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Etanol x Metanol: disputa inflamável


Edição de Fev / Mar 2008 - 15 fev 2008 - 14:26 - Última atualização em: 17 dez 2012 - 09:17



Uma interrogação simples, mas com potencial para decidir o destino de milhões de reais, tomou de assalto a indústria brasileira de biodiesel: etanol ou metanol? Para os leigos, pode parecer uma diferença mínima – apenas uma letra. Mas para quem entende do riscado, a rivalidade dá o que falar. Isso porque cada um dos componentes traz vantagens e riscos para aumentar a produção de biodiesel – um dos grandes desafios a que o Brasil se propôs neste início de século.

Para explicar a disputa em questão é recomendável falar primeiro das semelhanças entre etanol e metanol. Tanto um quanto o outro são compostos químicos da família dos álccois que podem ser utilizados na fabricação do biodiesel. Ambos estão entre os elementos básicos dos processos de produção do combustível verde – feito por meio de uma reação química chamada de transesterificação com a presença de um óleo (vegetal ou animal), um álcool (metanol ou etanol) e um catalisador.

Partindo agora para as diferenças, o metanol é obtido principalmente de fontes minerais. No Brasil, o gás metano – que vem em grande medida da Bolívia – tem muita importância para a produção desse álcool. As principais vantagens dele sobre o opositor são duas: uma cadeia química curta que permite uma reação mais fácil e eficiente e o fato de o maquinário importado das usinas brasileiras estar mais adaptado ao metanol do que ao etanol.

“As indústrias instaladas no Brasil são projetos ou pacotes tecnológicos oriundos de países onde é mais comum o uso do metanol”, explica Silvio Rangel, gerente de biodiesel da Barralcool. Ou seja, as indústrias estariam mais bem preparadas para o uso do álcool derivado do petróleo por importarem utensílios para a produção do combustível. “A tecnologia para fazer biodiesel pela rota metílica está consolidada em vários países que exportam o método há anos”, completa José Oswaldo Fernandes, diretor comercial da Prosint, empresa que atende os mercados de metanol do Sul, Sudeste e Centro- Oeste do país. E o metanol tem mais armas a seu favor. Na rota metílica, há possibilidade de uma retirada mais fácil da glicerina do produto final.

Por todos esses motivos, o metanol, de fato, está à frente na competição. “Acreditamos que 95% do biodiesel no Brasil é produzido pela rota metílica”, calcula Fernandes. O principal motivo da preferência é, sem dúvida, econômico. Ou seja, hoje no Brasil é mais barato produzir biodiesel a partir do álcool metílico. Diante de tal vantagem pode até parecer que o país já tomou sua decisão a favor do metanol. Guerra vencida? Ainda não. Tudo indica que se trata apenas da primeira batalha.

Made in Brasil

O etanol, embora hoje menos usado na transesterificação, também tem lá suas armas. O produto, de origem vegetal, tem grande disponibilidade no país. Ele é o mesmo utilizado em bebidas alcoólicas e que serve como base para o álcool combustível vendido nos postos de abastecimento Brasil afora. Por isso, já tem produção ampla o suficiente para atender também às usinas de biodiesel. E mais: é menos tóxico do que o metanol e é considerado ambientalmente mais correto, o que agrada muito do ponto de vista do marketing verde. Por fim, seu preço, ao contrário do que ocorre com o opositor, não depende das variações do mercado oscilante do petróleo.

Mas para conseguir ganhar a guerra, a missão do etanol, dizem os especialistas, é reduzir o custo operacional. Segundo o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marcos Benzecry, a competitivida-de depende diretamente do preço e das condições que a usina tem na aquisição produto. “Quem opera com etanol gasta mais produto. Para ser competitivo em relação ao metanol, o etanol precisaria ser em média 25% mais barato”, calcula. A opinião é compartilhada por José Oswaldo Fernandes: “O consumo específico do etanol é cerca de 40% maior e os investimentos e consumo de energia também são maiores que os necessários para o metanol”.

Por tudo isso, a competitividade do etanol, por enquanto, está ao alcance apenas das usinas que têm sua própria produção. “A utilização do etanol só vale a pena para quem tem o produto ao preço de custo”, explica Benzecry. Essa é exatamente a situação da empresa Barralcool, que produz o biodiesel a partir do etanol de fabricação própria. A usina é formatada para trabalhar tanto com etanol quanto com metanol, mas a preferência é pela rota etílica. “Entendemos que com o uso do etanol temos um produto final de melhor qualidade e ganho no aspecto ambiental, além de estarmos utilizando um produto de nossa fabricação”, revela Silvio Rangel, gerente de biodiesel da usina.

Quanto aos empecilhos técnicos para uma maior utilização do etanol no Brasil por conta da importação de tecnologia das usinas, há quem diga que a questão possa se resolver em médio prazo. “As empresas ainda estão no início da curva de aprendizagem do processo produtivo”, defende Rangel. “Mas com o avanço dessas tecnologias podemos superar alguns obstáculos na rota de produção com o etanol”.

Com toda a disponibilidade do álcool etílico no Brasil, não há necessidade de profetizar para saber que haverá cada vez maiores avanços na área. “Em função da vocação brasileira para a produção do álcool, é natural que as pesquisas avancem”, arremata Fernandes.

Usinas “flex”

Um aspecto que mostra que as usinas estão atentas a possíveis mudanças na rota utilizada para a produção de biodiesel é que grande parte delas assumiu o modelo “flex”. Ou seja, podem funcionar tanto à base de etanol quanto de metanol. É o caso das usinas da Brasil Ecodiesel e da Barralcool.

Para a Brasil Ecodiesel, o uso do metanol e do etanol é indiferente, já que suas fábricas são flexíveis. A questão central na hora de optar entre um ou outro reagente é o preço. “Acredito que tão logo os preços estejam competitivos, a rota natural será o etanol, devido ao seu balanço ambiental positivo, caráter renovável e por estar amplamentedisponível no Brasil”, adianta Ricardo Vianna, diretor financeiro da Brasil Ecodiesel.

A missão não será fácil. A dificuldade de se reduzir o preço do etanol é que ele já é uma commodity com valor definido no mercado e seu consumo é crescente. Com o aumento de veículos de passeio com motor flex e da porcentagem de álcool na gasolina, a demanda pelo combustível está em franca ascensão. “Este produto tem aplicações que aceitam pagar um preço melhor do que sua utilização para produção de biodiesel”, destaca Luis Cláudio Gaino, gerente comercial da Copenor, principal fornecedora de metanol para as regiões Norte e Nordeste.

O grande desafio para os players do setor de biodiesel é tornarem- se competitivos frente ao diesel mineral. Com relação a isso, Luis Cláudio Gaino alerta para duas questões que se contrapõem.

Por um lado, vale lembrar que as usinas estão atrás do melhor custo, já que as margens de lucro na produção são pequenas e há a necessidade de manter o preço do produto o mais próximo possível do diesel de petróleo. Essa primeira leitura favoreceria, hoje, o uso do metanol.

Por outro lado, o tipo de álcool usado não influencia tanto no custo final do produto. O fator fundamental é a obtenção de um óleo vegetal ou animal a custos bastante competitivos, já que a matéria-prima é que representa cerca de 70% do total do produto vendido. O tipo de álcool utilizado impactaria em cerca de 3% a 4% no custo final do biodiesel.

Desempate na logística

A disputa também tem outros aspectos a serem identificados. Para Fernandes, da Prosint, a questão da logística e da disponibilidade é essencial: “É preciso analisar caso a caso. Mas acredito que vários fatores podem pesar na decisão sobre qual rota utilizar como, por exemplo, a logística”. Nesse ponto, sem dúvida, o etanol sai na frente. “O Brasil produz etanol no estado da arte, com excelente qualidade e custo competitivo”, completa Fernandes. Além da qualidade do etanol, a disponibilidade dele no país também é um fator importante. “A produção brasileira poderia atender as empresas de biodiesel sem maiores problemas”, acredita Ricardo Vianna, diretor financeiro da Brasil Ecodiesel.

Para Luis Cláudio Gaino, mesmo que a demanda por biodiesel aumentasse, o país teria estoques suficientes de etanol para atender a todos. “Para se ter uma idéia, se todas as fábricas consumissem etanol e já estivesse autorizada a mistura de 5% no diesel mineral, haveria a necessidade de 380 mil metros cúbicos de etanol, o que representa apenas 2% da capacidade brasileira instalada”, calcula.

O argumento pelo meio ambiente também poderá ser decisivo para o futuro dos dois concorrentes. Apesar de o etanol aparecer constantemente com o apelo de álcool menos nocivo ao meio ambiente, ambos os concorrentes têm argumentos a seu favor. Por parte do etanol, o grande trunfo é que ele é produzido 100% a partir de biomassa, portanto renovável. Já a produção do metanol utiliza como matéria-prima, prioritariamente, o gás natural, que é de origem fóssil, mas pouco poluente.

Panorama

O futuro próximo não reserva ao uso do etanol na produção do biodiesel no Brasil nenhuma mudança drástica. Para Gaino, da Copenor, o panorama deve permanecer estável a curto e médio prazos com a manutenção do metanol como principal reagente nas usinas do país. “No Brasil e nos EUA há programas audaciosos para o aumento da produção de etanol, com melhoria da eficiência das usinas de açúcar e álcool e busca por outras matérias-primas, como por exemplo, fibras de celulose. Esses fatores poderão promover uma mudança na estrutura de custo de produção e melhorar a competitividade do etanol face ao metanol”, analisa.

Há também a possibilidade de diversificação do uso dos reagentes, o que daria flexibilidade aos produtores frente ao mercado. “Acredito que teremos uma diversificação do uso de vários tipos de óleo, bem como na utilização do álcool metílico ou etílico. O Brasil tem capacidade de fabricação de álcool etílico para toda a produção de biocombustível, se necessário”, arrisca Rangel, da Barralcool. “O etanol pode ocupar o lugar que o metanol ocupa hoje. É difícil dizer quando, mas vai depender de muito investimento em pesquisa, principalmente”, completa Fernandes, da Prosint.

Risco de apagão

A produção de metanol pode enfrentar um grande desafio neste ano. Se as previsões de uma crise energética no Brasil se realizarem, o país usará como recurso gerador de energia um ávido consumidor de gás natural (principal matéria- prima do metanol): as usinas termelétricas. Neste caso, o governo poderá acionar a pleno vapor as 20 usinas do gênero construídas justamente para evitar um novo apagão como o que afetou o país em 2001. O problema é que todas são movidas a gás natural e seu funcionamento demandaria 50 milhões de metros cúbicos de gás por dia. Atualmente, o consumo diário do país é de 45 milhões de metros cúbicos.

O Brasil é auto-suficiente na produção de petróleo, mas ainda depende da importação de gás natural. Atualmente, parte do gás que consumimos vem da Bolívia e outra parte é brasileira. No entanto, a capacidade produtiva local está no limite, bem como o gasoduto Brasil-Bolívia, cujos planos de expansão ainda não saíram do papel. O país tem reservas naturais para ampliar a produção interna, mas os investimentos são de longo prazo e não devem ter impacto imediato no mercado atual.

Apesar desse panorama pouco animador, vale ressaltar que o consumo interno aumentou com estímulo ao uso do GLP como combustível em veículos de passeio e utilitários e na produção de energia elétrica. O preço do metanol, no entanto, não deve sofrer alta no mercado interno mesmo que haja a perspectiva de falta de matéria-prima. “O preço é atrelado aos valores internacionais de gás natural”, diz Ricardo Vianna, diretor financeiro da Brasil Ecodiesel. Essa característica faz com que, mesmo importado, o metanol ainda seja mais barato que o etanol.