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Décio Luiz Gazzoni

O que Bush deixou por aqui?


Décio Luiz Gazzoni - 14 mar 2007 - 20:21 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

Bush veio em alta velocidade, saiu em velocidade maior ainda, e nem herança deixou. Nem aqui, nem nos demais países por onde passou. A maratona, que custou centenas de milhões de dólares ao governo americano e aos governos dos países que o recebeu, nada deixou de prático, porque não era este o objetivo. A única intenção de Bush era tentar recuperar um pouco da péssima imagem que construiu no continente, ao relegar a América Latina ao último plano de suas prioridades. O presidente Chavez, que de tolo não tem nada, aproveitou o vácuo para nadar de braçada em suas pretensões de ser el gran comandante de Latinoamerica – um remake de Fidel Castro – ancorado na petro-esmola. Montado em bilhões de dólares dos lucros do petróleo (em grande parte provenientes das vendas aos EUA), Chavez busca manipular a geopolítica regional a seu favor, para ser uma onipresença nos próximos 50 anos, como Fidel foi nos 50 anteriores. Agora caiu a ficha de Bush e o seu périplo pela América Latina foi uma tentativa meio canhestra de contrabalançar um jogo que ele mesmo pôs a perder.

O pano de fundo
Esta introdução era necessária para entender onde entravam os biocombustíveis na agenda bushiana. Precisava-se de uma desculpa formal, tendo sido escolhido o etanol, interesse comercial comum entre Brasil e EUA.  Discursos de parte a parte, pedidos de um lado, negativas de outro, e o jogo de cena foi montado para o grande público. Entretanto, agora que o presidente americano se foi, pode-se analisar com mais tranqüilidade e ver que não havia uma agenda madura nem possibilidade de avanço no tema. Em parte porque Bush vive um momento de baixa popularidade, com Congresso oposicionista, poucas chances de fazer seu sucessor e menos de dois anos de mandato. De outro lado porque mesmo um presidente americano forte não enfrentaria o lobie agrícola americano, tentando desmontar subsídios e protecionismos. E, finalmente, porque na área de biocombustíveis, o momento não é adequado para a negociação de temas que ainda irão amadurecer, não estando claro o perde/ganha de cada lado.

Sobretaxa
Tome-se como exemplo a sobretaxa de venda do etanol brasileiro aos EUA (US$0,54/galão). É uma sobretaxa iníqua, politicamente incorreta, viola os princípios basilares do livre comércio, é errada sob todos os aspectos. Porém, os americanos não vão negociá-la agora, pois morrem de medo da competitividade do etanol brasileiro, com custo de produção 30% inferior ao americano. E o etanol de milho está na base do atual repique dos preços das comodities agrícolas no mundo. Por outro lado, ao Brasil também não interessa muito desgastar-se com esta questão agora, porque o mercado americano não está desbravado e porque não temos estoque exportador. Um desvio dos estoques de etanol para atender o mercado externo, neste momento, implicaria em reduzir o abastecimento interno, com aumento de preços, migração dos proprietários de carros Flex para a gasolina e, em conseqüência, perda de credibilidade do programa de bioetanol combustível. O reflexo não se daria apenas no Brasil, mas no mundo, porque os demais países que estão propondo leis de mistura de etanol na gasolina citam o Brasil como exemplo de sucesso. Mas o jogo de cena interessava ao Brasil, para mostrar a contradição entre o discurso de Bush (apoio ao sucesso da rodada de Doha para liberalização do comercio agrícola internacional) e o ferrenho apego dos americanos ao protecionismo de seus produtos sem competitividade.

Biodiesel
O biodiesel foi o primo pobre da passagem de Bush, esteve ausente da agenda, dos discursos, logo da cobertura da imprensa. Mas, a análise feita para o etanol pode ser aplicada ao biodiesel, com uma defasagem no tempo. O álcool é mercado quase maduro por aqui, amadurecendo rapidamente no mundo. O biodiesel ainda é um projeto embrionário, precisaremos virar a década para aquilatar a real potencialidade do mercado brasileiro. E aí vamos enfrentar o mesmo dilema: teremos capacidade de produzir excedentes exportáveis que nos permitam ingressar no mercado internacional, sem prejudicar os planos de abastecimento interno? Tudo vai depender da velocidade com que avançarmos na capacidade produtiva nacional, seja em termos de excedente de matéria prima, ou de conversão. Dependerá de estarmos sempre no estado da arte tecnológico, para que não haja perda de competitividade com os concorrentes externos. E dependerá de quanto sofrimento as Mudanças Climáticas Globais ainda causarão, para que o comércio internacional de biocombustíveis não seja posto na camisa de força comum das análises financeiras, atendendo a um objetivo maior de reduzir o despejo de gases de efeito estufa na atmosfera.

Décio Luiz Gazzoni é Engenheiro Agrônomo, membro do Comitê Científico Internacional de Energia Renovável.

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