O ano em que biodiesel apontou o futuro
No ano em que a indústria de biodiesel no Brasil está completando oficialmente 20 anos de idade, o setor está com um sorriso no rosto. E não só pelo orgulho da bela jornada que já fez até aqui; mas pelo entusiasmo em relação ao caminho que vê pela frente.
O setor já vinha numa boa fase com a chegada do B14 em março e a previsão do B15 para o próximo ano. Mas melhorou à medida que a PL do Combustível do Futuro avançava pelo parlamento. Aprovado pelo Congresso em setembro e sancionado por Lula em outubro, o programa cria uma nova rampa de crescimento para o biodiesel. Pelo texto aprovado, a mistura obrigatória vai avançar um ponto percentual por ano até a adoção do B20 em 2030. Além disso, abre a porta para que o CNPE aprove o uso do B25.
A expectativa é que o setor invista R$ 14,5 bilhões nos próximos 10 anos.
A nova política animou o setor de biodiesel que já vem movimentando suas peças no tabuleiro. A Potencial Combustível aproveitou a deixa para anunciar uma ambiciosa expansão de sua – já enorme – usina de Lapa (PR). A unidade irá de seus atuais 900 mil m³ para 1,62 milhão de m³ ao ano. A Be8 e a Oleoplan também aumentaram suas apostas, mas numa outra direção. As duas empresas anunciaram a aquisição de concorrentes. A Oleoplan incorporou a usina de Rio Verde (MT) que pertencia Green Ventures (ex-Fiagril). Já a Be8 absorveu as três usinas do Grupo Biopar.
Esse novo impulso para os biocombustíveis não foi sentido apenas no mercado de biodiesel. Atores do setor de refino também vem esticando os olhos na direção de novas oportunidades que deverão surgir à medida em que o mercado de diesel verde e combustível sustentável de aviação (SAF) ganhe tração nos próximos anos. Além da Acelen, que segue trabalhando na instalação de uma biorrefinaria anexa à Refinaria de Mataripe; a Refinaria Riograndense se prepara para dar uma guinada de 180º e trocar o petróleo por renováveis de vez e a Petrobras anuncia investimentos de US$ 4,3 bilhões em bioprodutos incluindo duas novas biorrefinarias dedicadas e obras para adicionar coprocessamento à várias unidades de seu parque de refino.
Coroando a mudança de rota que vem sendo implementada desde a eleição de 2022, a Petrobras também conseguiu reformar uma decisão do Cade que a obrigava a vender parte de seu parque de refino e tirou de vez a PBio da lista de ativos que deveriam ser vendidos.
Pontos negativos
Um ponto negativo para o setor veio da soja. Embora a safra 2023/24 tenha terminado como a segunda maior da história com mais de 147,7 milhões de toneladas colhidas. O setor esperava mais. No auge do otimismo, as projeções apontavam para mais de 160 milhões de toneladas. Faltou combinar com o clima. Já no começo do ano ficou claro que esses números não seriam alcançados com várias entidades que acompanham a produção brasileira cortando suas projeções.
O Brasil receberia um outro lembrete particularmente dramático sobre a seriedade das mudanças climáticas quanto o Rio Grande do Sul foi atingido por chuvas torrenciais que deixaram grande parte do estado debaixo d’água afetando a produção das usinas gaúchas e atingindo, em particular, a Bianchini. Meses depois, o estado ainda luta para reconstruir o que as águas destruíram.
Em 2024, o RenovaBio esteva sob pressão. Lançado no final de 2017, o programa de descarbonização da matriz de combustíveis vem sendo cada vez mais questionado por distribuidores que vem judicializando o programa – inclusive com questionamento no STF. Ao mesmo tempo em que há uma movimentação para tornar mais rígidas a punição contra distribuidoras que tentem burlar as metas do programa.
Punição exemplar
Este também foi um ano no qual a ANP tentou passar a limpo partes um tanto nebulosas do mercado de combustíveis. O maior símbolo dessa cruzada foi o cancelamento das licenças de operação da Copape e da Aster; empresas vinham operando de maneiras pouco ortodoxas há muitos anos.
Sobrou também para o setor de biodiesel onde havia a suspeita de que agentes mal-intencionados estariam desviando metanol para alimentar esquemas de fraude de combustíveis. Em julho essa investigação levou ao cancelamento das autorizações da Ipê Biocombustível (ex-Cooperfeliz). A agência reguladora também apertou o cerco contra distribuidoras que não vinham reportando a aquisição de volumes adequados de biodiesel depois de ter registrado um pico no número de amostras com percentual abaixo do mandato.
Além do trabalho de fiscalização do setor, a ANP também atualizou as especificações do óleo diesel. A nova regra exige o fim das vendas do diesel com alto teor de enxofre (S500 e S1800) e passa a demandar boas práticas pela cadeia de distribuição e revenda.
A capacidade de atuação da ANP, no entanto, tem sido atingida por cortes no orçamento do governo federal. Isso levou a protestos de servidores da agência e, mais recentemente, a uma suspensão temporária do PMQC.
E houve uma situação, no mínimo, estranha que tornou o Amapá uma rota para a internalização de grandes volumes de diesel importado graças à incentivos fiscais concedidos pelo governo amapaense. O problema, contudo, não durou muito tempo. Em agosto, o governo do Maranhão tentou fazer algo parecido.
Frotas cativas
O ano de 2024 também marcou a consolidação de uma série de grandes projetos de uso de biodiesel puro em frotas cativas.
Embora essa bola tenha sido posta rolar ainda no ano passado com anúncios feitos por empresas de peso como a Amaggi e a JBS, o jogo só esquentou de verdade este ano. O Grupo Potencial aderiu ao biodiesel puro e, mais recentemente, a Be8. Esse interesse tem feito com que montadoras como a Volvo e a Scania apresentassem veículos especialmente adaptados ao uso do B100.
E não é só em caminhões. A Hermasa – subsidiária de navegação do Grupo Amaggi – está usando biodiesel também para abastecer as barcaças que fazem transporte de soja pelos rios da Amazônia.
Um levantamento feito por BiodieselBR.com das autorizações de uso de biodiesel puro em frotas cativas concedidas pela ANP mostra que este nicho tem um potencial para movimentar mais de 570 mil m³ de biocombustível por ano.
E pode haver um outro grande mercado se abrindo para o biodiesel. Em meados do ano, a ISO aprovou o uso de biodiesel como uma opção para o abastecimento de navios e a expectativa é que a demanda engate. A Petrobras já está vendendo bunker náutico com 24% de biodiesel.
Transição
E começam a surgir sinais de que todo esse esforço que o mundo tem feito para acelerar a transição energética pode estar dando resultado com a IEA e até a Opep fazendo cortes seguidos em suas projeções sobre a demanda de petróleo apesar da resistência imposta por muitos setores da economia e/ou da política.
O setor de biodiesel tem sido uma ferramenta importante nesse processo tendo evitado que a economia brasileira despejasse 146 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera ao longo dos últimos 10 anos. E essa conta tem tudo para continuar subindo pelos próximos anos conforme mais biodiesel limpo continue substituindo mais diesel sujo atendendo a rampa de crescimento definida pelo Combustível do Futuro.
E BiodieselBR.com estará aqui para acompanhar o setor nessa jornada. A partir de amanhã (18), o portal inicia seu periodo de recesso de final de ano retomando suas atividades normais a partir do dia 06 de janeiro. Boas festas. E que todos tenhamos um excelente ano de 2025.
Fábio Rodrigues – BiodieselBR.com