Ameaça - Biodiesel na Amazônia
Mas o plantio do dendê não pode degradar ainda mais a floresta ao invés de recuperá-la? Esse risco existe, mas tudo depende da forma com que forem implantados os projetos de cultivo. As ONGs ambientais temem um cenário parecido ao da Malásia e da Indonésia (líderes mundiais na produção da oleaginosa), que desmataram milhões de hectares para implantar a monocultura, ameaçando os orangotangos de extinção. Na Indonésia, por exemplo, 28 milhões de hectares da floresta foram derrubados desde 1990 com esse fim, segundo o Programa para Meio Ambiente das Nações Unidas.
A grande diferença que aconteceria no Brasil é que o dendê seria plantado apenas em áreas já degradadas, conforme acordo dos ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Meio Ambiente, Carlos Minc. Mas para as ONGs, que defendem a recuperação dessas áreas só com espécies nativas, o dendê poderia virar uma monocultura e não cumprir o papel de recuperação da biodiversidade (o dendê é uma espécie exótica original da África, que chegou à Amazônia na década de 50 e à Bahia no século 18). No coro dos ambientalistas está a senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que acha que iniciativas como essa acabam premiando as pessoas que praticaram o desmatamento.
Ao que parece, as brigas entre os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura ficaram no passado. “A idéia de recuperar áreas degradadas só com espécies nativas é mais interessante para a biodiversidade, mas não tem estímulo econômico”, disse Minc à Folha Online.
A saída para o impasse seriam os regimes consorciados de produção. Estudos realizados pela Embrapa, por exemplo, sugerem a consorciação do dendê com culturas como feijão, arroz, mandioca, banana, mamão e abacaxi. Esses produtos garantiriam a sobrevivência dos agricultores enquanto o dendezeiro não dá frutos, o que acontece após dois anos e meio ou, no máximo, três anos após o plantio. A vantagem é que, após esse período, o dendezeiro gera cachos o ano inteiro, com três colheitas realizadas por mês, e se mantém produtivo por 25 anos.
O diretor-executivo da ONG Conservação Estratégica, Marcos Amend, considera que é preciso ter muito cuidado ao implantar qualquer tipo de projeto do gênero: “A agricultura familiar é razoavelmente amigável com as questões ambientais, mas implica num custo alto por manter a produção muito pulverizada, o que também pode implicar em instabilidade. A agricultura tradicional pode causar impactos ambientais mais significativos, além de ter uma forte tendência para a concentração de renda e potencialização de conflitos fundiários”, diz. Ele chama a atenção para a questão da infra-estrutura. “Sabe-se que projetos de infra-estrutura na Amazônia são os que mais promovem desmatamento. A região tem um equilíbrio ambiental, social e econômico bastante frágil. Me preocupa muito a pressa do governo em promover um cultivo como esse sem que haja pesquisa adequada, engajamento dos atores sociais locais e um estudo sério de viabilidade econômica”, alerta.
Muitas ONGs ainda temem que os moradores da região sejam expulsos das suas terras ou que sejam explorados pelas grandes empresas que por lá se instalarem. Mas isso pode ser evitado se os habitantes da floresta se beneficiarem do cultivo como agricultores ou como empregados das usinas de extração do óleo. “O dendê proporcionaria uma boa geração de renda familiar e o povo da Amazônia precisa ter um padrão de vida digno”, argumenta o senador João Pedro, do PT do Amazonas, um dos grandes defensores do cultivo do dendê na região.
Já é possível ter uma idéia do que o senador quer dizer observando o exemplo da Agropalma no Pará, que produz biodiesel a partir do dendê. Cada família que planta a palmácea e fornece para a usina pode ganhar até R$ 30 mil por ano, segundo o coordenador do Programa de Biodiesel pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, Arnoldo Campos. “É uma renda excepcional. Essas famílias têm contratos de venda de 25 anos firmados com a empresa, que ainda fornece a elas assistência técnica”. Segundo Campos, 200 famílias cultivam dendê na Amazônia – e todas elas são fornecedoras da Agropalma, que por conta disso possui o Selo Combustível Social. “A palma ainda é uma gota em um oceano”, comenta.
E novos projetos estão surgindo. De acordo com Campos, a Petrobras está estudando a possibilidade de produzir dendê na Amazônia em parceria com a estatal portuguesa Galp. Segundo ele, também há uma empresa do Sul do país, cujo nome ele preferiu não revelar, estudando essa possibilidade. E a Biopalma, de capital canadense, já está implantando o seu projeto de cultivo de dendê no Pará, embora por enquanto não tenha planos de produzir biodiesel.