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Nasce uma potência


Edição de Dez / Jan 2008 - 14 dez 2007 - 17:12 - Última atualização em: 17 dez 2012 - 10:12
Grandes investimentos de grupos internacionais no setor de biodiesel no Brasil mostram que o país caminha a passos largos para se tornar uma referência mundial na produção do combustível verde.

Liliana Negrello e Luciana Zenti, de Curitiba

O biodiesel brasileiro está ganhando novos sotaques. De olho no potencial agrícola, diversas empresas estrangeiras já começaram a aterrissar em território nacional e planejam, nos próximos anos, alçar vôos cada vez mais altos. Na bagagem trazem tecnologia de ponta, uma quantia considerável de dólares e euros e a expectativa de que aqui esteja nascendo uma grande potência. A aposta já começou – e é alta. Exagero? Muitos grupos internacionais não parecem pensar assim e já concretizaram a construção de empreendimentos voltados à produção de biodiesel.

Há várias características que fazem do Brasil um local extremamente atraente ao capital estrangeiro nesse setor. A principal delas é a abundância de insumos. “Temos uma enorme vantagem competitiva gerada por uma elevada extensão territorial com aptidão agrícola, clima favorável e capacidade produtiva – somos hoje um dos maiores produtores mundiais de alguns dos grãos usados como matéria-prima”, opina Rui Pedro Ribeiro, CEO do Grupo Metacortex, empresa especializada em estruturação de usinas de etanol e biodiesel. “Fora isso, o país possui também produção de culturas de elevado rendimento, como o dendê”, completa. Se considerados os custos desde a plantação das oleaginosas até a distribuição do biodiesel, a matéria-prima é responsável por 60% a 80% do total de gastos da operação. Forte razão para aparecermos no cenário mundial como um verdadeiro oásis de oportunidades para quem quer apostar no combustível verde.

Mas nenhum fundo financeiro ou empresário sério investiria em um país somente por causa de seus belos campos. Há outros fatores preponderantes nesta equação. A estabilidade política e econômica e o grande mercado interno também são chamarizes essenciais na briga pelo capital internacional.

A aposta espanhola

Um dos investidores estrangeiros que chamam a atenção pelo tamanho da aposta é a CIE Automotive. A multinacional espanhola é uma das maiores produtoras de biodiesel da Europa, com usinas na Espanha e na Itália, e recentemente iniciou parcerias no país. Uma delas foi com a Bioauto, empresa na qual possui 50% de participação acionária e que tem sedes em Nova Mutum (MT) e Diadema (SP).

O interesse da gigante espanhola é explicado de forma direta. “É uma questão lógica”, afirma Walter Bottura Júnior, diretor da Bioauto em São Paulo. “O país está no foco dos investimentos de biocombustíveis. O Brasil é a bola da vez”, completa. Mesmo com fortes concorrentes na América do Sul e na África, para os espanhóis há vantagens que desempatam o jogo a nosso favor. “Temos uma economia em crescimento e uma estrutura melhor do que a da África, por exemplo”, explica Paulo Chagas, gerente de desenvolvimento da Biauto no Mato Grosso.

Em maio de 2008, começa a ser construída a usina de biodiesel da Bioauto em Diadema (SP). A produção se inicia em 2009, com óleo vegetal reaproveitado como matéria-prima. No Mato Grosso, o cronograma é semelhante. A usina deve ficar pronta no ano que vem e começar a produzir também em 2009. Por lá, a matéria-prima escolhida é o pinhão-manso. O valor do investimento é de R$62 milhões de reais. Desse total, R$30 milhões serão investidos na indústria e a outra metade na agricultura. Mas os planos da Bioauto não param por aí. “Nos próximos cinco anos temos o projeto de construir dez plantas no Brasil”, conta Chagas. “Talvez uma no Maranhão, outra em Minas Gerais e mais duas no Mato Grosso. As outras não têm local definido”, completa.

Embora não escondam os planos ambiciosos de novas usinas no país, os representantes da Bioauto não estão cegos a alguns pontos que ainda geram desconfiança nos investidores internacionais. “Poderíamos ter muito mais investimentos se houvesse uma infra-estrutura portuária e de estradas melhor”, dispara Bottura Júnior. Outro problema, segundo o diretor da Bioauto em São Paulo, é a alta tributação sofrida pelos empresários. Por fim, a queixa dos estrangeiros é a mesma dos brasileiros: os pequenos produtores não têm o preparo e a estrutura necessários para lidar com grandes empresas e se comprometer com resultados eficazes.

Quanto à destinação do combustível produzido por aqui, a Bioauto afirma que considera o mercado interno primordial neste momento. A idéia de exportar o combustível estaria prematura. “Tudo vai ser consumido dentro do Brasil, mesmo porque existem especificações européias que complicam a exportação”, afirma Chagas. “Se houver produção excedente, podemos até exportar. Mas não o biodiesel e sim o óleo de pinhão- -manso”, arremata.

A invasão das libras

Outra cifra estrangeira que entrou no país com grande força foi a libra esterlina dos ingleses. O fundo de investimentos Trading Emissions PLC (TEP) direcionou cerca de R$125 milhões para a construção de uma usina em Goiás. O perfil de investimentos do TEP é voltadoexclusivamente para unidades geradas por Mecanismos de Desenvolvimento Limpo: o fundo só negocia em commodities ambientais.

Quem deu as boas-vindas ao aporte inglês no Brasil foi a Bionasa, cujos proprietários atuam também no segmento de tabaco e produtos adoçantes para consumo humano e culinário. Segundo o presidente da empresa, Francisco Barreto, foram empregados dois anos de projetos na prancheta, com o auxílio de técnicos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para convencer o fundo internacional. “Para conseguir investimento externo, o empresário brasileiro precisa se cercar de bons profissionais e de um belo projeto, porque as exigências dos países estrangeiros não são poucas”, aponta.

Algumas nuances tornaram o projeto atrativo para o capital estrangeiro. Em primeiro lugar, a escolha do local. “Goiás tem condições de crescimento e absorção de necessidades de matéria-prima, além de contar com disponibilidade de mão-de- -obra”, comenta Barreto. “Além disso, o estado negociou incentivos fiscais e se mostrou receptivo à idéia”, completa. Outro ponto considerado positivo foi a facilidade de acesso aos transportes no local, já que o complexo da Bionasa está estrategicamente localizado próximo de um terminal da Ferrovia Norte-Sul – que deve entrar em operação em 2011 – e da rodovia Belém-Brasília.

Por fim, o tamanho da usina e a capacidade de gerar valor agregado também foram de fundamental importância. É o que garante que o capital investido vai gerar benefícios locais. “Nestes casos, como o componente mais importante para a produção – a matéria-prima – é conseguida no país, a maior parte da geração de valor também fica aqui”, explica Ribeiro, da Metacortex.

O complexo industrial da Bionasa, que fica em Porangatu (GO), começou a ser construído em agosto de 2006 e estará pronto para operar em julho de 2008. Ele possui 85 mil metros quadrados, dos quais quase 60 mil são de área construída. Em uma primeira etapa, a usina deve produzir cerca de 180 mil toneladas/ano de biodiesel e gerar até 126 empregos. Mas a expectativa é que, em 2010, a fábrica passe a produzir 400 mil toneladas/ano. A Bionasa utilizará produtos vegetais, como girassol, soja e pinhão-manso, como insumos. “Já estão sendo contratados agricultores – que vão ter a compra da matéria-prima garantida – para a produção de girassol no Centro-Oeste, sul do Tocantis, oeste da Bahia e Triângulo Baiano”, antecipa Barreto.

Ao contrário da Bioauto, a empresa visa à exportação no curtoprazo. “Seríamos loucos se não considerássemos isso. O Brasil já pode ser facilmente atendido, por isso estamos livres para o mercado externo”, afirma Barreto. O mercado brasileiro de biodiesel será de cerca de 800 mil toneladas a partir de 2008, face à obrigatoriedade do B2 (mistura de 2% de biodiesel ao diesel de petróleo). Somente a capacidade de produção da Bionasa – 440 mil toneladas – cobre 50% da necessidade total do país. “Por isso já temos três opções de contratos em estudo com países como Itália, Espanha, EUA e Suíça”, conta Barreto.

O recurso internacional investido na Bionasa não será direcionado a uma ação específica da empresa. Ao contrário, todas as etapas do projeto contaram com a verba do fundo inglês. A participação acionária do TEP não é divulgada, mas Barreto afirma que os ingleses não são sócios majoritários no negócio. No total, contando com o aporte da TEP, serão investidos R$ 256 milhões no complexo da Bionasa.

Com sotaque alemão

Para provar que o interesse no Brasil não é restrito a poucos países, um dos maiores grupos industriais do mundo, a alemã Evonik Industries AG, também está de olhos abertos às oportunidades das Américas. A empresa anunciou recentemente que vai construir duas fábricas de alcoóxitos, catalisadores para os processos de obtenção do combustível. Uma delas vai ser instalada no Alabama (EUA) em 2009, e a outra justamente no Brasil, em 2010. A aposta, portanto, está diretamente ligada ao setor de produção. E vale ressaltar que construir uma fábrica no Brasil para dar suporte à produção de biodiesel é uma aposta alta, que só pode ser feita por quem está convicto de que este será um investimento de sucesso.

A empresa não revela quais os valores necessários para colocar o plano em prática, mas dá uma pista de que eles chegam a dois dígitos de milhões de euros. Quanto à escolha dos países para abrigar as fábricas da Evonik, Thomas Haeberle, diretor da unidade de negócios Building Blocks do setor químico do grupo, afirma que “o Brasil é o mercado de biodiesel mais atraente da América do Sul, o que torna o país a localização óbvia para a construção de uma unidade fabril”.

Mistura de nacionalidades

Outro grande investimento estrangeiro no setor de biodiesel no Brasil vem de uma interessante mistura de nacionalidades. De um lado está o Grupo Agrenco, multinacional com sede na Holanda, e de outro uma grande empresa industrial japonesa, a Marubeni Corporation. Juntas, elas vão construir três parques de bioenergia no Brasil, sendo três usinas de biodiesel (que vão usar oleaginosas e gordura animal como matéria-prima), duas usinas de co- -geração de energia elétrica e duas indústrias de esmagamento de soja. As fábricas estão sendo construídas nas cidades de Alto Araguaia (MT), Caarapó (MS) e Marialva (PR). O projeto visa ser auto-sustentável e todas as funções das fábricas estão interligadas. Ou seja, haverá produção de biodiesel, mas também de energia elétrica para as próprias instalações.

No acordo, a Marubeni terá participação de 33% na Agrenco Bionergia, enquanto o Grupo Agrenco deterá os outros 67% da companhia. As duas empresas deverão integralizar o capital de mais de R$ 200 milhões (U$ 120 milhões). Como no caso da Bionasa, a Agrenco Bioenergia está focando o mercado de exportação do biocombustível. Por isso, desde o começo, foi decidido que o biodiesel seria produzido conforme as regulamentações européias, americanas e japonesas – a fim de atender clientes potenciais no mundo.

Em novembro de 2007, a Agrenco Bioenergia passou pelo processo de oferta pública inicial (IPO), evento que marca a entrada no mercado de ações. Com a abertura de capital, o patrimônio da companhia deve aumentar e a empresa poderá fazer novos investimentos e negócios.

Outras oportunidades

Além das empresas já mencionadas, há ainda vários outros grupos que também já começaram a investir no Brasil, mas preferem manter segredo sobre os próximos passos e não comentam o assunto. É o caso da norte-americana Comanche Clear Energy. Por mais que a empresa fale pouco, no entanto, a informação de que o Brasil deve receber mais dinheiro para o biodiesel é dada pelos representantes dos próprios estados.

O secretário de Agricultura da Bahia, Geraldo Simões de Oliveira, tem alardeado aos quatro ventos que quer transformar o estado em um pólo de bioenergia nos próximos oito anos. A intenção é ampliar a área dedicada ao cultivo de oleaginosas para produção de biodiesel dos atuais 100 mil hectares para cerca de 640 mil hectares. O secretário conta ainda com mais um trunfo. Segundo ele, a Comanche teria planos de ampliar a produção de biocombustível em solo baiano.

Outro estado brasileiro que estaria sendo sondado é o Maranhão. De acordo com o secretário de Indústria e Comércio, Júlio Noronha, a previsão é de que sejam investidos cerca de R$ 500 milhões em empreendimentos voltados à produção de etanol e biodiesel. O anúncio teria sido feito em setembro pelo próprio vice-presidente da Comanche no Brasil, João Pesciotto, durante uma viagem do secretário a Nova York, nos Estados Unidos. O que se sabe até agora é que as especulações sobre novos aportes vindos para o Brasil são muitas. O lado bom da história é que muitos boatos têm se concretizado. E quem sai ganhando é o biodiesel brasileiro.