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Entrevista: Alexandre Comin


Edição de Ago / Set 2012 - 20 ago 2012 - 17:20 - Última atualização em: 31 out 2012 - 12:01
Vice-coordenador do Conselho de Competitividade Setorial de Energias Renováveis, Alexandre Comin espera contribuir para que a competitividade do biodiesel brasileiro chegue a um novo patamar

Fábio Rodrigues, de São Paulo

Ao explicar por que caiu de amores pelo tema da competitividade industrial quando ainda era universitário, o economista Alexandre Comin sintetiza “É uma convicção intelectual”. “A competitividade é a base fundamental para que você possa ter desenvolvimento econômico em qualquer país. Foi isso o que aprendi desde cedo na faculdade de economia”, prossegue, relembrando um dos primeiros ensinamentos da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Ele sempre manteve esse foco durante sua carreira acadêmica e como analista da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Há pouco menos de um ano e meio foi convidado a assumir a diretoria do Departamento de Competitividade Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), onde vem tendo a chance de transformar essa convicção em políticas públicas.

Desde o começo de abril, o setor de biodiesel pôde conhecer melhor as convicções desse servidor. Foi nessa época que ele se tornou o vice-coordenador do Conselho de Competitividade Setorial de Energias Renováveis do Plano Brasil Maior, política desenhada pelo governo Dilma para alavancar a capacidade industrial brasileira. Entre as metas que o conselho espera atingir está a abertura das portas do biodiesel brasileiro para o mercado internacional.

Revista BiodieselBR – A interlocução do setor de biodiesel com o governo se dá mais por meio da Casa Civil e dos ministérios de Minas e Energia, da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Qual é o papel que cabe ao MDIC no desenho institucional do PNPB?
Alexandre Comin – O olhar do MDIC é fazer com que o país seja mais do que um simples produtor e consumidor de biocombustíveis. Não queremos ser só isso. O que realmente interessa ao país é termos a cadeia dos biocombustíveis instalada como um todo para que tenhamos domínio completo sobre a tecnologia que está por trás dessa indústria, incluindo a fabricação de bens de capital. Queremos alcançar esse estágio porque isso traz imensos benefícios em termos de desenvolvimento tecnológico, competitividade industrial e geração de empregos.

Então a expectativa do governo federal é que o biodiesel se torne a base de um ecossistema produtivo?
Alexandre Comin – Exatamente. A boca das bombas de combustível onde você abastece seu veículo com etanol ou biodiesel é apenas a ponta de uma cadeia muito mais longa que começa no plantio da cana-de-açúcar e da soja. Antes disso temos a produção de máquinas industriais, tanto as caldeiras das usinas quanto os tratores e colheitadeiras que vão permitir que os biocombustíveis sejam produzidos com qualidade e custos favoráveis.

Como está caminhando a construção dessa cadeia ampliada em torno do biodiesel?
Alexandre Comin – O biodiesel é um setor que tem uma tecnologia mais tradicional, que já não guarda grandes segredos. O principal fator de competitividade é produzir a matéria-prima de origem vegetal e animal a custos baixos. O Brasil possui cadeias muito competitivas no setor agropecuário e, em particular, para a soja. Temos uma cadeia de soja muito bem estabelecida e altamente competitiva, afinal somos o segundo maior produtor do mundo. Isso facilitou a implantação da cadeia de biodiesel no Brasil.

Sempre que um representante do governo federal fala sobre o espaço do Brasil no mercado de biocombustíveis o discurso esbarra no ufanismo. O que torna o Brasil tão imbatível nesse mercado?
Alexandre Comin – O ponto fundamental é que temos uma agricultura das mais avançadas. Nossa competitividade na fase agrícola é excelente e esse é o fundamento da nossa competitividade. No caso específico do etanol, não existe no mundo nenhuma matéria-prima mais barata do que a cana-de-açúcar e, historicamente, o Brasil planta cana desde o período colonial. Como temos uma indústria de bens de capital muito bem implantada no estado de São Paulo, a nossa competitividade no etanol também deriva da fase industrial. No caso do biodiesel, como ainda não somos um produtor de bens de capital, não temos essa vantagem.

O biodiesel brasileiro ainda é caro na comparação com o diesel de petróleo. Há espaço para barateá-lo?
Alexandre Comin – É importante observar que, em todos os mercados produtores de biodiesel que temos acompanhado pelo mundo, o biodiesel é sempre mais caro do que o diesel de petróleo. Pelo menos em relação ao preço atual do barril do petróleo. A gente começou a trabalhar essa questão agora no contexto do Conselho de Competitividade Setorial de Energias Renováveis do Plano Brasil Maior e entendemos que o aspecto mais importante para garantir ganhos de competitividade no longo prazo é investir em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação. Essa é única maneira que você tem para reduzir os seus custos e o Brasil tem investido bastante para tornar seus biocombustíveis mais competitivos. Por exemplo, há uns dois meses o BNDES aprovou os primeiros editais de um programa voltado especificamente para a pesquisa e desenvolvimento na área sucroalcooleira que prevê investimentos da ordem de R$ 3 bilhões. Dentro desse programa temos linhas de pesquisa que são do interesse da indústria do biodiesel. Entre elas, pesquisas na substituição do metanol – que é uma matéria-prima de origem fóssil – por etanol durante o processo de transesterificação. Queremos aproximar mais as rotas do biodiesel e do etanol, que hoje são separadas.

A pesquisa tecnológica é a solução de longo prazo. O que está sendo feito no curto e médio prazos?
Alexandre Comin
– Naturalmente, estamos trabalhando outros aspectos que não dizem respeito especificamente aos biocombustíveis. São questões mais gerais da economia brasileira, como os elevados custos de logística e a complexidade tributária. Quando chegamos no ICMS, temos 27 legislações estaduais diferentes e isso gera uma série de complicações que encarecem a produção de muitas as coisas, inclusive do biodiesel. Às vezes não tem só o custo do imposto, tem o custo de administrar tudo isso. Resolver a questão tributária é um dos focos mais importantes do Plano Brasil Maior e, embora não tenhamos nenhuma política específica para o setor de biocombustíveis, já temos uma série de medidas para a desoneração da folha de pagamento e outras medidas pontuais. Claro que fazer isso não é simples porque o governo precisa arrecadar, mas eu posso destacar que tivemos um progresso realmente notável na desoneração de investimentos. Eu mesmo estou envolvido num estudo para diagnosticar o que ainda resta de custo tributário sobre investimentos no Brasil e posso assegurar que avançamos substancialmente. Hoje você não paga mais IPI algum para adquirir bens de capital.

Sempre que falamos de tributação com o setor produtivo, logo aparecem críticas sobre como a Lei Kandir favorece a exportação sem valor agregado. Como isso fica?
Alexandre Comin – Uma das dificuldades para resolver a Lei Kandir é que você tem uma dimensão federativa que torna tudo mais complicado. Posso dizer que dentro do governo existe um diagnóstico muito claro de que a Lei Kandir foi feita num momento em que o Brasil precisava exportar a todo custo por causa de sucessivas crises no balanço de pagamentos. A intenção da lei era incentivar o Brasil a exportar tanto quanto fosse possível, porque precisávamos gerar receita em dólar. Nesse sentido, ela foi um sucesso e multiplicou as exportações de produtos primários. Hoje, nosso problema não é tanto a quantidade, mas a qualidade de nossas exportações. Estamos trabalhando nisso e estudando algumas propostas do setor de biodiesel que tentam tornar mais interessante a exportação do produto acabado.

A primeira meta que vocês elegeram para o trabalho do Conselho de Energias Renováveis é a exportação de biodiesel. Esse é um ponto no qual a indústria tem falhado sistematicamente. Como vocês esperam reverter isso?
Alexandre Comin – Você precisa ter em mente que o mercado internacional do biodiesel ainda está sendo desenhado. O principal mercado é a União Europeia e eles ainda estão desenhando uma série de medidas para privilegiar o biodiesel de produtores locais. Não é segredo que, historicamente, a Europa tem adotado políticas de proteção para seu setor agrícola porque ele deixou de ser competitivo há muito tempo em função dos custos de terra e de mão de obra. Ele só sobrevive graças a uma proteção de mercados bastante significativa. O biodiesel herdou um pouco desse tipo de proteção e o resultado é que você não tem como saber qual vai ser o tamanho das importações europeias. Isso nos deixa sem saber exatamente qual é o potencial desse mercado e o quanto podemos investir nele. Mesmo assim, há alguma importação e a Argentina tem tido sucesso em vender biodiesel para a Europa. O que precisamos é melhorar nossa competitividade para poder aproveitar esse mercado.

Diferentemente da Argentina, a indústria brasileira de biodiesel se desenvolveu longe do litoral, o que dificulta as exportações. Isso nos deixa em desvantagem?
Alexandre Comin – Vamos analisar isso com calma. Tradicionalmente, a Argentina é uma grande exportadora agrícola, essa é uma vocação que está ligada à história do país. A própria geografia da Argentina contribui para isso porque eles têm uma costa muito grande e o Rio da Prata, que favorece o transporte por água. Então, a Argentina inteira está voltada para o mar e para o mercado externo. Com a gente é um pouco diferente. Claro que o Brasil também é um grande exportador agrícola e está se tornando cada vez mais importante nesse mercado, mas nossas zonas agrícolas mais competitivas estão no interior, especialmente no Planalto Central e no Cerrado. Aí a gente volta na questão da logística, que é algo muito sensível para esse tipo de produto.

A recente crise diplomática entre a Argentina e a Espanha cria uma janela de oportunidade para o biodiesel brasileiro?
Alexandre Comin – Não tenho muita certeza se existe mesmo uma janela de oportunidade para ser aproveitada aí. As negociações internacionais são sempre muito complexas, mas existe um potencial e a gente precisa estar sempre de olho.

As usinas têm feito sua parte para viabilizar a exportação?
Alexandre Comin – Eu diria que sim. Elas investiram bastante em capacidade produtiva, tanto que temos capacidade ociosa hoje em dia. Talvez o maior problema seja que o biodiesel é uma mercadoria cuja tecnologia está muito estabilizada, os ganhos tecnológicos nessa cadeia são menores do que em outras. No etanol existe a perspectiva da chegada das tecnologias de 2ª geração, que vão produzir a partir de matérias- -primas que hoje não são aproveitáveis, como o bagaço e palha da cana. Hoje a gente só consegue usar a parte mais nobre, que são os açúcares, mas ainda sobra muita energia na biomassa. Não faz nem dois meses que o Brasil inaugurou a primeira usina desse tipo. No caso do biodiesel, essa é uma fronteira tecnológica que não está tão clara.

Quais seriam os candidatos mais prováveis ao biodiesel de 2ª geração?
Alexandre Comin – Várias tecnologias que estão em desenvolvimento, como rotas enzimáticas, algas e gaseificação, permitem a produção de diferentes bioprodutos. A Amyris, por exemplo, diz poder produzir etanol, diesel renovável e farnaseno a partir da cana-de- -açúcar. Consideramos que teremos os bioprodutos de 2ª geração mais focados em segmentos de maior valor agregado, mas, a partir do momento em que a tecnologia for amadurecendo e reduzindo os custos, as empresas irão optar por trabalhar com o diesel antes do etanol, uma vez que o primeiro custa mais que o segundo.

E quais as chances de vermos os biocombustíveis se tornarem uma commodity internacional?
Alexandre Comin
– O Brasil tem todas as condições e o interesse de inf luenciar as negociações internacionais no sentido de impulsionar o processo para transformar os biocombustíveis em commodity. O nó fundamental é se a política mundial de clima vai avançar ou não e se mais países vão adotar políticas de substituição progressiva dos combustíveis fósseis. Isso depende de decisões políticas que ainda estão pendentes. O que eu posso dizer é o seguinte: o Brasil está bem preparado para, se isso for do interesse do resto do mundo, ofertar uma grande quantidade de biocombustíveis. Também estamos trabalhando com países da África e da América Central interessados em fabricar biocombustíveis.