Governo e setor privado querem acelerar produção de biocombustível para aviação no Brasil
O secretário-executivo adjunto da Secretaria-Geral da Presidência da República, Flávio Schuch, afirmou nesta quinta-feira (06) que vai propor a abertura de uma mesa de diálogo no governo federal para estudar medidas para acelerar o processo de expansão da produção de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês).
“Sou testemunha do compromisso do ministro e vice-presidente Geraldo Alckmin com a questão da descarbonização da economia, da neoindustrialização e da economia circular. Podemos tirar isso como pauta para fazer o debate acontecer”, afirmou Schuch no 1º Fórum Biodiesel e Bioquerosene, realizado em São Paulo pela União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio).
Representes do setor produtivo de biocombustíveis e de fabricantes de aeronaves salientaram que o Brasil tem a oportunidade de ser protagonista na produção de SAF a nível mundial. Otávio Cavalett, líder da Boeing para Políticas Públicas e Parcerias em Sustentabilidade para América Latina e Caribe, disse que o uso de energia renovável é um dos pilares mais importantes da empresa para alcançar a meta de zerar as emissões de carbono até 2050.
Cavalett disse que a companhia consumiu 21 milhões de litros de SAF em 2023 e tem previsão de chegar a 36 milhões de litros neste ano. A partir de 2030, a empresa vai entregar aviões adaptados e certificados para voarem com uso de 100% do combustível renovável.
Ele disse que o Brasil é citado em todas as conversas mundo afora sobre SAF. Estudo recente da empresa feito em parceria com RSB mostrou que a demanda atual do biocombustível já poderia estar sendo totalmente atendida no país apenas com o processamento de resíduos.
A Airbus, outra fabricante de aeronaves, consumiu 11 milhões de litros de SAF em 2023. Segundo Gilberto Peralta, presidente da companhia, mais de 11% do consumo interno da empresa no ano passado já foi do biocombustível.
“Só não se consome mais porque não tem SAF”, apontou, durante o fórum da Ubrabio. “Esperamos que esse negócio ande e o Brasil é crucial para o sucesso do SAF, sem Brasil o programa não vai andar”, completou.
Em todo o mundo, foram consumidos 7 bilhões de litros de SAF, disse Peralta. Segundo ele, o Brasil tem capacidade de produzir 12 bilhões de litros do biocombustível apenas com uso de resíduos, sem mexer na estrutura de volumes destinados à alimentação, como a soja.
“O Brasil já poderia estar exportando SAF, mas estamos exportando sebo bovino e álcool. Esse mercado é atraente e o Brasil tem capacidade de produzir todo consumo só com resíduo (...) Temos que acelerar esse processo”, indicou.
“Temos que usar nosso próprio exemplo, de produção de álcool, e não perder essa oportunidade”, disse Peralta.
O Brasil é o único país da América Latina que participa voluntariamente da inserção do bioquerosene de aviação. O projeto de lei do Combustível do Futuro, que precisa ser votado no Senado, estabelece que, a partir de 2027, os operadores aéreos serão obrigados a reduzir as emissões de gases do efeito estufa nos voos domésticos por meio do uso do SAF. As metas começam com 1% de redução e crescem gradativamente até atingir 10% em 2037.
Peralta informou que monitora os projetos anunciados para produção de SAF até o momento. Segundo ele, são 7 iniciativas, mas existem 18 grupos que avaliam investimentos no setor. “Esperamos que ao menos metade seja real e aconteça”, completou.
Regulamentação
Flávio Schuch, da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse que o governo vai regulamentar em breve a lei de incentivo à reciclagem e que a norma vai favorecer investimentos na área de reciclagem animal, origem do sebo bovino, por exemplo, segunda principal matéria-prima do biodiesel. Outros co-produtos desse setor podem ser utilizados para a produção de SAF.
Schuch disse que essa será a “Lei Rouanet da reciclagem”. Segundo ele, empresas poderão abater até 1% de imposto de renda devido para apoiar projetos de apoio à reciclagem. Pessoas físicas poderão usar até 6% para fomentar essas iniciativas. A renúncia fiscal será de R$ 300 milhões para o ano.
“Não é muito, mas é um começo. Os projetos terão que ser submetidos ao Ministério do Meio Ambiente. Na área do SAF pode ter bom caminho de projetos financiados pelas empresas”, disse no fórum da Ubrabio.
O secretário comentou ainda que haverá também a regulamentação de fundos de investimentos para reciclagem. A norma vai autorizar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a desenvolver esses instrumentos focados no setor de reciclagem. “Abre um leque de perspectivas grande”, afirmou.
Maurício Lopes, ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pesquisador da unidade de Agroenergia da estatal, o país precisa diversificar as matérias-primas dos seus biocombustíveis.
“Se insistirmos com as fontes convencionais, vamos demonizá-las. Algumas já estão, como a palma de óleo na Ásia, com imagem totalmente desgastada. Se seguir nesse ritmo, teremos problema grave”, avaliou.
Ele salientou, no entanto, que essa diversificação de fontes vai acontecer no cinturão tropical do planeta, onde outras opções de matérias-primas são produzidas. “É imperativo diversificar fontes. Isso traz benefícios para o mundo, preserva as fontes que já estão aí e otimiza recursos”, apontou.
Segundo Lopes, a diversificação também dá mais segurança e estabilidade para os agricultores. “Não é demais dizer que daqui a pouco teremos todas as propriedades do Brasil conectadas a alguma biorrefinaria”, opinou.
Rafael Walendorff - Globo Rural