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Biodiesel marítimo sob suspeita


BiodieselBR.com - 23 jul 2009 - 14:55 - Última atualização em: 19 dez 2011 - 17:52
A suspensão da obrigatoriedade do uso de biodiesel no transporte aquaviário está abrindo caminho para fraudes na comercialização de diesel no país

Por Rosiane Correia de Freitas, de Curitiba

Todo o diesel vendido hoje no Brasil possui 4% de biodiesel certo? Errado! Esta regra vale apenas para o diesel metropolitano e interiorano.

O diesel aquaviário ficou de fora. E esta decisão do governo federal de adiar a obrigatoriedade da mistura do biodiesel no diesel marítimo está causando polêmica no país. Representantes dos revendedores de combustíveis dizem que a medida possibilita a existência de uma fraude que prejudica tanto o comércio quanto o meio ambiente. Trata-se da venda de diesel aquaviário para uso terrestre.

A origem do problema está na diferença de preços entre os diferentes tipos de diesel existentes no Brasil. Por lei, há exigências diferentes de qualidade em relação ao combustível, dependendo do tipo de uso que ele irá ter. A principal delas está na quantidade de enxofre permitida em cada caso.

O diesel mais limpo e, portanto, mais caro, é aquele vendido nas regiões metropolitanas das grandes cidades brasileiras. O objetivo do governo com essa distinção é combater a poluição em áreas de grande aglomeração urbana. A lei brasileira, porém, é menos rigorosa com o diesel chamado “interiorano”, que só pode ser vendido fora das áreas metropolitanas e que pode ter um teor de enxofre maior. Por conseqüência, trata-se de um combustível mais poluente – e mais barato.

A própria existência de dois tipos diferentes de diesel já vinha sendo criticada por permitir a ocorrência de desvios: como há diferença de preços entre os dois tipos de combustível rodoviário, há quem se arrisque a vender o diesel interiorano em áreas proibidas. E quem vende o combustível correto reclama que vê a sua margem de lucro reduzida pela metade.

Um outro tipo definido na regulamentação nacional é o diesel para uso marítimo. E foi esse gênero que ganhou nova regra no ano passado, quando o governo atendeu aos pedidos do setor e suspendeu até 2011 a exigência de biodiesel para o transporte aquaviário em todo o país. A alegação é de que as embarcações estrangeiras também se abastecem com combustível nacional quando chegam aqui e, portanto, haveria a necessidade de seguir normas internacionais.

“O problema é que isso criou uma diferença de preço grande entre os combustíveis”, explica Mário Melo, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis no Estado do Pará (Sindepa). A situação é agravada ainda pelo fato de o diesel aquaviário ter incentivos fiscais em alguns casos, como no uso para o setor pesqueiro. De acordo com cálculos da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), isso pode deixar o diesel aquaviário até 22,5% mais barato do que o usado nas rodovias.

Segundo as contas de quem acompanha o setor, em média o diesel aquaviário está hoje cerca de cinco centavos de real por litro mais barato do que o metropolitano, mas a diferença pode chegar a sete centavos. Melo tem sido uma das principais vozes a denunciar o problema, e existe uma razão para isso. No Pará, a chance de irregularidades é muito maior. “No nosso Estado, a principal rodovia são os rios”, afirma o presidente do sindicato.

De acordo com ele, os dados da pesquisa de não-conformidade realizada trimestralmente pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que a fraude pode já ser uma realidade no Estado. “Se você pegar uma pesquisa da região de Belém, por exemplo, mostrando os dados relativos ao diesel, vai ver que os principais problemas de não-conformidade estão ligados a corante, teor de enxofre e ponto de fulgor. Só os problemas com corante têm representado 90% do total de não-conformidades em Belém. São todos elementos que mostram que pode se tratar de diesel aquaviário sendo vendido no lugar do diesel para caminhões”, afirma.

“Além de se tratar de uma competição desleal, há o problema ambiental, que não pode ser esquecido, já que está sendo usado um combustível mais poluente nas áreas urbanas. E ainda há a sonegação: é menos ICMS para o Estado”, diz o presidente da entidade.

Preocupada com o problema, a Fecombustíveis afirma já ter procurado a ANP para que algumas medidas de contenção sejam tomadas para evitar a fraude. Uma das sugestões seria o uso de um novo corante para diferenciar o diesel marítimo do diesel rodoviário. Hoje, o diesel marítimo é marcado pela cor vermelha, mesma usada para identificar o combustível de maior teor de enxofre nas rodovias, o que dificulta a fiscalização.

“Acreditamos que o problema pode ser facilmente resolvido pela ANP”, afirma Roberto Horn, diretor de abastecimento e regulamentação do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom). “A agência tem controle sobre a quantidade de diesel marítimo que é vendido no Brasil. Se houver um aumento súbito da venda, é necessário desconfiar, até porque não há motivos para crer que haja um aumento grande e repentino da frota de barcos no país”, diz.

S-50
A preocupação do mercado é ainda maior devido à nova regulamentação em vigor para o diesel metropolitano. Um acordo fechado no ano passado obriga a venda de um diesel metropolitano ainda mais limpo em algumas áreas do país. É o S-50, que contém apenas 50 partes por milhão de enxofre.

Desde o início de maio, o S-50 é o único que pode ser vendido em postos das regiões de Recife, Fortaleza e Belém. Antes, era usado apenas por ônibus de São Paulo e Rio de Janeiro. Conforme cronograma aprovado pelo Ministério Público Federal (MPF), em agosto o S-50 chegará à frota de ônibus de Curitiba e, em janeiro de 2010, abastecerá os coletivos de Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e cidades da Região Metropolitana de São Paulo.

No restante do Brasil, o diesel metropolitano vendido é o S-500, com 500 partes de enxofre por milhão. O diesel interiorano, assim como o marítimo, tem um grau de poluição muito maior: são 2.000 partes de enxofre por milhão. A regulamentação que obriga a venda de um diesel mais limpo vai causar uma nova mudança de preço e estimular ainda mais as fraudes nas regiões onde o S-50 se tornou obrigatório, na opinião de quem representa os revendedores.

Procurada pela reportagem, a ANP respondeu por meio de nota: “Até o momento, o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis da ANP não identificou alterações nos índices de não-conformidade do produto. O programa é uma importante ferramenta usada para detectar problemas de não-conformidade nos combustíveis como, por exemplo, se o diesel metropolitano comercializado nos postos revendedores apresenta características de diesel marítimo ou se o produto contém o percentual de biodiesel determinado pelo governo em sua composição”. A nota encerra afirmando que, de qualquer forma, a ANP está apurando as denúncias para, se necessário, tomar as medidas cabíveis.