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Bioquerosene: pronto para decolar?


Edição de Ago / Set de 2011 - 15 ago 2011 - 12:09 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 16:15
Propostas para o uso de biocombustíveis na indústria de aviação proliferam, mas incertezas acerca da viabilidade econômica ainda impedem de apontá-las como alternativas reais aos combustíveis fósseis

Catia Franco, de São Paulo

Assim como os séculos 18 e 19 entraram para a história pela corrida industrial e o século 20 pela corrida ao espaço, é bastante provável que o século 21 fique conhecido pela busca incessante por tecnologias verdes. E o Brasil tem boas chances de estar na vanguarda dessa disputa, graças ao desenvolvimento de projetos inovadores na área de biocombustíveis.

Mas se engana quem pensa que os investimentos do governo brasileiro neste campo resumem-se ao etanol e ao biodiesel. A visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao país no início do ano serviu para mostrar que as pretensões vão além. Na ocasião, foi firmado um acordo de cooperação mútua visando ao desenvolvimento de biocombustíveis para um mercado crescente: o de aviação.

Apesar de o acordo ser bastante vago, a parceria possui objetivos claros: a diversificação das fontes de combustível e, concomitantemente, uma maior independência em relação ao petróleo. A questão é considerada estratégica para o Pentágono, maior consumidor de querosene de aviação do mundo.

Mas não só as Forças Armadas norte-americanas estão de olho nesse mercado. Com um giro financeiro de cerca de US$ 300 bilhões por ano, o que não falta é gente interessada. Tanto que, antes da assinatura do tratado entre Brasil e EUA, já havia uma porção de propostas concretas para a área de bioquerosene de aviação (BioQAV).

Produtor de biomassas em abundância, o Brasil é visto como campo fértil para empreitadas do gênero. Por conta disso, detém uma plataforma variada e criativa de combustíveis renováveis para aviação. Mesmo a linha de chegada estando longe de ser cruzada, pois envolve a superação de desafios relacionados à viabilidade comercial, já há quem esteja avançando rapidamente em direção a ela.

Em fase de negociação para produção em escala industrial, o bioquerosene à base de óleo vegetal e etanol criado pela equipe de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, é uma das iniciativas mais bem-sucedidas nesse âmbito. O produto possui características muito próximas do querosene convencional e, segundo os coordenadores da pesquisa, Rubens Maciel Filho e Maria Regina Wolf Maciel, é capaz de atender às especificações.

O grande diferencial da tecnologia da FEQ é o alto grau de pureza, próximo de 100%. O fator é decisivo para a aviação. Vale lembrar que, em altas altitudes, o avião enfrenta temperaturas muito baixas. Por isso, quanto menor o ponto de congelamento do bioquerosene, melhor, já que as impurezas interferem nesse parâmetro.

Uma das maiores produtoras de jatos do mundo, a brasileira Embraer também entrou na jogada. Unida à Amyris, multinacional de biotecnologia, e à Azul, terceira maior companhia aérea do Brasil, a empresa iniciou um projeto de desenvolvimento de bioquerosene à base de cana-de-açúcar. O produto será testado num voo experimental programado para meados de 2012. “Verificado que o combustível consegue suprir as necessidades básicas para a realização do voo, partiremos para a análise da viabilidade econômica e sustentável”, informa Guilherme Freire, diretor de Tecnologias e Estratégias da Embraer.

Uma etapa à frente, a TAM realizou no final do ano passado um voo experimental com BioQAV à base de óleo de pinhão-manso. Os resultados agradaram. “O motor trabalhou com temperatura cerca de dez graus mais baixa que o usual, diminuindo o consumo de combustível e, consequentemente, reduzindo a emissão de gases”, relata Paulus Figueiredo, gerente de Energia da TAM.

A Honeywell, empresa que já produziu mais de 2,65 milhões de litros de biocombustível de fonte renovável, realizou em junho o primeiro voo transatlântico – indo de New Jersey (EUA) a Paris (França) – com um jato movido com 50% de bioquerosene feito de camelina. Segundo a Honeywell, o êxito na empreitada colocou o biocombustível “a um passo do uso comercial”.

Múltipla escolha

Boa parte das tecnologias de biocombustível para aviação desenvolvidas até o momento deriva basicamente de duas opções de matéria-prima: óleo vegetal (de pinhão-manso, camelina etc.) ou sacarose. Por isso, o BioQAV criado pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT) em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME) chama atenção. Ele pode ser produzido a partir de sobras de frutos cítricos e eucalipto.

Com dois pedidos de patente depositados, o INT prepara-se para a etapa de testes experimentais. O chefe da Divisão de Catálise e Processos do instituto, Marco Fraga, afirma que o BioQAV obtido atende a todas as especificações, incluindo as mais restritivas, como as derivadas das condições extremas às quais o avião está submetido – temperatura, por exemplo.

Questionado sobre o porquê da escolha por biomassas menos convencionais, Fraga alega que se trata de matérias-primas produzidas em larga escala no Brasil. A ideia é eliminar futuros entraves para a comercialização dessa tecnologia.

Além da disponibilidade de insumos para produção em escala comercial, há outras questões a serem levadas em conta na hora de se fixar uma opção para o desenvolvimento do bioqueronese. Uma delas é a performance do produto final. O pinhão-manso, por exemplo, é apontado como uma matéria-prima capaz de gerar um biocombustível de altíssima qualidade. Além disso, tem forte apelo sustentável, já que se trata de uma planta que não concorre com a cadeia alimentar (é imprópria para consumo humano e animal) e pode ser consorciada com pastagens e culturas alimentícias.

Apesar dos pontos positivos, o cultivo de pinhão-manso ainda não engrenou. “Há necessidade de melhorias genéticas das sementes, com o objetivo de maximizar a produtividade”, reconhece Figueiredo, da TAM. Não é à toa que a companhia aérea planeja implementar e operar uma unidade piloto de plantio da oleaginosa no seu centro tecnológico, em São Carlos (SP).

O aspecto sustentável aliado à oferta ampla de matéria-prima definiu a opção da Honeywell pela camelina para produzir o seu combustível verde para jatos. “É o recurso mais disponível hoje”, afirma Jim Rekoske, vice-presidente e responsável pela área de Energia e Químicas Renováveis da Honeywell.

Entretanto, Rekoske salienta que é possível obter um biocombustível com as mesmas especificações usando qualquer óleo ou até blends, graças a um processo que ele denomina “matéria-prima flexível”. “Temos feito combustível à base de camelina, alga, pinhão-manso e até gordura animal. Essa flexibilidade tem como grande vantagem permitir que os produtores utilizem as matérias-primas que forem mais adequadas”.

Independente da biomassa usada, todas as fontes ouvidas garantem que os biocombustíveis para aviação conseguem atender às especificações estabelecidas pelos órgãos reguladores da área. Portanto, esse ponto não seria um limitador; são outros aspectos que impedem o bioquerosene de decolar.

Barreiras

Apesar da configuração de um cenário promissor, há muito ainda que se galgar até que o bioquerosene se torne uma possibilidade concreta. O primeiro obstáculo a ser transposto diz respeito à produção: dependendo da tecnologia e/ou da matéria-prima empregada, não é possível aproveitar a estrutura atual das usinas de biodiesel.

É o caso, por exemplo, do bio-QAV desenvolvido pelo INT. “A nossa tecnologia não permite isso”, afirma Fraga. “Mas talvez com outras propostas, que têm por base óleo vegetais, seja viável”, pondera.

Terreno cercado de contradições e incertezas, o fator “custo” é outra barreira a ser vencida. A pesquisa “Sustentabilidade: Aqui e Agora” realizada pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Walmart, que entrevistou moradores de 11 capitais durante 2010, revelou que 74% dos brasileiros estão dispostos a usar produtos fabricados de forma ambientalmente responsável. Entretanto, o mesmo estudo mostra que esses consumidores estão pouco inclinados a pagar mais por isso. Moral da história: vale a pena investir na sustentabilidade, pois isso representa um ganho de competitividade – desde que isso não impacte no bolso do usuário do serviço.

Por enquanto, poucos se sentem seguros para falar sobre os custos do bioquerosene, sob a justificativa de que tudo ainda é muito incipiente. Os que arriscam algum comentário dizem que a tendência é que o bioquerosene seja mais caro. A Honeywell, que deve conseguir a aprovação final do seu biocombustível pela ASTM (o equivalente norte-americano à nossa ABNT) agora em julho, admite que, hoje, o bioquerosene é mais caro. Contudo, a expectativa é de que o custo diminua com o crescimento da demanda e o incremento da produção em escala comercial.

Mas por que o bioquerosene tem despertado tanto interesse? Para as empresas de biotecnologia, é um novo mercado. No caso da aviação civil, a busca por alternativas às fontes fósseis é inevitável. “O petróleo é um recurso finito. Então, nos resta buscar alternativas sustentáveis”, diz Adalberto Febeliano, diretor de Relações Institucionais da Azul. “No horizonte tecnológico que se avista, o que se apresenta como viável à substituição do combustível fóssil são os biocombustíveis”, completa.

Menos poluição

Em meio a indefinições relevantes para a consolidação do Bio-QAV como alternativa concreta ao combustível fóssil, um fato, por enquanto, permanece irrefutável: o bioquerosene polui menos.

Estudos realizados pela Michigan Technological University em conjunto com a UOP/Honeywell mostram que biocombustíveis de aviação produzidos a partir do pinhão-manso permitem uma redução de 65% a 80% na emissão de carbono se comparado ao querosene de aviação derivado de petróleo. Trata-se de um ganho significativo para um setor que tem como meta reduzir pela metade as emissões de carbono até 2050 em comparação aos níveis de 2005.

“A questão da sustentabilidade é central e extremamente importante. Se as empresas passarem a usar mesmo que uma determinada fração de combustível verde, entrarão no mercado de carbono, alinhando-se com a política e acordos relacionados à sustentabilidade. Há também ganhos de mercado consumidor, pois vivemos numa sociedade mais consciente”, defende Fraga.

É a possibilidade de o saldo na balança ser positivo que mantém o interesse e as apostas no BioQAV. A probabilidade dele inflacionar os custos não constitui, ainda, motivo suficiente para arrefecer a empolgação em torno do assunto.