PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
Negócio

Combustíveis fósseis avançam e governos desaceleram transição energética


Fábio Rodrigues - 14 fev 2022 - 10:00

Na conclusão da COP26 em novembro, o presidente da cúpula, Alok Sharma, elogiou os “esforços heroicos” das nações, mostrando que elas podem superar suas diferenças e se unirem para enfrentar as mudanças climáticas, um resultado que segundo ele “o mundo passou a duvidar”.

Acontece que o mundo estava certo em ser cético.

Três meses depois, uma combinação tóxica de intransigência política, uma crise energética e realidades econômicas ditadas pela pandemia lançam uma dúvida sobre os progressos obtidos na Escócia. Se 2021 foi marcado pelo otimismo de que os grandes poluidores finalmente estavam dispostos a estabelecer metas de emissões zero, 2022 já ameaça ser o ano do retrocesso global.

Dos Estados Unidos à China, Europa, Índia e Japão, os combustíveis fósseis estão voltando, o fornecimento de energias limpas está sendo criticado, e as perspectivas de aceleração da transição para fontes renováveis de energia parecem sombrias. Isso, mesmo depois dos custos de produção de energias renováveis terem caído bastante e os investimentos em tecnologias limpas estarem aumentando muito, enquanto eleitores do mundo todo exigem medidas mais enfáticas.

“Teremos um teste de estresse de vários anos da vontade política para impor políticas de transição caras”, diz Bob McNally, presidente da consultoria Rapidan Energy Group de Washington e um ex-funcionário da Casa Branca. Ele acusou os governos de demonstrar um “apoio Potemkin” às medidas de políticas necessárias, uma demonstração falsa de ação que está sendo exposta pela crise de energia.

As emissões aumentaram no ano passado, quando elas precisavam cair se o mundo quiser continuar no caminho para alcançar as metas climáticas. O interesse nacional sempre irá contra os tipos de medidas dolorosas que os cientistas concordam serem necessárias para o cumprimento da meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais. Mas mesmo neste começo de 2022 os ventos contrários a uma ação climática agressiva são ferozes.

O petróleo está em alta à medida que a economia mundial recupera-se dos problemas causados pela pandemia, aproximando-se de US$ 100 o barril apenas dois anos após o colapso dos preços. Isso está inflando os cofres – e a influência – de gigantes dos combustíveis fósseis como a Arábia Saudita e a Rússia, revigorando ao mesmo tempo um setor que vinha mudando seu foco para as energias limpas. A Exxon Mobil Corp acaba de dar um voto de confiança à indústria do xisto dos Estados Unidos, com planos de aumentar sua produção em 25% este ano na Bacia Permiana.

E com os preços do gás atingindo patamares recorde, as empresas de serviços públicos estão recorrendo ao carvão, apesar de ele produzir cerca de duas vezes mais carbono, afirma Kit Konolige, um analista da Bloomberg Intelligence.

Até mesmo o Reino Unido, o anfitrião da COP26 corre o risco de regredir, com o primeiro-ministro Boris Johnson nas cordas e alguns membros de seu Partido Conservador pressionando contra sua agenda verde.

Pouco surpreende que John Kerry, enviado dos EUA para as questões climáticas, pareça cada vez mais abatido, alertando repetidamente que o mundo está ficando para trás. “Estamos com problemas”, disse Kerry durante um evento da Câmara do Comércio no mês passado. “Não estamos num bom caminho.”

Para muitos, o ponto alto da COP26 foi o acordo surpresa da equipe de Kerry com seus colegas chineses para olhar além da rivalidade entre os EUA e a China e em conjunto aumentar os esforços climáticos nesta década.

O acordo ainda está de pé, mas desde então as duas nações retrocederam em suas respectivas ações.

Os EUA foram o maior exportador de gás natural liquefeito (GNL) do mundo em janeiro, tomando a primeira posição do Qatar pelo segundo mês seguido. O consumo de carvão aumentou, enquanto a produção cresceu 8% em 2021 após anos de quedas. A previsão da Energy Information Administration é de que o consumo aumentará gradualmente até 2023.

Em Washington, o presidente Joe Biden está lutando para aprovar no Senado seu projeto de lei “Reconstruir Melhor” e suas principais medidas climáticas. Uma proposta inicial, que teria dedicado cerca de US$ 555 bilhões para o clima e as energias limpas, fracassou em meio a objeções de todos os republicanos da Câmara dos Deputados e um importante democrata, Joe Manchin da Virgínia Ocidental, estado rico em carvão e gás.

Essas disposições climáticas – incluindo cerca de US$ 355 bilhões em créditos fiscais plurianuais para veículos movidos a hidrogênio, elétricos e energias renováveis – são essenciais ao cumprimento dos compromissos assumidos pelos EUA no Acordo de Paris, de redução das emissões dos gases do efeito estufa em 50% a 52% até 2030. Sem elas, essa promessa está ameaçada, segundo aponta uma análise do Rhodium Group.

Em vez do papel de liderança que Biden reivindicou, isso faz os EUA parecerem um retardatário climático. A promulgação das principais disposições é necessária para “nos capacitar diplomaticamente”, admitiu Kerry em uma entrevista em janeiro. “Será difícil ter credibilidade se não fizermos isso.”

Parlamentares democratas ainda esperam reviver o projeto de lei, embora haja pouco tempo para isso, uma vez que as eleições de meio de mandato (em novembro) se aproximam. E no momento Biden está sob pressão para enfrentar a inflação crescente e especialmente os preços da gasolina, que poderão prejudicar suas chances de manter o controle do Congresso. Ele respondeu apelando aos produtores da Opep+ para que aumentem a produção, pedindo aos produtores americanos de petróleo que também façam isso, e conclamando os países para que se juntem aos EUA numa liberação coordenada dos estoques emergenciais de petróleo.

O premiê do Japão, Fumio Kishida, está sentindo uma pressão parecida. No mês passado, num esforço para manter os preços sob controle, seu governo anunciou subsídios às refinarias de petróleo no valor de 3 centavos de dólar por litro de gasolina produzido. Esta semana, o governo disse que está considerando ir mais longe para amenizar o impacto do aumento dos preços do petróleo, em meio a relatos de que poderá triplicar o subsídio.

Tudo isso parece um passe livre para a China, o maior emissor do mundo. Em várias reuniões de alto nível recentes, as autoridades chinesas enfatizaram a segurança energética juntamente com os esforços da redução de emissões de carbono. Conforme publicou recentemente o “Diário do Povo”, porta-voz do Partido Comunista Chinês (PCC): “A tigela de arroz da energia deve ser segurada na própria mão”.

Embora os principais líderes tenham enfatizado repetidas vezes que sua construção recorde de infraestrutura de produção de energias solar e eólica faça parte de uma campanha para assegurar o futuro energético da China, o esforço ainda não mudou de forma palpável o mix de energia do país. A participação do carvão e do gás na geração de energia na China ainda era de 71% em 2021, a mesma de 2020.

Após uma crise energética sem precedentes que atingiu a China no segundo semestre do ano passado, Pequim foi forçada a aumentar a produção de carvão e suas importações para patamares recorde. Em uma sessão de estudos em grupo do Politburo no mês passado, o presidente Xi Jinping disse que a segurança das cadeias de abastecimento deve ser garantida ao mesmo tempo em que as emissões são reduzidas, e que o fornecimento de carvão precisa ser garantido, enquanto que a produção de petróleo e gás precisa “crescer de forma constante”.

“O corte das emissões não visa reduzir a produtividade ou chegar a nenhuma emissão”, disse Xi, notando que o desenvolvimento econômico e a transição verde devem se reforçar mutuamente. Para ilustrar sua posição, esta semana a China ofereceu à sua grande indústria siderúrgica mais cinco anos para a limitação de suas emissões de carbono.

É um sentimento compartilhado em outros lugares. Gwede Mantashe, ministro da Energia da África do Sul, disse a presidentes de companhias mineradoras em 1º de fevereiro, que o carvão continuará sendo usado por décadas e que correr para acabar com a dependência do país dos combustíveis fósseis “nos custará caro”.

A maior mineradora de carvão da Índia, a estatal Coal India, está aumentando sua produção à medida que o país reduz sua dependência das importações. Isso está expondo o modelo de crescimento econômico dependente do carbono que o Ocidente usou e do qual a Índia ainda não se afastou, mesmo depois que o primeiro-ministro Narendra Modi anunciou em Glasgow a meta de emissões líquidas zero para 2070.

A Índia é o segundo maior consumidor de carvão do mundo, atrás apenas da China, e no ano passado o carvão foi responsável pela geração de 74% da energia consumida pelo país, seguida pelas energias renováveis com uma parcela de 20%, segundo o relatório mais recente da Agência Internacional de Energia (AIE).

A crise de energia lançou uma sombra sobre o debate da União Europeia sobre como implementar seu “Green Deal” (Acordo Verde), uma reformulação econômica sem precedentes para se chegar à neutralidade climática até 2050. Muitos governos temem que a alta dos preços possa minar o apoio público às reformas.

O clima político não é ajudado pelo impasse entre o Ocidente e Moscou sobre a Ucrânia, uma situação que aumenta a ameaça de interrupção do fornecimento de gás pela Rússia, o que poderá aumentar ainda mais os preços.

Os preços mais altos dos combustíveis e das emissões poderão melhorar e economia relativa das energias renováveis. Em todo caso, os líderes da União Europeia já deram seu peso ao Green Deal. E com as pesquisas mostrando consistentemente que o clima está entre as maiores preocupações dos eleitores do bloco, a Comissão Europeia está aumentando seus esforços.

Olhe além do horizonte e você verá que a tendência em direção às energias limpas não perdeu força no longo prazo. As atuais turbulências reforçam o fato de que medidas dolorosas sempre serão necessárias. Mas o custo da inação é maior: dez dos piores desastres climáticos de 2021 custaram à economia mundial US$ 170 bilhões.

Mesmo assim, as incertezas estão por toda parte no momento, segundo afirma Christy Goldfuss, ex-autoridade do governo Obama que hoje é vice-presidente sênior de políticas de energia e meio ambiente do Center for American Progress de Washington. “É preciso olhar para este momento e se preocupar como será o progresso”, diz ela.