Tarifaço de Trump atinge até sebo usado em biocombustíveis
A possibilidade de uma reunião entre os presidentes Donald Trump e Lula deu esperança aos empresários brasileiros que, desde 7 de agosto, enfrentam tarifas extras de até 50% sobre as exportações. Enquanto a negociação política avança lentamente, setores tentam reduzir os danos: a celulose escapou da tarifa de 10%, mas o sebo bovino continua travado pela sobretaxa de 50% e ainda busca saída para voltar a competir no mercado americano.
A estratégia é clara: manter pressão para preservar margens de competitividade. As tarifas impostas pelo governo Trump redesenharam em poucas semanas o mapa das exportações brasileiras. A celulose escapou da sobretaxa de 10% após forte mobilização das empresas e associações nos EUA, mas papel, sebo bovino -insumo estratégico para a produção de SAF (combustível de aviação sustentável)—, café e carne seguem com barreiras de 50%, o que limita negócios e pressiona o bolso do consumidor americano.
O setor da chamada reciclagem animal foi um dos mais atingidos. Entre 2023 e 2024, as exportações de sebo bovino cresceram cerca de 20%, consolidando o Brasil como um dos principais fornecedores para refinarias de biocombustíveis nos EUA. Só nos oito primeiros meses de 2025, os embarques já haviam superado todo o resultado de 2024, movimentando US$ 330 milhões (cerca de R$ 1,750 bilhão), com projeção de fechar o ano entre US$ 450 milhões e US$ 500 milhões (algo entre R$ 2,4 bilhões e R$ 2,7 bilhões).
Esse ciclo de expansão, no entanto, foi interrompido de forma abrupta. "As vendas caíram a zero nos últimos meses", relatou Charbel Syrio, presidente da Camez-Abra (Câmara de Comércio Exterior da Associação Brasileira de Reciclagem Animal). Além da paralisação imediata, contratos de médio e longo prazo, que garantiam previsibilidade a investimentos, foram suspensos ou cancelados.
A gordura animal, antes integrada à agenda americana de descarbonização com a produção de SAF, agora precisa de novos mercados. Mas a logística consolidada com os EUA — navios, operadores e contratos estáveis — não tem substituto imediato. Redirecionar fluxos para Europa ou Ásia exige tempo e custos maiores.
Parte da produção vem sendo absorvida pelo mercado interno, favorecido pelo aumento da mistura obrigatória de biodiesel no diesel de 14% para 15%. Mas o efeito é limitado. "O ideal seria voltar à tarifa zero. Mesmo algo entre 10% e 15% já tornaria o negócio novamente viável", disse Syrio. Segundo ele, a associação pressiona com negociações com o governo brasileiro e diálogo com empresas americanas. "Nós já tivemos algumas reuniões, já estamos bem alinhados e já estamos aguardando uma devolução", afirmou.
O setor de celulose, inicialmente alvo de tarifa de 10%, mobilizou não apenas empresas brasileiras, mas também clientes e entidades americanas para pôr fim à taxação do produto. O argumento decisivo foi econômico. Sem o insumo brasileiro, os EUA não atenderiam à demanda por itens essenciais como papel higiênico e toalhas de papel. O consumidor perderia em qualidade e a indústria local veria sua competitividade ameaçada. O governo americano recuou.
Segundo maior exportador brasileiro para os EUA, atrás apenas da Embraer, a Suzano celebrou o resultado. "Foi uma discussão técnica, mostrando o impacto direto no consumidor americano", disse Fábio Almeida de Oliveira, vice-presidente executivo de Papel e Embalagens.
No entanto, a mesma Suzano vê dificuldades no papel, agora taxado em 50%. Com estoques para atender o mercado até o fim do ano, a alternativa será redirecionar a produção para o Brasil e países vizinhos.
O caso do café é talvez o mais emblemático. O Brasil responde por mais de um terço da produção mundial e é o principal fornecedor dos EUA, maior consumidor global da bebida. A tarifa de 50% atinge diretamente o bolso do americano médio: do café premium ao copo vendido em redes populares, todos ficam mais caros, pressionando cafeterias e supermercados. "O café brasileiro não tem substituto em escala e qualidade. A tarifa vai bater direto no consumidor", avalia um analista do setor.
Na carne, o impacto também é expressivo. O Brasil, maior exportador mundial de proteínas — bovina, de frango e suína —, vê suas vendas limitadas pela barreira tarifária. O mercado americano depende das importações para equilibrar a oferta interna, e o resultado tende a ser o encarecimento da proteína em um momento de inflação persistente. Em redes como o Costco, a libra - pouco menos de meio quilo - de picanha, que custava US$ 7,99 (cerca de R$ 42) até julho, já é vendida a US$ 9,99 (R$ 53). Procurada, a empresa não se manifestou sobre os reajustes.
Especialista vê perdas dos dois lados
Para Chris Douglas, professor e coordenador do Programa de Economia na Universidade de Michigan-Flint, as tarifas impostas por Trump provocam perdas nos dois lados da relação comercial. "Tarifas são prejudiciais aos consumidores por meio de preços mais altos e prejudiciais às empresas americanas ao reduzir vendas e aumentar os custos de produção", afirmou ao UOL.
O impacto, segundo Douglas, recai sobretudo sobre famílias de baixa renda. "O consumidor americano mais afetado é o de baixa renda, porque está em pior posição para arcar com preços mais altos. Já um consumidor de classe média alta pode se irritar, mas consegue pagar", explicou.
Douglas lembra ainda que a promessa de proteger empregos industriais não se sustenta. A perda de postos de trabalho no setor manufatureiro não decorre apenas da concorrência externa, mas principalmente da automação. "Nenhuma tarifa vai voltar no tempo e recriar empregos manuais em fábricas. Hoje, robôs e computadores fazem o trabalho que antes era humano", destacou, reforçando que, no fim, as tarifas representam uma perda líquida para todos os envolvidos.
O professor lembrou que as incertezas geradas pelas tarifas preocupam as empresas quanto aos custos dos insumos e seus reflexos, isso resulta em - como mostram os dados do último boletim de geração de empregos dos EUA -, uma desaceleração "A criação de empregos foi decepcionante no mês passado, apenas 22 mil novos postos nos EUA, quando o normal seria cerca de 150 mil", disse.
Alexandra Bicca – UOL