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Biodiesel

Papel social do programa do biodiesel está ameaçado, dizem especialistas


Com Ciência - 13 abr 2007 - 08:29 - Última atualização em: 09 nov 2011 - 19:23

O programa feito para incentivar a produção de diesel a partir de óleos vegetais e que tem sido usado para promover a agricultura familiar pode seguir o caminho do etanol e colocar a produção e os rumos do setor nas mãos dos grandes empresários do agronegócio. Essa é a opinião do economista Francisco Alves, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Luiz Antonio Prado, ex-coordenador de projetos do Banco Mundial.

Recém-nascido em 2003, engendrado pelo governo federal, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) encarnou as esperanças de desenvolver a agricultura familiar, em especial a do pequeno produtor do sertão nordestino, região própria para o cultivo de oleaginosas, matérias-primas do biocombustível. Uma legislação específica foi criada para alimentar a demanda por biodiesel e favorecer o pequeno produtor.

Para aquecer o consumo, a Lei 11.097/05 determina que a partir de janeiro de 2008, todo o diesel comercializado no país terá de conter 2% de óleo vegetal. Essa medida garantirá o consumo de 840 milhões de biodiesel por ano, movimentando R$ 1,5 bilhão. Para que parte desse dinheiro fique nas mãos do pequeno produtor rural, foi criado o Selo Combustível Social. Recebem essa chancela as indústrias que compram matérias-primas da agricultura familiar. Além de ser um diferencial de marketing, o selo dá acesso a vantagens tributárias como a redução nas alíquotas do PIS/Pasep e do Cofins.

Alves, da UFSCar, porém, vê uma mobilização dos grandes produtores de soja do Sul, Sudeste e Centro-Oeste para abocanhar uma fatia do mercado. “Os grandes plantadores de soja estão enfrentando prejuízos, especialmente com a queda do dólar,” revela o pesquisador. “Eles têm grande poder político e pressionam o governo por um programa específico para o biodiesel da soja”. A queda de braço entre o biodiesel familiar do Norte e Nordeste e o da agroindústria da soja já começaria em desvantagem. “O acesso que os grandes produtores têm a fontes de financiamento, por exemplo, não se compara ao crédito concedido aos pequenos,” explica o economista.

Os agroindustriais ganhariam a batalha mesmo fornecendo uma matéria-prima pouco produtiva. A soja está entre os grãos que menos produzem óleo, apenas 17%, perdendo apenas para o algodão que rende 15%. Em comparação, pode-se extrair 20% de óleo da semente de dendê e acima de 40% trabalhando com mamona ou amendoim. O campeão em aproveitamento, porém, é o babaçu com 66% de óleo em sua biomassa.

Para aumentar a disparidade, a própria produção agrícola familiar do Norte e Nordeste não tem promovido a inclusão social almejada pelo governo. Foi o que descobriu o economista Luiz Antonio Prado, doutor em biologia e ecologia humana pela Faculdade de Medicina de Paris. Grandes grupos empresariais internacionais já estão adquirindo propriedades rurais brasileiras e submetendo os pequenos produtores às suas condições.

Ex-coordenador de projetos do Banco Mundial, Prado identificou um movimento internacional de empresas e até de governos de países ricos para garantir lugar na produção de biocombustíveis no Brasil. “A Inglaterra anunciou a criação de um fundo com o objetivo de adquirir 51% das usinas brasileiras produtoras de etanol”, conta o economista, “e até a Secretaria de Agricultura do governo americano chegou a recomendar em seu site as melhores regiões no Brasil para se adquirir terras para a produção de energia de origem vegetal”, revela.

Para Prado, além da ameaça dos gigantes, todo o PNBP teria que ser repensado. “Não faz sentido colocar biodiesel em toda a produção nacional de diesel para compor o B2, se temos que transportá-lo por grandes distâncias. Seria muito mais racional e viável que as regiões produtoras do biocombustível consumissem o B100 (100% vegetal)”, analisa. Esse mesmo combustível poderia ser utilizado na geração de energia elétrica em regiões isoladas. Essas localidades não estão conectadas a linhas de distribuição de energia elétrica e dependem de geradores a óleo diesel. “A maior parte dessas comunidades está em regiões de incidência de babaçu, o que justificaria a construção de usinas locais de biodiesel”, comenta Prado. O investimento resultaria em economia, já que as comunidades isoladas dependem da Conta de Consumo de Combustíveis, uma subvenção que atingiu R$ 4,5 bilhões em 2006, 25% maior que em 2005, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O uso da mamona como uma das matérias-primas do biodiesel é outro erro grave do PNPB, na opinião de Luiz Antonio Prado. O óleo de mamona é bastante valorizado no mercado internacional. Por sua resistência a grandes variações de temperatura e pressão, ele é utilizado como aditivo em combustíveis de aviação e até em motores espaciais da Nasa, a agência espacial norte-americana, além de ter aplicações em próteses e na indústria cosmética. O valor estratégico do produto faz a Casa Branca manter uma Comissão Nacional do Óleo de Mamona, instituição que garante abastecimento e preços favoráveis aos Estados Unidos. O Brasil perdeu para a China e para a Índia a posição de maior produtor mundial desse óleo e irá piorar sua situação nesse mercado se continuar a queimá-lo como um componente do biodiesel, o que seria um "desperdício absurdo", segundo Prado.

A despeito da maré contrária, o governo acena com dados relevantes, como o emprego atual de 200 mil famílias camponesas na produção de sementes para o biodiesel. Se o programa vai continuar cumprindo esse papel social, é outra história. Mini-usinas de álcool já eram projetadas na década de 1970 para serem geridas por cooperativas de pequenos agricultores. Porém, só os gigantes permanecem hoje no setor sucro-alcooleiro.

“O Proálcool foi criado para salvar a lavoura dos usineiros da crise do açúcar no final dos anos 1970”, lembra Francisco Alves. Na opinião do economista da UFSCar, tirar as rédeas do setor do biodiesel das mãos dos grandes agricultores não será tarefa tranqüila. “Só uma mobilização da sociedade civil poderia mudar esse quadro”, acredita.

Por Fabio Reynol, jornalista e escritor