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Biodiesel: Brasil 0 X 2 Argentina


Edição de Dez 2010 / Jan 2011 - 15 dez 2010 - 10:11 - Última atualização em: 19 jan 2012 - 11:14
Alice Duarte, de Curitiba

A indústria brasileira de biodiesel vem se expandindo num ritmo acelerado e clama por um novo marco regulatório que dê um novo horizonte para o setor. Enquanto isso, logo ao lado, a Argentina se consolida como principal exportadora do produto e ultrapassa o Brasil na mistura obrigatória de biodiesel no diesel, hoje em 7% e, apesar dos problemas, deve chegar a 10% em 2011. Aqui, o assunto exportação foi deixado de lado. Tanto as indústrias quanto o governo demonstram estar muito mais interessados em encontrar maneiras de expandir o mercado doméstico do que em ampliar os horizontes e transformar o mundo em seu mercado.

A indústria de biodiesel na Argentina nasceu pela mão das exportações quando o país ainda não tinha a obrigatoriedade de misturar o biodiesel no diesel. Os argentinos aproveitaram o alto valor do petróleo, o câmbio interno favorável e as reduções de impostos de exportação para conquistar o mercado externo e se tornar em 2009 o principal exportador do produto. Segundo a Associação Argentina de Biocombustíveis e Hidrogênio (AABH), até o final deste ano a indústria pode praticamente dobrar a sua produção em relação ao ano passado, passando de 1,36 bilhão para 2,27 bilhões de litros. A previsão é que as exportações este ano aumentem 36% e atinjam 1,7 bilhão de litros.

No Brasil, a exportação de biodiesel é liberada, mas a moeda valorizada e a falta de incentivos à exportação de produtos com alto valor agregado deixam o produto nacional muito menos competitivo internacionalmente. Em setembro, mesmo com o deságio recorde no 19º leilão, o litro do biodiesel, na porta da usina, ainda custava 30% mais caro no Brasil que o produto argentino (veja Box).

A maior diferença na política tributária dos dois países está nas operações de exportação. Ao contrário do que ocorre na Argentina, a exportação em si não é tributada no Brasil. Isso deveria ser uma vantagem, mas acaba não sendo. Desde 1996 a Lei Kandir isenta do pagamento de ICMS os produtos e serviços destinados à exportação. Além do ICMS dos Estados, outros tributos indiretos que incidem antes da exportação, como PIS, Cofins e IPI (federais), também são recuperáveis e geram um crédito para as empresas. O problema é a dificuldade e a demora que elas têm para receber do governo federal e estadual o ressarcimento total desses impostos. A Receita tem até cinco anos para devolver os créditos acumulados, e nesse intervalo as empresas comprometem seu capital de giro. Isso impõe às exportações brasileiras um custo não existente em outros países, resultando na perda de competitividade. A solução para os créditos tributários acumulados – tanto de PIS e Cofins quanto de ICMS – só virá com uma reforma tributária.

A Lei Kandir também eliminou o Diferencial Tributário de Exportação (DTE), que, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegerais (Abiove), “compensava o efeito danoso da escalada tarifária no mercado internacional”. Isso quebrou a isonomia com a Argentina, que mantém até hoje o DTE, chamado por lá de “retenciones”. No país vizinho, os impostos sobre a exportação de um produto processado, como farelo, óleo de soja e o próprio biodiesel, são menores que os dos produtos sem nenhum beneficiamento, como a soja em grão; o imposto sobre o grão é de 35%, contra 32% para o farelo e o óleo de soja e 20% para o biodiesel. Considerando os reembolsos, o imposto sobre o biodiesel pode baixar para cerca de 14,5%. Assim como no Brasil, o governo também demora para ressarcir as usinas.

“Existe um incentivo econômico para estabelecer uma indústria de produtos com maior valor agregado, com o objetivo de gerar novas exportações, mais renda para a indústria nacional e criar novas fontes de emprego e arrecadação para o governo”, diz o presidente da Câmara Argentina de Energias Renováveis (Cader), Carlos St. James.

Em agosto último, um projeto de lei na Argentina causou polêmica ao propor aumentar o imposto de exportação. A medida logo provocou reação das esmagadoras de soja, que são as maiores produtoras de biodiesel.

Segundo a proposta, a exportação de biodiesel passaria a ser tributada em 27% em vez dos atuais 20%, o que ameaçaria a competitividade do produto no mercado externo. “Estamos lutando fortemente contra o incremento dos impostos. Não acreditamos que isso aconteça, já que deixaria de ser economicamente viável exportar biodiesel e na Argentina este é um negócio que movimenta U$S 1,5 bilhão ao ano”, diz St. James.

O presidente da Cader acredita no aumento das exportações argentinas e não vê concorrente à altura. “Há por sorte muita demanda mundial por biodiesel e poucos países podem fazê-lo sem subsídios. O mercado americano foi derrubado quando foram tirados os subsídios. A Malásia tem uma matéria-prima que não é muito aceita na Europa ou na Austrália. E a indústria brasileira é composta de muitas usinas que estão longe dos portos”, analisa St. James.