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Biodiesel perde um dos seus grandes entusiastas


Edição de Out / Nov de 2011 - 15 out 2011 - 15:46 - Última atualização em: 25 jan 2012 - 17:37

Em setembro, a comunidade do biodiesel perdeu Expedito Parente. Sem dúvida alguma, deixou-nos um dos maiores entusiastas que os biocombustíveis já tiveram. É muito importante destacarmos a carreira deste engenheiro químico e professor da Universidade Federal do Ceará, que se dedicou desde a década de 70 ao estudo e à divulgação do biodiesel pelo país afora. Acredito que sem o Prof. Parente provavelmente teria sido difícil conseguir sensibilizar os nossos políticos a implementar o programa brasileiro de biodiesel do jeito que foi feito. Por essas razões, este mês de setembro deixou-nos tristes pela perda deste ícone da nossa comunidade.

No entanto, entristece também perceber quão desinformados os nossos dirigentes políticos estão. Até a nossa presidente Dilma Rousseff lançou uma nota de pesar pela morte do Prof. Expedito Parente, onde lhe atribui a invenção do biodiesel e o depósito da primeira patente mundial de biodiesel. Muito feliz ficaria caso fosse possível atribuir ao Prof. Parente, ou qualquer outro cientista brasileiro, o mérito de ter inventado o biodiesel ou de ter depositado a primeira patente. Mas, infelizmente, isso está longe de ser verdade. Por uma questão de ética, sinto-me na obrigação de esclarecer um fato tão importante como este.

A história do biodiesel começa na Europa na década de 1930. As pesquisas tiveram como motivação o desabastecimento no mercado mundial de petróleo resultante dos conflitos armados que se estavam iniciando e o desejo de diversos países europeus de desenvolver alternativas energéticas para as suas colônias tropicais. Um desses pesquisadores foi o belga G. Chavanne, o qual foi autor da primeira patente mundial relatando a transformação de óleos vegetais em uma mistura de ésteres de ácidos graxos, metílicos ou etílicos, que hoje é conhecida como biodiesel (Chavanne, G.; Patente Belga BE 422.877, 1937). Posteriormente, Chavanne, a quem se pode atribuir o título de inventor do biodiesel, relatou que realizara diversos testes de uso do biocombustível em larga escala. Nesse relato, atesta ter rodado mais de 20 mil quilômetros com caminhões usando biodiesel obtido pela transesterificação de óleo de dendê com etanol (Chavannes, G.; Bulletin agricole du Congo Belge, vol. XXXIII, p3-90, mars 1942.). A tecnologia patenteada por Chavanne foi testada em outros países na mesma época. Por exemplo, o Instituto Francês do Petróleo realizou em 1940 diversos testes de uso de biodiesel a partir de dendê e etanol, sendo relatado que foram obtidos resultados extremamente satisfatórios (R. Stern e colaboradores, Revue de L´institut Français du Pétrole, Vol. 38, No 1, Janvier-février 1983).

Do outro lado do Atlântico, os pesquisadores americanos ligados à empresa Colgate-Palmolive desenvolveram um processo para viabilizar a transformação direta de óleos brutos com índices de acidez elevados, utilizando um processo de esterificação (catalisada por ácidos minerais) seguido de uma etapa de transesterificação (catalisada pelos mesmos catalisadores básicos usados por Chavanne), para evitar a transformação de sabões diretamente em biodiesel (Keim, G. I.; Patente Americana US 2.383-601, 1945).

O final da 2ª Guerra Mundial trouxe uma normalização ao mercado mundial de petróleo, o qual se estabilizou a um preço muito baixo, levando a um abandono das iniciativas de substituição de seus derivados por biocombustíveis. Esta situação modificou-se a partir da década de 1970 por diversas crises de abastecimento de petróleo, fazendo com que pesquisadores e governantes se voltassem mais uma vez para a procura de alternativas renováveis para substituir o petróleo. Como consequência, o biodiesel voltou a ser considerado uma importante alternativa ao diesel, motivo pelo qual diversos países retomaram seus estudos, culminando com o surgimento de diversos programas de governo para introduzi-lo nas matrizes energéticas da Europa, Estados Unidos, Brasil, entre outros.

Não quero aqui desmerecer a grande contribuição que o Prof. Expedito Parente deu ao biodiesel no Brasil. Mas acredito que o mérito científico e tecnológico deve ser dado ao pesquisador que há mais de 70 anos teve a ideia de utilizar os ésteres metílicos e etílicos com fins energéticos; e essa pessoa foi o pesquisador belga G. Chavanne e não o nosso conterrâneo.

Paulo Suarez é professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (IQ-UnB) e foi vencedor do Prêmio Mercosul de Ciência e Tecnologia em 2005.