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Selo Biocombustível Social

Entidades fazem cobrança proibida pelo MDA


BiodieselBR.com - 01 out 2015 - 23:21 - Última atualização em: 02 out 2015 - 09:19

Recentemente, BiodieselBR.com teve acesso a uma troca de e-mails entre uma federação de agricultores familiares e usinas de biodiesel que mostram que, hoje, as negociações relativas ao Selo Combustível Social se resumem ao tamanho do bônus que será pago ao agricultor. Isso já era um indicativo de um afastamento de alguns dos objetivos mais nobres do Selo, trocados por um benefício imediato. Esse seria o caminho que este texto iria seguir. Mas ao ouvir o vice-presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Santa Catarina (Fetaesc), Luiz Sartor e Antonio Rovaris, Secretário de Meio Ambiente da Contag, a matéria ganhou uma nova direção.

Os e-mails recebidos por BiodieselBR.com envolvem a negociação da minuta de contrato dos agricultores familiares da base territorial da Fetaesc com seis empresas fabricantes de biodiesel: ADM, BSBios, Bunge, Fiagril, Noble e Potencial. O primeiro e-mail resume a reunião entre essas empresas, a Fetaesc e a Contag acontecida dia 16 de julho de 2015. O relato explica que a Fetaesc estava propondo um bônus de R$ 1,20 por saca e mais R$ 0,75 a título de Assistência Técnica Rural (Ater).

BiodieselBR.com apurou que o valor do bônus proposto nessa reunião era igual ao do ano anterior. Já o valor da ATER estava 15 centavos acima do valor de R$ 0,60 do contrato anterior, as usinas estavam reticentes em aceitar esse aumento.

Em um segundo e-mail, enviado pela Fetaesc no dia 23 de setembro, é apresentada uma nova proposta às usinas:

“Diante dos argumentos apresentados pelas empresas sobre a questão ATER e do fato que algumas empresas nos procuraram para retomar a discussão da anuência da minuta de contrato, a FETAESC apresenta abaixo uma nova proposta que estará focada no bônus que será repassado ao agricultor e as condições seriam as seguintes:
• Bônus de R$ 1,50/sc (um real e cinquenta centavos por saco);
• O valor do bônus será igual para todas as empresas visando a não concorrência;
• Todos os contratos com cooperativas que atuarem na base territorial da FETAESC devem ter nossa anuidade, portanto independe da localização da sede da cooperativa." [sic]

Agora a proposta da federação para anuir ou não os contratos está toda baseada no valor do bônus com um aumento de R$ 0,30. Há concordância sobre o valor pago de ATER – que serão mantidos em R$ 0,60 por saca – e os demais itens obrigatórios pelas regras do selo Combustível Social.

Essa é uma situação bem conhecida das usinas e do governo. Há anos as usinas vêm pedindo que o governo intervenha para que elas não sejam forçadas a pagar o bônus. O governo por sua vez diz que se trata de uma relação comercial e que não pode intervir nisso. Mas essa é uma relação de monopólio, onde só uma federação pode anuir os contratos com agricultores familiares de sua região. Isso obriga as usinas a aceitarem condições que normalmente não aceitariam. O terceiro item das condições colocadas pela Fetaesc dá a ideia do poder que as federações têm.

Mudança de rumo
Para falar dessa prática de usar a anuência como ferramenta de pressão, procuramos o vice-presidente da Fetaesc, Luiz Sartor. Foi depois dessa conversa que começamos a entender melhor o que está acontecendo com o programa do Selo.

luiz sator quotePrimeiramente questionamos porque a discussão sobre a minuta foi reduzida a questão do bônus. Sartor explicou que a assistência é negociada entre as cooperativas e as usinas e que já existe um valor pago.

É o valor que vai para o produtor – o bônus – que costuma ser negociado pela federação.

Contudo essa explicação contrariava o primeiro e-mail enviado pela Fetaesc que pedia um valor de ATER de R$ 0,75. O vice-presidente da Fetaesc respondeu que existe um custo para avalizar esses contratos e que “não está prevista nenhuma remuneração para fazer esse acompanhamento. Então pensamos em incluir [um valor] junto com a assistência técnica”.

Logo após explicou melhor de onde vem os custos. “Vem do extremo oeste de Santa Catarina uma listagem de um determinado município com 50, 100 produtores. Nós aqui da sede não temos condições de saber se aquele determinado produtor está enquadrado como agricultor familiar. Teríamos, então, que repassar essa listagem, fazer um acompanhamento, discutir”, esclareceu Sartor

Questionado sobre quanto do valor de R$ 0,75 por saca de ATER ficaria com a Fetaesc, sem qualquer receio o vice-presidente disse que “em torno de 10 a 15 centavos”.

Subindo na hierarquia
Como a regra do Selo não permite que os gastos com assistência técnica sejam usados para outros fins e nem mesmo há previsão de cobrança pelas federações de qualquer valor, procuramos Antoninho Rovaris, secretário de meio ambiente da Contag e responsável pelo programa do Selo Combustível Social da confederação. O objetivo era descobrir se há alguma punição ou repreensão às federações que estivessem cobrando pela anuência. Contudo a conversa não chegou nesse ponto.

Rovaris quoteQuando questionado se as federações poderiam fazer algum tipo de cobrança pela anuência, Rovaris explicou que “o que está sendo feito não é uma cobrança”. “O que está sendo discutido, inclusive na Câmara Setorial, é para que haja uma forma de remuneração por prestação de serviço. Se tiver alguma federação fazendo algo nesse sentido é por iniciativa dela”.

Achando que houve uma confusão sobre o que foi proposto pela Fetaesc e o que a Contag está propondo, esclarecemos que uma federação quis cobrar de 10 a 15 centavos sobre o valor da ATER e perguntamos se isso poderia ser feito. “É uma questão de negociação. Todo mundo que está no programa é remunerado. A usina se não tiver lucro ela não estaria no programa. O agricultor com as nossas negociações tem ganho, no mínimo o bônus que é negociado. O movimento sindical não tem poder de exigir nem do agricultor nem de ninguém no processo”, disse.

Rovaris aproveitou para mostrar como acontece a assistência técnica e que o Selo Combustível Social faz pouca diferença real para um agricultor familiar cooperado. “Hoje, plantar soja para agricultura familiar não diferença alguma na questão de assistência técnica. Quando uma usina contrata uma cooperativa para prestar assistência técnica, ela vai dar a mesma assistência para o produtor de soja que é dada para o agricultor que não está no Selo. A diferença é que a assistência técnica prestada para o agricultor do Selo Social será paga pela usina. Não tem diferença nenhuma [na qualidade da assistência]”.

Para Rovaris se não tivesse o Selo a cooperativa prestaria assistência técnica para todos do mesmo jeito, “por isso que eu digo que todos estão ganhando dentro do programa, nós não”.

O custo da anuência e o bônus
O secretário da Contag explicou de onde vem o custo de trabalhar para o programa de biodiesel e onde seria aplicado o dinheiro pago às federações. “A Contag tem reuniões semestrais com todas as federações. As federações têm reuniões com sindicatos, com os agricultores, tudo isso tem que estar dentro do plano de trabalho que temos que instituir com as empresas. Por isso que não seria simplesmente cobrar. Seria uma estratégia conjunta de fazer com que o programa saia dessa questão de ‘ou você paga um bônus para os agricultores plantarem ou você não tem soja para biodiesel’.

Como esse seria mais um custo para as usinas que entendem já estarem pagando demais, questionamos se, nessa proposta, o Selo continuaria existindo. “Depende do processo de negociação. Nós estamos no único programa de integração que dá o direito de fazer um processo de negociação com as empresas. Nesse processo de negociação é a questão da barganha das empresas e nossa. Nós representamos os agricultores familiares, e tudo que pudermos buscar de melhor para eles nós vamos buscar. Não significa buscar só bônus. Temos que trabalhar nesse processo de conscientização. Quando eles estiverem conhecedores dos direitos que têm no programa, vão exigir uma assistência técnica melhor”, concluiu dando a justificativa para um eventual direcionamento dos valores do bônus para as federações.

Voltando então a questão da cobrança da anuência pelas federações Rovaris finalizou. “Hoje algumas federações, por conta própria, estão buscando uma forma de sustentação. Não é uma questão de pode ou não pode [cobrar pelo trabalho envolvido com a anuência]. Não se trata de meter a faca e dizer ou me dá xis ou eu não assino. Não é nada disso. É um processo de negociação. Obviamente, esse tipo de recurso se acontecer, será contado como aquisição e consequentemente válido como aquisição de Selo Combustível Social.”

Uma visão diferente
Nem todos concordam com Rovaris. “Qualquer valor que não for aquisição de matéria-prima ou assistência técnica não é aceito como gasto com a agricultura familiar. Só será contabilizado como aquisição para o selo os valores que chegarem ao agricultor familiar”, esclareceu Marco Pavarino, coordenador geral de biocombustíveis do MDA.

marcos pavarino quotePavarino disse categoricamente que “não existe previsão nenhuma que permita que parte da assistência técnica seja direcionada para quem quer que seja. Isso não é respaldado. Não existe previsão legal para parte disso ir para a federação”.

Sobre a proposta de que as federações passem a receber um valor pela anuência, o coordenador do MDA explicou que “não existe uma proposta formal para que as federações possam cobrar na anuência um valor das usinas. A Fetaeg apresentou uma proposta com uma série de itens, que eu precisaria consultar para ver se ali existe algo nesse sentido. Mas fora essa possibilidade, não há nada formalizado. Há, no máximo, uma discussão informal.”

Mundo real X mundo ideal
As visões diferentes coletadas nessa reportagem mostram um pequeno pedaço do que acontece com o Selo Combustível Social. O mundo que o MDA trabalha diverge totalmente da forma como os outros envolvidos veem o programa.

Enquanto a relação entre usinas e federações for encarada como uma relação comercial, onde o bônus e todas os outros itens que não estão na portaria do MDA são acordos entre as partes, a distância entre o que se faz e o que deve ser feito continuará grande.

Miguel Angelo Vedana – BiodieselBR.com