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Especificação: O problema da qualidade


Edição de Jun / Jul de 2011 - 04 ago 2011 - 14:19 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 10:07
Piora nos índices de qualidade do diesel B5 acende o sinal de alerta para a cadeia produtiva. Solução pode incluir transporte e armazenamento mais cuidadosos, mas a necessidade de mudança na especificação não está descartada

Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba

A luz amarela acendeu para a indústria brasileira do biodiesel. Técnicos, produtores e revendedores começaram a se preocupar nos últimos meses com um indicador indesejável que insiste em não sair das tabelas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Trata-se do índice que mede a qualidade dos combustíveis vendidos nos postos de todo o país, que no caso do biodiesel começou a apresentar piora. E uma piora significativa.

“Alguma coisa está errada”, afirma Ricardo Hashimoto, diretor de postos de rodovia da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis). “Os gráficos mostram que nos últimos três anos todos os outros combustíveis apresentaram diminuição no número de problemas encontrados. No diesel, o número chegou ao ponto mais baixo em 2007. Justamente em 2008, quando é implantado o B2, os problemas começam a aumentar. E eu não posso acreditar em coincidências”, afirma Hashimoto.

Em 2007, o porcentual de amostras com problemas no diesel era de 1,9% em média. Em 2008, ano em que o biodiesel se tornou obrigatório, o índice subiu para 2,2%. Nos anos seguintes (coincidência ou não), à medida em que a mistura obrigatória de biodiesel no diesel fóssil subia, aumentavam também os índices de problemas encontrados nos postos. Em 2009, esse número ficou em 3,1% e, em 2010, chegou a 3,6% - quase o dobro do que ocorria três anos antes.

Desde o ano passado, conforme o nível chegava a um grau preocupante, a ANP intensificou o estudo do assunto para encontrar as causas do problema e tentar minimizá-las. A dificuldade é que, segundo os especialistas, as causas podem ser muitas e sua correção pode exigir mais do que somente um pouco mais de cuidado de todas as partes envolvidas: pode ser necessário até mesmo mexer na especificação do biodiesel no Brasil.

Transporte

Um dos problemas mais facilmente identificáveis está na maneira de transportar o biodiesel, afirmam fontes ouvidas por esta reportagem. O biodiesel é sensível e, caso os caminhões usados em seu transporte tenham levado determinados tipos de carga recentemente, a contaminação pode ser dada como certa. Um dos maiores problemas ocorre com caminhões que anteriormente levavam água.

Justino de Lullo, gerente da Carburoil, uma distribuidora do tipo TRR (especializada em comprar de distribuidoras maiores para revender o combustível em pequenas quantidades), explica que “a água é inimiga do biodiesel”. “Quando o diesel entra em contato com a água, isso proporciona uma contaminação microbiana que influi na qualidade do combustível”, afirma. Como o biodiesel tem uma capacidade maior de absorção de água do que o diesel de petróleo, isso tende a agravar o problema. Como consequência, o novo combustível acaba desenvolvendo mais fungos, leveduras e bactérias.

O resultado é que a adição do combustível de origem orgânica foi mesmo importante para o aparecimento de novos problemas. Segundo Lullo, mais do que isso. “Quando aumentou a quantidade de biodiesel obrigatório, os problemas se intensificaram”. O principal sintoma que passou a ocorrer com grande frequência foi a formação de borra nos tanques de armazenagem, o que pode levar a entupimento dos filtros.

A resposta a esse tipo de problema pode ocorrer em vários níveis diferentes. Obviamente, o mais simples é evitar o transporte em tanques que possam causar contaminação. Aqui, não apenas o cuidado por parte das transportadoras como uma fiscalização mais eficiente seriam fundamentais.

No entanto, há também soluções mais sofisticadas e que deixam menos margem para o azar. Quem explica como isso pode funcionar é Carlos Yamamoto, do Laboratório de Análise de Combustíveis Automotivos (Lacaut) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Segundo ele, a solução definitiva poderia ser a incorporação ao biodiesel de um aditivo capaz de matar os fungos e outros microorganismos que deterioram o combustível. Embora a opção seja perfeitamente viável do ponto de vista técnico, ela esbarra num empecilho nada banal: o preço. “Sabemos que hoje a margem de lucro no biodiesel não é muito grande. Por isso, qualquer solução que traga novos custos é de difícil implementação”, afirma Yamamoto. Mas, para ele, não há dúvidas de que a solução valeria a pena. “Claro que, de qualquer forma, quem vai pagar é o consumidor. Mas sai mais barato do que deixar como está, porque o entupimento causa problemas no motor, o que vai aumentar o custo de manutenção”, pondera.