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Marina Silva teme retrocesso ambiental


O Globo - 01 set 2008 - 05:13 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:07

A senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, diz, em entrevista ao jornal O Globo deste domingo, 31/08, que está preocupada com a política ambiental do governo e surpresa com medidas da gestão de sucessor, o ministro Carlos Minc, nas quais vê risco de retrocesso.

Cem dias após deixar o Ministério do Meio Ambiente, a senadora Marina Silva (PT-AC) diz estar preocupada com a política ambiental do governo e surpresa com medidas da gestão de Carlos Minc, nas quais vê risco de retrocesso. Apesar de evitar críticas ao sucessor, a ex-ministra condena propostas defendidas por ele, como a exploração de dendê na Amazônia e a chamada MP da Grilagem, que triplicou a extensão de terras que podem ser vendidas sem licitação na floresta. Marina também questiona a licença prévia de Angra 3, concedida sem definir o destino do lixo nuclear. Ataque direto, só ao ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger: "Só quem não conhece a Amazônia pode dizer o que ele diz".
 
Pouco tempo depois de deixar o governo, a senhora começou a manifestar dúvidas sobre a política ambiental. O que motivou essa preocupação?
MARINA SILVA: Declarações na mídia e atitudes como a aprovação da MP da Grilagem, a revogação do único artigo que condicionava a regularização fundiária ao zoneamento econômicoecológico, as declarações de que se está pensando numa revisão da reserva legal na Amazônia e na recuperação da floresta com espécies exóticas e, por último, declarações sobre o plantio de cana no Pantanal.

Esses episódios podem indicar mudança nas prioridades do governo?
MARINA: O presidente disse que não haveria nenhum tipo de retrocesso. O ministro Minc, quando assumiu, disse o mesmo. Mas de repente vem esse conjunto de coisas que vão na contramão de tudo o que havia sido feito. O ministro Mangabeira Unger fez declarações de que a legislação ambiental não é fruto da nossa vontade, mas de interesses externos.

Isso me suscita dúvidas sobre se estão em curso mudanças na política ambiental. É coincidência que essas coisas tenham surgido praticamente ao mesmo tempo?
MARINA: O tensionamento sempre existiu. Sempre procurei dialogar com os diferentes setores, mas mantendo uma linha.

Existem processos que não podem ter descontinuidade. Agora estão vindo medidas que são preocupantes. O ministro Minc fez declarações de que não é isso, de que não vai haver expansão da cana no Pantanal. Estamos na expectativa.

Essa polêmica sobre o plantio de cana no Pantanal surgiu outras vezes, na sua gestão...
MARINA: A situação não mudou. A fragilidade do Pantanal continua a mesma, e a necessidade de protegê-lo, também. A responsabilidade que temos com a questão ambiental e com os biocombustíveis continua a mesma. Essa história de ampliação da cana no Pantanal e na Amazônia é uma senha para quem quer barrar a nossa produção de álcool lá fora.

Há uma proposta de liberar o plantio em áreas do Planalto Pantaneiro que já estejam ocupadas por pasto...
MARINA: Não deve haver expansão.

O que acontecer na parte alta, no planalto, vai prejudicar a planície. Seja o vinhoto ou os agrotóxicos. Dizem que o capim é pior. Então o álcool não vai ser melhor. O ideal é investir na recuperação dessas áreas.

Por que a senhora é contra plantar espécies exóticas, como a palmeira que fornece dendê para fazer biodiesel, em áreas desmatadas da Amazônia?
MARINA: Para que não se tenha mais uma frente de expansão predatória na Amazônia. Hoje já existem a madeira, a pecuária e a produção de grãos. Com a recuperação de áreas degradadas com dendê, abre-se mais uma frente preocupante.

A Malásia tem tomado medidas rigorosas no seu território contra a produção de dendê, e a principal empresa de lá está se mudando para o Brasil. Às vezes a gente não entende por que, de repente, começam a se interessar pela recuperação de área degradada com espécies exóticas. Pode surgir mais uma pressão sobre a floresta.

O ministro Minc defendeu esse plantio e foi atacado num manifesto assinado pelas ONGs ambientalistas...
MARINA: Mas parece que ele se reposicionou numa reunião com as ONGs. Até brinquei: Poxa, o Minc chamou a gente de ecobebês... É bom, porque sempre estamos renovados no compromisso com o meio ambiente. Agora, ecodemagogos, nós dispensamos.

Parece que na Comissão de Agricultura da Câmara ele fez um discurso que deixou os ruralistas bastante animados, mas depois fez um reposicionamento. Estamos torcendo para que ele seja vitorioso no embate, que começa a se colocar novamente, nas discussões sobre os rumos da Amazônia.

A senhora parece se referir ao ministro Mangabeira, o coordenador do Programa Amazônia Sustentável.
MARINA: O ministro Mangabeira fez sérias críticas ao Código Florestal, e isso é motivo de preocupação. Como ele é o homem que está comandando a política para a Amazônia, é muito preocupante. A legislação ambiental brasileira é fruto do esforço de muitas pessoas ao longo de muitos anos.

Ele costuma dizer que a Amazônia não pode ser um santuário ou uma imensa coleção de árvores.
MARINA: Só quem não conhece a Amazônia pode dizer isso. Essa visão de que a Amazônia deve ser congelada no tempo não é discurso de ambientalistas.

Sua gestão foi alvo de críticas, algumas vezes endossadas pelo presidente Lula, por demora na concessão de licenças ambientais para grandes empreendimentos.
MARINA: O meio ambiente não impediu que se fizesse nada nesses cinco anos. Houve a licença para a transposição do São Francisco, as usinas do Rio Madeira, a BR-163... O mais complicado foi a usina de Angra 3, que estava em curso. Saímos de uma média de 145 licenças para mais de 300, em 2007. Essa idéia de que as coisas eram emperradas não condiz com a verdade.

A licença de Angra 3 foi liberada no fim de julho, após a sua saída do governo.
MARINA: Tenho dúvidas sobre essa licença prévia, se foi dada colocando como condicionantes coisas que já deveriam estar atendidas. Aí a pessoa recebe a licença e começa a apresentar dificuldades para fazer o que deveria ter sido feito antes. Algumas questões, como a dos resíduos, talvez já devessem ter ficado resolvidas antes da licença.

Os ruralistas dizem que, na sua gestão, não havia diálogo com o setor produtivo. É verdade?
MARINA: Conversar, a gente sempre conversou, e muito. Nunca me furtei ao diálogo, mesmo com madeireiros e ruralistas. Mas não confundo conversar com se dobrar.

Bernardo Mello Franco – Entrevista a O Globo