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´Redução de subsídios virá pelo mercado´


O Estado de São Paulo - 24 jul 2008 - 05:29 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:06

Em entrevista ao Estado, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, afirmou que a liberalização do setor e a redução dos subsídios concedidos pelos países ricos ocorrerá por força do mercado. A Rodada Doha, no seu ponto de vista, em nada contribuirá com essas decisões, tão desejadas pelo agronegócio brasileiro.

Diferentemente de seus antecessores, o senhor não acompanhou o ministro Celso Amorim nas negociações da Rodada Doha desta semana em Genebra. Por quê?
Eu não acredito na Rodada Doha. Digo isso desde o primeiro dia das negociações. Várias vezes fui convidado para participar de encontros ministeriais, como o de Potsdam (na Alemanha, em junho de 2007), mas sempre os recusei porque essa Rodada não servirá para nada. Não tem nenhuma condição de trazer resultados. Primeiro, porque é muito difícil, senão impossível, fazer com que os países que têm a proteção comercial e os subsídios no centro de sua estrutura produtiva venham a ceder isso a troco de nada. Talvez só em um processo de longo prazo seja possível quebrar essa dependência à proteção e às subvenções. Segundo, porque a troca de concessões dos países desenvolvidos na área agrícola pela abertura dos mercados industriais de países em desenvolvimento não tem a mínima chance de dar certo. Terceiro, porque a liberalização de mercados agrícolas e a redução dos subsídios vão acontecer, inevitavelmente. Não em função de rodadas da OMC, mas por razões de mercado.

O acordo tornou-se desnecessário ou impossível de ser alcançado?
As negociações podem até chegar a uma saída honrosa. Mas esse acordo não significará nada. Mesmo que os Estados Unidos venham a concordar com o teto de US$ 12 bilhões ao ano para o total de subsídios domésticos, não haverá nenhum impacto efetivo no comércio agrícola porque esse país desembolsa, na prática, entre US$ 7 bilhões e US$ 8 bilhões. Com a alta dos preços internacionais dos alimentos, os dispêndios com subsídios tornam-se cada vez menores e aumentam as pressões internas para a redução das barreiras comerciais. A Rodada Doha joga com números e não com a realidade. Em termos práticos, não há razão objetiva para que venha a trazer impacto positivo sobre a agricultura mundial.

Nesse caso, como explicar aos setores produtivos brasileiros um possível acordo pífio?
Amorim vai enfrentar a resistência do setor industrial, não só do Brasil como da Argentina e do restante do Mercosul. Não terá como justificar qualquer redução de tarifa na área industrial porque os ganhos em agricultura serão nulos. Ele realmente acreditava que era possível chegar a um bom acordo. Diplomatas nem sempre representam realidades e não usam uma linguagem direta e clara.

O senhor expôs seu ponto de vista ao presidente Lula?
Não expus porque o presidente Lula nunca me perguntou. Falei, sim, ao Amorim. Ele notou que a minha posição era de incredulidade. Deixei clara a minha opinião de que dificilmente haveria um acordo razoável. No ano passado, por exemplo, enquanto o Amorim se esforçava para levar adiante a Rodada Doha, o projeto da Farm Bill (a política de subvenções agrícolas para o período 2007-2012) que tramitava no Congresso americano previa o aumento das concessões de subsídios agrícolas.

Podemos esperar que o mercado efetivamente seja capaz de conduzir a liberalização comercial nas próximas décadas?
Há um fenômeno inegável. Depois de um século de expressiva oferta agrícola, que levou alguns países a subsidiarem produtores para que eles não cultivassem, o mundo passou a ser de demanda. E assim continuará, a menos que haja uma revolução tecnológica. Um recente estudo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) mostrou que, até 2025, o mundo terá de aumentar em 50% a produção de alimentos para que a demanda possa ser atendida. Nunca a economia mundial cresceu a taxas tão elevadas por um período tão longo e contínuo de tempo e, mesmo que esse ritmo não seja tão expressivo nos próximos anos, a demanda continuará em expansão. Além disso, houve aumento de renda em países considerados, no passado, periféricos. A China colocou entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas no mercado consumidor nos últimos 15 anos. Na Malásia, na Indonésia, na Rússia houve aumento expressivo do consumo de carne, o que significa aumento de demanda por proteína vegetal.

Qual o papel do Brasil nesse cenário?
Dentre os países exportadores agropecuários, o Brasil é o único capaz de satisfazer a todos os cinco requisitos de aumento da capacidade de produção, que são a terra, o clima, a disponibilidade de água, a detenção de tecnologia e a estrutura de produção. Mesmo na América do Sul, é difícil encontrar países que respondam à maioria desses requisitos. Só Argentina e Chile. Por enquanto, os Estados Unidos lideram a produção de excedentes, seguidos pelo Brasil. Mas o Brasil é o país que mais tem capacidade de aumentá-la. Dentro de 15 a 20 anos, vai liderar essa lista.

Podemos, então, esperar novos choques de preços dos alimentos nos próximos anos?
Um novo choque deve ocorrer entre 2010 e 2011. Para o ano que vem, os preços se manterão estabilizados no atual nível, que é alto, porque a safra agrícola já está dada. Só alguns produtos, como o trigo e o arroz, tiveram recuos nos preços.

Que fatores podem alterar sua confiança no cenário de alta demanda e, portanto, de inevitável liberalização do comércio agrícola?
O principal fator seria uma revolução tecnológica. Todos os grandes exportadores de produtos agropecuários estão investindo nas pesquisas em biotecnologia e nos produtos geneticamente modificados. Mas, mesmo com esse salto, os países da África e de outras regiões vão demorar muito tempo para se tornar produtivos. Há ainda outros fatores. Primeiro, se o mundo vai continuar crescendo em níveis elevados. Segundo, se o mundo vai entrar realmente na era do etanol - e, nesse caso, com que velocidade - ou se vai recuar. Terceiro, até que ponto as mudanças climáticas vão se intensificar. A Austrália, por exemplo, já sofre com escassez de água.

Quem é: Reinhold Stephanes

Assumiu o Ministério da Agricultura em março do ano passado.

É deputado federal pelo PMDB do Paraná. Foi eleito pela sexta vez nas eleições de 2006. Ocupou por duas vezes o Ministério da Previdência.

Denise Chrispim Marin