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Preço nos leilões: margens e mistura obrigatória


Edição de Dez 2010 / Jan 2011 - 15 dez 2010 - 11:10 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 11:27

Margens

O motivo da queda dos preços está longe de ser unanimidade. Durante a cobertura do leilão 19, alguns leitores chegaram a usar expressões como “banho de sangue” e “mar de sangue” para classificar a agressividade com que os concorrentes se atiravam na disputa. Já na ocasião, o colunista da BiodieselBR Univaldo Vedana ressaltou que, no ramo de combustíveis, as margens de lucro sempre estiveram na casa dos centavos. A queda dos preços, portanto, devia ser lida como um movimento de acomodação do setor de biodiesel dentro da normalidade do mercado. “A tendência é que a margem das usinas não seja mais de dezenas de centavos, como costumava ser. Daqui para frente o setor precisa aprender a trabalhar com margens de alguns centavos, normais para o setor de combustíveis. Ganha quem conseguir melhor preço de matéria-prima e tiver mais eficiência industrial e administrativa”, comentou Vedana.

Para as usinas, a explicação para essa queda foram os alarmantes níveis de ociosidade que afligem as usinas há alguns meses. Segundo a ANP, a capacidade instalada da indústria está na casa de 5,5 bilhões de litros por ano para um mercado que absorve menos de 2,5 bilhões de litros. É bem o tipo de situação na qual a lei da oferta e da demanda deveria fazer sentir sua força.

O setor parece estar próximo de seu ponto de saturação conforme o ciclo de ampliações das usinas se completa. É o que acha Paulo Mendes. “Tem um ditado do mundo empresarial que diz: ‘Prejuízo pouco também pode ser lucro’. Os empresários estão investindo e acaba chegando o momento em que eles não podem mais ficar à espera de mercado, mas precisam botar as usinas para funcionar”, alerta.

Contudo, é preciso ter em mente que esse nível de sobrecapacidade tem sido a regra durante praticamente toda a história do PNPB e isso nunca havia afetado os preços de maneira tão aguda. “A capacidade instalada está alta, logo é possível que a competição tenha feito os preços caírem. Porém, também é verdade que o mercado já tinha esse problema e sempre teve deságios pequenos”, pondera Osmar Sanches, que acompanha o mercado de biodiesel para a Lafis Consultoria. Sanches acertou na mosca, e o 20º leilão, realizado apenas três meses depois do 19º, mostrou que realmente a lei da oferta e demanda de biodiesel não faz muito sentido nesse mercado. No certame realizado no final de novembro a oferta cresceu significativamente, a demanda caiu e as negociações quase não aconteceram (veja mais na página 46).

Agora, se a dinâmica comercial do setor acabar levando mesmo a margens de lucro mais estreitas e a disputas por ganhos em quantidade, então o futuro está às portas e o leilão 19 foi uma prévia dos primeiros passos de um processo de consolidação de mercado. “Eu não acho que esse tenha sido o objetivo desse movimento, mas colocar os preços nesse patamar pode ter o efeito acidental de tirar as empresas menos competitivas do mercado”, analisa Sanches.

Um sinal de para onde a ANP espera que o setor caminhe foi dado em 27 de outubro, quando a agência fixou o valor de referência para o 20º leilão em R$ 2,12 por litro. A gritaria foi tão generalizada que a ANP precisou recuar e, em 12 de novembro, subiu o valor de referência para R$ 2,32.

A consolidação que parecia iminente foi postergada com o resultado do 20º leilão. Até quando não dá para saber, mas o preço máximo dos leilões terá papel decisivo nessa questão.


Mistura obrigatória

Há aqui uma situação que pode se tornar volátil e intoxicar todo o PNPB. A essa altura, não deve ter escapado a ninguém a coincidência do biodiesel mais barato ter chegado justo quando os produtores estão empenhados em fazer com que o governo se comprometa com um novo cronograma de aumentos na mistura obrigatória – a atual luta da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio) é emplacar um cronograma para a adoção do B20 dentro de dez anos.

À primeira vista, baratear o biodiesel pode parecer um argumento forte para convencer um governo em final de mandato a topar o incremento, mas não seria nada bom para a imagem do setor se os preços voltassem a subir assim que as indústrias conseguissem o que desejam. “Seria um tiro no pé se o programa acelerasse por causa do preço e isso acabasse se mostrando um blefe. As próximas etapas do processo poderiam levar muito mais tempo porque a indústria perderia credibilidade”, comenta Osmar Sanches, da Lafis Consultoria.

O diretor da Fertibom e vice- -presidente técnico da Ubrabio, Geraldo Martins, nega terminantemente a idéia de que os preços do 19º leilão tenham qualquer coisa a ver com a mistura obrigatória e aponta para o recente estudo que a Fundação Getúlio Vargas (FGV) publicou no dia 26 de outubro. Entre os dados da pesquisa, há uma projeção – feita pelo Instituto Brasileiro de Economia, que também calcula o IGP-M – de que o impacto inflacionário gerado pela adoção do B20 ficaria entre 0,00021 e 0,00034 ponto percentual ao ano. “A conclusão foi que o biodiesel não tem impacto inflacionário importante. Por isso, eu não vejo por que os produtores baixariam seus preços e aumentariam a insegurança do setor para tentar acelerar o processo e influenciar o marco”, assegura. O estudo da FGV faz a ressalva de que esses valores tratam apenas do impacto direto. “É razoável esperar que o efeito na inflação seja superior”, especialmente se houver alta de preço com aumento da demanda, conclui a fundação.

“Temos que encarar o programa do biodiesel com realismo. No médio prazo, quando os arranjos produtivos estiverem estabelecidos, nós até seremos competitivos em relação ao diesel, mas isso não é para já. No momento, precisamos nos concentrar nos benefícios do biodiesel em termos de saúde pública, meio ambiente, balanços de pagamentos e geração de emprego. Isso tudo é tão grande que eu não vejo por que precisaríamos nos arriscar a criar uma situação artificial”, arremata Martins.