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Entrevista: Ricardo Dornelles


Edição de Abr / Mai 2008 - 15 abr 2008 - 10:30 - Última atualização em: 20 dez 2012 - 15:19
O diretor do Departamento de Energias Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Ricardo de Gusmão Dornelles, fala sobre as dificuldades na criação do programa de biodiesel, do atual momento que vive o setor e o que esperar para o futuro.

Miguel Angelo Simczak Vedana, de Curitiba

Ricardo de Gusmão Dornelles está envolvido com o biodiesel desde os preparativos para o lançamento do Programa Brasileiro de Produção e Uso de Biodiesel, em 2003, e completou em janeiro dois anos à frente da diretoria do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia.

Sua trajetória pelo biodiesel foi movimentada e repleta de desafios, como “um programa dessa magnitude não se constrói perfeito” muitos ajustes ainda estão sendo feitos. Dornelles mostra como o Brasil chegou a 2008 em condições de ser um dos três maiores produtores de biodiesel do mundo, fala sobre a mamona e o pinhão-manso e reconhece as dificuldades por que passa o setor, mas afirma que o mercado deve pensar no longo prazo.

Revista Biodieselbr - O senhor assumiu o Departamento de Energias Renováveis em janeiro de 2005. Como foi essa ida às energias renováveis?
Ricardo Dornelles - Na verdade eu estou aqui no ministério já há bastante tempo, desde 1996. Ao longo desse período eu sempre cuidei da parte de combustíveis e lidei muito com o álcool, o combustível renovável que existia na época. E quando se começou a discutir o programa de biodiesel em 2003, fiz parte do primeiro grupo de trabalho interministerial para avaliar a possibilidade de utilização de biodiesel como insumo energético. Então, de fato, eu estou acompanhando o programa desde o seu nascimento. A nomeação para o cargo de diretor veio em 2005, quando foi aprovado o novo organograma do Ministério de Minas e Energia, e com a criação do departamento, deu-se corpo à Secretaria de Petróleo, Gás e Combustíveis Renováveis.

Revista Biodieselbr - Quais foram os maiores desafios no início do programa de biodiesel?
Ricardo Dornelles - O primeiro grande desafio foi ordenar todas as ações de governo no nível interministerial para a concepção de um único objetivo. Logo após a conclusão do relatório do grupo de trabalho foram criadas a Comissão Executiva Interministerial, coordenada pela casa civil, e o Grupo Gestor de Biodiesel, que é o órgão encarregado de dar seqüência às diretrizes da comissão executiva. O Ministério de Minas e Energia, como membro da comissão executiva, coordena o grupo gestor. Então faziam parte dessa estrutura 12 ministérios mais Embrapa, ANP, BNDES, Petrobras e outros. Coordenar essas atividades foi um trabalho árduo.

Revista Biodieselbr - E depois do lançamento do programa?
Ricardo Dornelles - A primeira dificuldade é que não havia indústrias de biodiesel e a lei estabeleceu o prazo de 2% para 2008. Então precisávamos criar um mecanismo de fomento para instalação dessas cadeias produtivas. E aí surgiu a sistemática dos leilões, que tiveram o foco de fomentar e estimular a criação da cadeia produtiva, incentivar as indústrias para se instalarem, negociarem com os fornecedores agrícolas e obter as matérias-primas. Depois dessa primeira dificuldade resolvida com os leilões, tivemos alguma dificuldade com a falta de adesão da distribuição e venda na rede de postos, que não era obrigatória nessa primeira etapa. Ao longo de 2007, nem todas as distribuidoras estavam operando com o biodiesel, o que trouxe alguns problemas operacionais no fluxo do escoamento das produções. Mas em uma ação do governo com a Petrobras, a BR e com as próprias distribuidoras, evoluiu-se um pouco na segunda metade de 2007. Foi um corpo-a-corpo que surtiu o efeito desejado. A partir de janeiro de 2008 nós tivemos a confirmação de que as providências tomadas foram de fato suficientes: o Brasil teve seu suprimento de diesel com biodiesel regularmente abastecido e suprido em todo o território nacional.

Revista Biodieselbr - Mas no começo do ano surgiram notícias de desabastecimento de biodiesel em algumas regiões.
Ricardo Dornelles - De fato tivemos algumas notícias esporádicas de falta de produto em alguma região, mas muito localizada em algum ponto da rede. Não havia um desabastecimento da região. Havia um posto ou uma rede de postos que estavam sem produtos, mas as demais distribuidoras que atendem aquela região tinham, então não houve nenhum problema.

Revista Biodieselbr - Em razão dos leilões da ANP do final do ano passado, o preço do biodiesel nesse semestre está muito baixo e as usinas têm reclamado. Como o governo vê essa situação?
Ricardo Dornelles - No leilão passado, cujas entregas estão em curso, o preço estabelecido foi R$ 2,40 e houve um deságio de 22%. O próprio setor produtor apresentou um deságio grande, que levou o preço médio para R$ 1,86, além do aumento do custo do óleo de soja. O governo reconhece que esses dois fatos, o deságio muito grande e a elevação muito grande da matéria-prima, colocaram o setor numa situação muito apertada. Mas havia previsão no contrato de que no preço estariam incluídos todos os custos, inclusive de hedge. Havia uma regra estabelecida e clara. Este primeiro semestre é uma época de dificuldade, mas não se pode pensar no mercado de energia de curto prazo. O mercado de energia é de médio e longo prazo. Acho que ninguém está entrando num negócio desse porte pensando em dois, três ou seis meses. Pensa em entrar para ficar no negócio.

Revista Biodieselbr - Hoje a capacidade instalada das usinas é de mais de 2,7 bilhões de litros e o volume de biodiesel obrigatório agora com o B3, é menos da metade disso. Como ficam as usinas que estão sobrando?
Ricardo Dornelles - Todo mercado tem risco e o governo não poderia, por exemplo, estabelecer um regime de restrição à entrada no mercado, autorizando plantas de biodiesel até atingir certa capacidade e deixando de fora aquelas que chegassem depois. Isso inibe a concorrência. Então há um risco, mas com a obrigatoriedade o governo criou um mercado cativo, que talvez seja a melhor segurança para o investidor.

Revista Biodieselbr - Os leilões de biodiesel têm previsão para continuar?
Ricardo Dornelles - Isso não está ainda em discussão. O que nós discutimos é o que vamos fazer em 2008. Estamos permanentemente monitorando o que está sendo feito, o que foi implementado e quais são os resultados. Essa discussão dos leilões nós vamos fazer ao longo do segundo semestre de 2008.

Revista Biodieselbr - Quais são as perspectivas para o pinhão-manso?
Ricardo Dornelles - O pinhão-manso é um tema controverso. É uma planta de excelente potencial que pode vir a se tornar uma cultura relevante na produção de biodiesel. Ela tem a vantagem de ser uma planta perene, com teor de óleo bastante considerável e adaptável a diversos tipos de clima e solo. Ninguém duvida disso. A controvérsia é se hoje já há conhecimento para plantação em larga escala. Uma linha mais conser vadora diz que não temos e precisamos aprimorar a variedade genética, o controle de pragas e tudo mais para suportar o programa de energia. E outra, que é mais vanguardista, acha que já há condições de se iniciar todo esse desenvolvimento. Eu não sou especialista agrícola, mas acredito que deve-se ter um pouco de cautela.

Revista Biodieselbr - A mamona também é um tema controverso. Essa oleaginosa foi uma aposta equivocada do governo no início do programa?
Ricardo Dornelles -
Não foi equivocada antes e não é equivocada agora. Na região Nordeste, na grande região do semi-árido, uma das regiões mais pobres do país, a cultura que se tem o mínimo de conhecimento, que pode crescer e produzir é a mamona. Fala-se muito que o óleo de mamona é especial e vale U$1500 a tonelada, mas é um mercado extremamente pequeno e muito suscetível a variações de oferta e demanda. A mamona era, na época, a cultura com maior potencial de utilização produtiva no semi-árido. Certamente surgirão alternativas. O pinhãomanso tem potencial para ser uma matéria-prima de larga utilização na região do semi-árido, pois tem as mesmas qualidades de baixo requerimento de água. É uma planta rústica e com custos menores do que a mamona. Portanto não houve nenhum equívoco com a mamona.

Revista Biodieselbr - Em março saiu uma nova especificação para o biodiesel, alterando a resolução 42 da ANP. E em breve a resolução 41, que trata das atividades das usinas, também deve mudar. Esses são ajustes que o programa está fazendo para se adequar às necessidades?
Ricardo Dornelles - Claro. Um programa dessa magnitude não se constrói perfeito da noite para o dia. Requer aprimoramento. A ANP 42 original instruía anotar para diversos itens da especificação, por que ela não tinha ainda um dado concreto para colocar. Precisou de experiência para nessa revisão fixar e ajustar melhor os parâmetros. Se a especificação fechada de hoje fosse lançada três anos atrás, nós estaríamos sem biodiesel até o momento. A mesma coisa vale para a resolução 41. Optamos por fazer uma resolução mais flexível, para que o processo de obtenção de autorização fosse mais fácil. Essa resolução vai ser alterada para criar obrigações um pouco mais firmes. São aprimoramentos que se fazem necessários exatamente para que esse seja um mercado salutar.

Revista Biodieselbr - Como a entrada da Petrobras na produção de biodiesel pode mudar o mercado? Vai ser um fator novo com que as usinas terão que lidar.
Ricardo Dornelles - É o mercado. As condições são às vezes um pouco mais cruéis do que se pode imaginar. Acho que é um avanço do ponto de vista de maturação no mercado. A Petrobras não vai plantar oleaginosas, não é esse o negócio dela. Ela certamente oferecerá uma oportunidade segura para as etapas que precedem a fabricação de biodiesel. E vai disputar esse mercado comempresa regulada pela ANP, atuando no mercado nas mesmas condições e regras que as outras unidades. É um concorrente adicional e não deixa de ser um nome para a abertura dos mercados internacionais. Um nome ajuda.

Revista Biodieselbr - Essa entrada da Petrobras pode antecipar o aumento de misturas de biodiesel no diesel, já que poderá trazer segurança no abastecimento do biodiesel?
Ricardo Dornelles - O governo tem bastante segurança na condição de abastecimento. As unidades instaladas tem sido capazes de produzir. Nós estamos com esse problema de preços nesse primeiro semestre, mas o governo tem preocupação com a saúde das empresas. E elas estão mostrando ser capazes e habilitadas a produzir um biodiesel com qualidade e fornecimento regular. Certamente a Petrobras dará ainda mais solidez a isso.

Revista Biodieselbr - Como o consumo de diesel é muito maior que o de gasolina, a tendência é que o biodiesel acabe ultrapassando o álcool em termos de mercado?
Ricardo Dornelles - Esta é uma discussão para o futuro. Embora o Brasil tenha de 20 a 25% de álcool na mistura com a gasolina há muito tempo, ele não é uma realidade mundial ainda. Agora são os EUA que estão aderindo, e países da Europa começaram a utilizá-lo apenas como aditivo à gasolina. Já o biodiesel está nascendo em um período onde as preocupações com as questões climáticas e de segurança energética são maiores do que eram no passado. O mercado de biodiesel mundial está crescendo mais ou menos na mesma proporção que o mercado no Brasil está sendo criado. Esperamos que o biodiesel tenha uma participação mundial mais fácil do que tem sido com o álcool. Agora, se vamos fazer um B20 ou se vamos fazer o próprio B100, será preciso um tempo maior de maturação, também em função da indústria automobilística.

Revista Biodieselbr - O que dá mais trabalho no ministério: o álcool ou o biodiesel?
Ricardo Dornelles - É difícil comparar porque são dois mercados diferentes. Um já está maduro e o outro é nascente. Então você tem problemas distintos e soluções distintas. Mas não diria que dão trabalho. Acho que os dois dão muita satisfação.