Nova política antidesmate da UE vira obstáculo para acordo comercial com Mercosul
A nova lei do Parlamento Europeu para barrar a importação de commodities associadas ao desmatamento promete complicar um pouco mais as já delicadas negociações entre UE e Mercosul sobre o acordo comercial entre os blocos. O governo brasileiro havia demonstrado irritação com a forma como os europeus estavam tratando os compromissos ambientais para fechar o acordo, e com as novas regras as conversas devem ficar ainda mais complexas.
Uma rodada de negociações entre Mercosul e UE que aconteceria semana passada foi postergada, a pedido de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Segundo Assis Moreira, do Valor, o Mercosul trabalha internamente para coordenar a posição a ser levada aos europeus, pois o bloco ainda não estaria pronto para a barganha em torno do instrumento adicional na área ambiental.
Fontes ouvidas pelo colunista reiteraram que o Mercosul não pretendia criar impasses, mas sim chegar a convergências. O bloco estaria elaborando seu próprio documento adicional com elementos de seu interesse, assim como fez a UE. A ideia seria facilitar a definição de um texto comum aceitável pelos dois lados.
Contudo, a nova lei antidesmatamento promete apimentar as conversas. Sobretudo porque, segundo o relator do projeto, o eurodeputado Christophe Hansen, o Brasil deve ser classificado como um país de “alto risco” – nível mais rigoroso da legislação. Hansen afirmou que, mesmo com a mudança de governo no Brasil, o desmatamento continua aumentando.
Pela lei, 9% do volume dos produtos de países de “alto risco” passarão por escrutínio. No caso dos países sob a classificação “padrão”, a análise será de 4%, e, nos de “baixo risco”, ela recairá sobre apenas 1% dos produtos, detalha o Valor.
Uma possibilidade de acalmar os ânimos pode vir da própria União Europeia. De acordo com a Bloomberg, o bloco avalia ajudar os produtores latino-americanos a cumprirem as novas regras. “Estamos analisando como podemos apoiar os produtores, especialmente as pequenas e médias empresas nos países do Mercosul, para atender a esses requisitos de sustentabilidade”, disse o chefe comercial da UE, Valdis Dombrovskis.
A política antidesmatamento mais rigorosa desagradou também outros países. A Malásia protestou contra a lei, temendo um impacto em suas exportações de óleo de palma para o bloco. O país disse ser um “esforço deliberado” para aumentar custos e barreiras para esse segmento – uma fonte importante de receita de exportação para o país do Sudeste Asiático, informa a Reuters.
O cerco da UE à agropecuária também se dá em casa. Para atingir suas metas climáticas, o bloco precisa que seu setor agrícola seja mais verde. Para isso, estabeleceu a estratégia Farm to Fork – reduzir pela metade a quantidade de pesticidas aplicados até 2030, cortar o uso de fertilizantes, dobrar a produção orgânica e reflorestar algumas terras agrícolas. Entretanto, agricultores europeus reclamam do rigor das decisões, destaca o Financial Times.
A UE argumenta que o setor agrícola precisa de reformas ambientais urgentes. O setor responde por 11% das emissões de gases de efeito estufa do bloco – uma proporção quase tão alta quanto há 20 anos. Os óxidos nitrosos contidos nos fertilizantes, assim como a urina e excrementos de animais, são parte significativa do problema, com altas concentrações de nitrogênio incentivando espécies invasoras a buscarem outras plantas, levando à perda de biodiversidade.