Coluna: Enxofre no diesel
Paralelamente ao aumento
do teor de biodiesel no diesel
(B3 para B4), os noticiários
foram invadidos por
discussões sobre outro relevante
aspecto dos combustíveis, o teor
de enxofre. Estima-se que, apenas
no diesel, mais de 40 mil toneladas
de enxofre sejam emitidas para a
atmosfera anualmente no Brasil.
Na verdade, esse enxofre é
queimado junto com os hidrocarbonetos
do diesel, produzindo
mais de 80 mil toneladas de SOx/
ano. Esses gases (SO2, SO3), em
contato com a umidade de nossa
pele e nosso sistema respiratório,
produzem nada menos que o ácido
sulfúrico (H2SO4). Alguns gases,
como o monóxido de carbono
(CO), são mais leves que o ar e
sobem rapidamente
pela atmosfera. Esse
não é o caso dos
SOx, que são mais
pesados que o ar e
permanecem por
muito mais tempo
em contato com a
superfície. A chuva
ácida assim gerada
não destrói apenas florestas; causa
inúmeros problemas na epiderme
e destrói o trato respiratório. Mais
do que uma questão ideológica ou
ambientalista é um caso de saúde
pública. Aquela sensação de queimação
que sentimos ao receber a
fumaça de escapamentos de caminhões
e ônibus não é à toa.
Infelizmente não há como
se andar com uma redoma alcalina
blindando nosso corpo dessa
agressão. A solução é eliminar o
enxofre do diesel. Enquanto no
Brasil o teor de enxofre no diesel
varia de 500 ppm nas regiões metropolitanas
a 1800 ppm no resto
do Brasil, Europa, EUA e Japão
adotam um máximo de 50, 15 ou
10 ppm, dependendo do país. Significa
dizer que a concentração de
enxofre no diesel brasileiro é até
cem vezes maior que a média dos
países desenvolvidos. Sem falar
que outros países latinos, como o
México, há anos utilizam menos
de 50 ppm. O Chile, que nem é
um grande produtor de petróleo,
desde 2005 utiliza
50 ppm de enxofre
no diesel. Por mais
que reconheçamos
o esforço recente da
Petrobras em importar
diesel S-50
(50 ppm de enxofre)
para algumas frotas
em regiões metropolitanas,
trata-se de um atraso
injustificável.
Parte da responsabilidade
deve-se à ANP, que possui o papel
de estabelecer padrões de qualidade,
sobretudo por existir resolução
do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama) sobre
esse assunto desde 2002 (resolução
315). O mais surpreendente é
a atitude da Associação Nacional
dos Fabricantes de Veículos Automotores
(Anfavea), ao dizer que os
veículos nacionais não estão preparados
para receber um diesel de
baixo enxofre pela baixa lubricidade
resultante. De fato, os sistemas
de injeção por bombas rotativas
necessitam de alta lubricidade
advinda do próprio combustível,
e não apenas do óleo do cárter.
Todavia, ignora-se a existência de
aditivos promotores de lubricidade
comercializados por várias
empresas nos países que utilizam
S-50, S-15 e menores concentrações
de enxofre. Além disso, sabidamente
o biodiesel aumenta a
lubricidade do diesel. Trata-se de
uma razão concreta e urgente que
justifica teores de biodiesel no diesel
maiores que os 4% anunciados
para os próximos meses.
A exemplo do que ocorre há
décadas com o álcool, os postos
de combustíveis deveriam prover
a sociedade com a alternativa do
biodiesel puro (B100) nas bombas.
Melhor para a saúde das pessoas,
melhor para a saúde do motor.
Em tempo, o teor de enxofre
no biodiesel é ZERO. Uma forma
elegante de sairmos da vergonhosa
posição de país que mais emite
SOx nas Américas.
Donato Aranda é professor de engenharia química da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e possui o título de comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico.