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Negócio

Risco de faltar combustível é ‘pontual’


Valor Econômico - 08 mar 2022 - 10:37

A alta recente do preço do petróleo, após o início da guerra na Ucrânia, ampliou a defasagem dos preços praticados pela Petrobras em relação à paridade internacional e levanta preocupações quanto à segurança do abastecimento de combustíveis. Agentes do setor, como a própria estatal, importadores e distribuidores têm alertado para riscos, ainda que pontuais, em relação a abril.

Isso porque a defasagem da Petrobras se acentuou nos últimos dias, no momento em que a estatal se programa para atender à demanda do próximo mês. A petroleira responde por cerca de 80% do fornecimento doméstico de diesel e gasolina e o restante é abastecido por importadores privados e outros refinadores. Com os preços da estatal abaixo da referência internacional, as tradings privadas se retraem e os demais produtores – caso da Acelen, dona da Refinaria de Mataripe (ex-RLAM, na Bahia) – podem passar a ter nas exportações uma opção mais rentável.

Segundo uma fonte do setor, já há casos de estresse no fornecimento de combustíveis a distribuidoras em Araucária (PR) e Salvador (BA). A Agência Nacional de Petróleo (ANP) esclareceu que monitora o abastecimento nacional “de forma sistemática, por meio do acompanhamento dos fluxos logísticos em todo o território brasileiro”, e que, até ontem, o abastecimento se mantinha regular.

A discussão sobre eventual desabastecimento é um elemento presente nas discussões entre o governo e a Petrobras sobre formas de atenuar os efeitos da alta dos combustíveis. Uma das propostas, que conta com apoio da estatal, considera subsidiar os combustíveis usando os dividendos e royalties pagos pela companhia. A ideia, porém, enfrenta resistências da área econômica, por comprometer o teto de gastos.

O último reajuste da Petrobras ocorreu há 54 dias, no dia 12 de janeiro. Desde então, os preços do petróleo tiveram forte alta. A valorização da commodity se agravou ontem, depois que os EUA passaram a cogitar sanções sobre exportações russas de óleo. O barril tipo Brent, referência global, encerrou a US$ 123,21, depois de chegar perto dos US$ 140 ao longo do dia.

A StoneX estima que a Petrobras está vendendo o litro do diesel S-10 com defasagem de 51%, ou R$ 1,86 por litro, enquanto os preços da gasolina estão 35% (R$ 1,16 por litro) abaixo da paridade. Segundo a consultoria, a petroleira nunca praticou uma diferença tão alta como está desde que adotou a política de preços de alinhamento ao mercado externo, em 2016.

A Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) diz que os associados não têm feito operações neste ano e confirma que existe risco de desabastecimento. “É difícil quantificar esse risco, pois não temos acesso aos dados de estoques, mas o risco [de faltar suprimento] existe, pois as refinarias não conseguem atender todo o consumo”, disse o presidente da Abicom, Sérgio Araújo.

Segundo a ANP, as importações de gasolina (incluindo aquelas feitas pela Petrobras e pela iniciativa privada) caíram 99% em janeiro, ante igual mês no ano passado, para 19 mil barris/mês. Os volumes vêm se retraindo fortemente desde outubro, quando chegaram a 2,5 milhões de barris. As importações caíram quase pela metade, para 1,36 milhão de barris em novembro, e depois se reduziram para 878,8 mil barris em dezembro.

No diesel, houve uma retração de 35% em janeiro, na comparação anual, para 3,2 milhões de barris importados. Em outubro, esse volume era de 11,6 milhões de barris - tendo, posteriormente, caído para 7 milhões de barris em novembro e dezembro.

Na avaliação do consultor em gerenciamento de riscos da StoneX, Pedro Shinzato, é improvável que ocorra falta de combustível no mercado, pois as maiores importadoras (hoje, as grandes distribuidoras) devem seguir comprando. Entretanto, ele avalia que pode haver problemas pontuais, sobretudo no Norte e Nordeste, que dependem mais de importações. “Não acho que vai chegar a faltar combustível. A Petrobras importa e há outros grandes importadores que seguem trazendo combustível, pois têm uma rede grande [que precisa ser abastecida] independentemente do preço”, disse.

Em geral, as distribuidoras compram parte dos volumes com a Petrobras e complementam as respectivas demandas com importação. É via compras no mercado internacional que as distribuidoras conseguem se diferenciar das demais, uma vez que a estatal estabelece cotas de volumes para cada cliente, nas refinarias, e vende os produtos com preços igualitários.

De acordo com uma fonte de uma das principais distribuidoras do país, quem importa hoje está tendo prejuízos para manter as compras no mercado externo e atender às obrigações contratuais - as líderes do setor, a Vibra (ex-BR), Raízen e Ipiranga, têm redes próprias maiores, com contratos de exclusividade de fornecimento, e geralmente mantêm as importações mesmo durante os momentos de defasagem da Petrobras. Com uma rede grande de postos bandeirados, elas têm menos dificuldades na hora de repassar custos aos revendedores do que as distribuidoras menores.

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, aponta que no quadro atual de defasagem dos combustíveis as refinarias privadas do país também têm maior interesse em se voltar às exportações.

A Petrobras reconhece que repassar integralmente o aumento dos preços internacionais é inviável e mantém conversas com o governo para buscar soluções. Uma das propostas em discussão no governo no momento é a criação de um novo programa de subsídio para o diesel, a gasolina e o “gás de cozinha”, a exemplo do adotado por Michel Temer em 2018 para o diesel. A proposta permitiria à estatal fazer um reajuste menor, uma vez que haveria um subsídio governamental. Em 2018, após a greve dos caminhoneiros, o Tesouro desembolsou R$ 6,8 bilhões para ressarcir a Petrobras e demais agentes por venderem o diesel R$ 0,30/litro mais barato que o preço de referência – fixado com base na paridade de importação.

Na avaliação do Goldman Sachs, a proposta de criação de um novo programa de subsídios a combustíveis tende a ser positiva para a Petrobras pois reduz riscos à rentabilidade das operações da companhia no curto prazo. Em paralelo, há outros projetos em discussão no Congresso, como a mudança nos cálculos da cobrança de ICMS.

Em nota emitida na semana passada, sobre as defasagens, a Petrobras confirmou que segue com o compromisso de manter os preços de combustíveis no Brasil em equilíbrio com o mercado internacional. A petroleira, entretanto, ressalvou que evitará repassar volatilidades conjunturais.

Gabriela Ruddy e André Ramalho – Valor Econômico