores varejistas da Europa em faturamento - e que têm, juntas, 70% de participação de mercado na Alemanha. A petição cita como exemplo uma iniciativa de grupos britânicos, que também ameaçaram interromper as importações de produtos brasileiros por causa da mudança na legislação, como já informou o Valor.

A petição alemã sustenta que, com a aprovação do PL, uma área de 570 mil quilômetros quadrados poderá ser afetada. O documento também cita o aumento do desmatamento no governo de Jair Bolsonaro e a ameaça aos indígenas no Brasil, por causa de problemas ambientais e também do novo coronavírus. Entidades ligadas ao agronegócio brasileiro defendem o projeto, sob o argumento de que milhares de produtores poderão regularizar sua situação fundiária. As críticas estrangeiras em relação à preservação da Amazônica voltaram a se intensificar desde o ano passado.

Camila Souza Ramos – Valor Econômico