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Releilão: Segredo mal guardado


Edição de Fev / Mar de 2011 - 03 mar 2011 - 09:03 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 11:03

Segredo mal guardado

Na falta de um canal oficial de informação, os empresários tiveram que ir desenvolvendo habilidades de investigador para ficar sabendo dos resultados. “A gente fica sabendo dos preços que nosso biodiesel alcançou nos releilões através de canais que não podemos revelar ou arriscamos ficar sem saber”, conta Alexandre Pereira da Silva, diretor comercial e de novos negócios da Bioverde Biodiesel.

Enquanto do lado de fora da Petronect o segredo é quase total, para quem tem acesso à plataforma o sistema é transparente. É o que nos conta o gerente de suprimentos da Petrosul, Maurício Rodrigues. “Você consegue ver que lotes foram vendidos, por quanto, e os lances que foram dados. A única coisa que você não fica sabendo é a identidade de quem fez cada oferta”, diz.

É claro que para as distribuidoras não seria bom negócio que a concorrência ficasse sabendo quanto ela pagou pelo biodiesel. “Como o preço do diesel é o mesmo para todos, divulgar o valor do biodiesel equivaleria a contar os custos de um concorrente para os demais”, elabora Pereira. Mas a Petrobras não precisaria divulgar o nome das distribuidoras, apenas a que valor foi comprado o biodiesel de cada usina. Com isso o setor já poderia conhecer melhor as vantagens logísticas e de qualidade de cada um dos produtores de biodiesel. Essa comparação traria várias consequências positivas para o aperfeiçoamento do biocombustível.

Saber o quanto as distribuidoras estão dispostas a pagar pelo produto de uma usina em particular pode dar pistas sólidas para determinar a competitividade de cada planta. É um conhecimento que vale muito. “A gente sempre procura se informar sobre os resultados dos releilões porque isso nos ajuda a balizar a valoração de nosso biodiesel. Essa informação será muito útil para o momento em que o mercado se tornar livre”, diz Pereira, da Bioverde.


Petronect

A transparência traria outros benefícios ao PNPB. Para exemplificar melhor, é importante ter em mente que até hoje ninguém sabe os preços pagos pelo biodiesel de cada usina no segundo leilão de estoque da Petrobras (L100), realizado pelo mesmo sistema dos releilões. Este leilão foi realizado no dia 2 de abril de 2008, no auge da inadimplência do setor. Na época, a BiodieselBR insistentemente buscou os preços do pregão – sem sucesso.

Uma pista que pode ajudar a explicar esse segredo todo em torno do resultado desse leilão pode estar em uma carta enviada pela Ubrabio para a ANP em 2010, onde a entidade afirma que, naqueles leilões de estoque do início de 2008, os preços foram “astronômicos”. Que interesse o governo teria em divulgar para a sociedade preços “astronômicos” pagos pelo biodiesel?

Como se trata de uma ferramenta proprietária, fica a cargo da estatal divulgar ou não os resultados desses leilões. Se a Petrobras continuar entendendo que ninguém deve saber o que acontece no Petronect, o consumidor continuará sem saber qual o impacto dos 5% de biodiesel no preço do diesel que ele compra.


Apropriação indevida?

Há uma relação direta entre os leilões da ANP e os releilões da Petrobras – a cada leilão corresponde um releilão. Basicamente, a estatal pega o volume de biodiesel que havia adquirido no pregão mais recente e o subdivide em lotes regionais. Acontece que, enquanto nos leilões há um teto máximo de preço e a usina que faz a oferta mais baixa ganha, nos releilões define-se um preço mínimo – em geral, baseado no preço médio do leilão – que vai progressivamente aumentando com as ofertas das distribuidoras. As distribuidoras podem fazer suas compras até um limite definido por seu histórico de vendas em cada região.

É aí que aparece a outra zona de turbulência do modelo. Graças ao desenho do PNPB, a Petrobras se tornou a atravessadora geral da indústria de biodiesel. O que a impediria de aproveitar sua posição central para embolsar belas somas?

Embora a Petrobras sempre afirme que não aufere nenhum lucro na revenda do biodiesel, apenas remunera seus custos, alguns distribuidores já expressaram dúvidas a respeito dessa aparente benevolência. “A Petrobras não nos dá justificativa alguma para o preço que pratica no releilão, ela simplesmente nos diz que esse é o preço e a gente fica à mercê. Mas por que ela precisa cobrar a mais se ela não paga nem mesmo o frete?”, reclama Paulo Henrique Damasceno, que cuida da logística do biodiesel para uma grande distribuidora.

Na verdade, para que a Petrobras lucrasse regiamente com os releilões nem seria preciso inflacionar os preços. Bastaria repassar o preço médio do leilão – sem esquecer de acrescentar os 12% de ICMS – e deixar que as distribuidoras se engalfinhassem. Considerando que os custos de organizar um releilão não devem ser tão elevados, tudo o que viesse seria lucro.

Maurício Rodrigues, da Petrosul, concorda que ele mesmo já teve essa impressão, mas diz que “há algum tempo, a Petrobras vem demostrando que não fica com esse ágio”. O caso é que, segundo Rodrigues, a petrolífera adota um mecanismo de descontos que devolve o ágio aos distribuidores. “Essa diferença de preço que os distribuidores pagam pelo biodiesel é rateada pelo Brasil inteiro e devolvida na forma de um desconto sobre o preço do biodiesel. Então, para a gente, está claro que a Petrobras não fica com esse ganho”, comenta.

Mesmo que a Petrobras zere os ganhos, os fabricantes de biodiesel têm do que reclamar. A Bioverde, por exemplo, apostou numa estratégia diferenciada na hora de decidir onde instalar sua planta e, ao invés ficar perto da matéria-prima, optou por ficar no município paulista de Taubaté, próxima do mercado consumidor. De acordo com Pereira, esse diferencial garante que os lotes de sua usina estejam sempre entre os mais valorizados dos releilões. Contudo, a usina não embolsa um real por isso. “Essa é uma fatia de lucro que a gente gostaria de poder embolsar diretamente. As vantagens de estar perto do maior mercado consumidor do país e de ter um produto de boa qualidade perdem sentido no sistema de leilão e releilão”, lamenta.

Já é um fato bem conhecido que o sistema de leilões mata os diferenciais competitivos com os quais diversas usinas esperavam poder contar. “O leilão potencializa o poder que as esmagadoras têm no atual modelo da indústria do biodiesel. Como são donas da matéria-prima, elas têm um poder a mais nos leilões que, no mercado de vendas diretas, seria contrabalançado por diferenciais como atendimento ao cliente”, protesta Tomazella, da Biopar.