PUBLICIDADE
CREMER2024 CREMER2024
Informações

Com armazéns e fábricas, China amplia presença no agronegócio


Folha de S.Paulo - 28 jul 2020 - 11:27

Um grande canteiro de obras se destaca na paisagem de Carlinda, no norte de Mato Grosso, de longe a maior construção que a cidade de 10 mil habitantes já abrigou.

Um arco metálico que dará sustentação ao teto já está pronto. Cerca de 200 funcionários trabalham em ritmo acelerado para finalizar o projeto até o meio do ano. Se as chuvas deixarem, vão conseguir, já que dinheiro não é problema.

"Aqui vamos construir uma nova história", diz uma placa da Cofco International, responsável pela obra. No local funcionará mais um armazém com capacidade para 65 mil toneladas de soja, um dos muitos que a empresa chinesa possui no estado, maior produtor brasileiros de grãos.

No Brasil desde 2014, a Cofco é uma das principais entre as muitas empresas do país asiático que se estabeleceram no setor do agronegócio no estado nos últimos anos, mantendo um ritmo de forte expansão.

Ao longo da BR-163, principal estrada que corta a região produtora de soja, seus armazéns com grandes caracteres em mandarim na fachada chamam a atenção.

A empresa é uma "trading", atuando em toda a cadeia da soja com apenas um objetivo: garantir que o produto vá todo para o mercado chinês.

Em sua unidade na cidade de Nova Santa Helena (MT), dezenas de carretas lotam um pátio esperando a hora de descarregar a soja no armazém. Entram em fila indiana por uma rampa, despejam a carga de 50 toneladas e saem.

O produto é trazido de fazendas da região, e ali fica estocado até ser levado em caminhões contratados pela empresa para o porto de Miritituba (PA), a 870 km de distância.

Com o asfaltamento recentemente concluído pelo presidente Jair Bolsonaro, a BR-163 passou a ser uma opção mais segura para o escoamento dos grãos.

20200728 ChinaInvestimento INFOGRAFICOEm poucos anos, a Cofco passou a competir de igual para igual com empresas estabelecidas há mais tempo, como as americanas Cargill e Bunge. Em 2018, segundo estudo da Markestrat, consultoria especializada em agronegócio, exportou 10,96 milhões de toneladas, crescimento de 17,8% sobre o ano anterior. A líder foi a Bunge, com 17,7 milhões de toneladas exportadas.

"Temos um plano estratégico de crescimento de pelo menos 5% ao ano", diz a diretora da área de grãos e oleaginosas da empresa, Carolina Hernandez Tascon.

A Cofco tem 19 armazéns no Brasil, com capacidade para processar 1,4 milhão de toneladas por ano, sendo 70% no Mato Grosso. Emprega no total cerca de 6.500 pessoas.

"A área plantada e os rendimentos continuarão a se expandir, portanto nossa perspectiva de produção é positiva", afirma Tascon.

Uma estratégia destas "tradings" é fidelizar sojicultores oferecendo insumos e fertilizantes em troca de parte da produção, prática conhecida como "barter". "Nosso foco principal é ser o parceiro de escolha dos agricultores brasileiros", afirma a diretora.

Estrada da Soja

A China é o maior mercado consumidor da soja brasileira, tendo comprado 60 milhões de toneladas em 2019, cerca de três quartos do total exportado.

Com empresas sob forte influência estatal mesmo quando têm capital privado, os chineses encaram a soja sob a ótica da segurança de Estado, um produto fundamental para alimentar rebanhos que levarão proteína a uma população cada vez mais exigente.

A Folha não encontrou registro unificado de todos os investimentos chineses no agronegócio, mas há diversos exemplos no estado do Mato Grosso.

Desde 2016, o grupo Dakang, originário da província de Hunan, é dono da Fiagril, empresa mato-grossense que atua nas áreas de fertilizantes, insumos, produção de grãos e de biodiesel --ou seja, no ciclo completo da soja e outros produtos. Pagou US$ 200 milhões por uma fatia de 57% da empresa.

A empresa conta com dez unidades no Mato Grosso, além de instalações em Amapá e Tocantins.

Já a chinesa Chemchina adquiriu a produtora de sementes Syngenta, com uma unidade em Lucas do Rio Verde. Há ainda projetos como a construção de uma fábrica de drones para agricultura em Cuiabá, pela empresa Zhurai, e de um centro de pesquisas tecnológicas voltado à agricultura em Sinop (MT), pelo Grupo Sino.

"Podemos esperar uma inundação de investimentos chineses no agronegócio nos próximos cinco a dez anos", diz Marcos Fava Neves, sócio da consultoria Markestrat e professor da USP e da Fundação Getúlio Vargas.

Cada vez mais, afirma Neves, os chineses têm interesse em controlar todo o processo de produção de grãos, do fornecimento de sementes ao embarque dos produtos. Só não plantam diretamente porque a legislação brasileira é restritiva quando à compra de terras por estrangeiros.

"A gente seria ingênuo de achar que os chineses vão entregar o controle de alguma etapa para outros países", diz o analista. Ele prevê fortes investimentos chineses em frigoríficos numa próxima etapa.

Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, afirma que os investimentos do país asiático no Brasil devem começar a se ampliar em breve, para áreas como a produção de tratores e máquinas em geral.

"Não se pode brincar com a segurança alimentar do povo chinês", afirma. Segundo ele, há uma frustração de empresas chinesas em não poder entrar no mercado de compra de terras.

"Quando o [presidente Michel] Temer assumiu, ele queria mudar a lei. O Blairo Maggi [então ministro da Agricultura] me disse que ia mudar. Até agora eu estou esperando", diz.

A lei atual, de 1971, permite compra de terras por estrangeiros de até 50 módulos rurais, medida que varia de 250 a 5.500 hectares, dependendo da região do país. É um tamanho considerado insuficiente para a produção de soja em larga escala.

De acordo com levantamento da Markestrat, apenas 3,9% da área agricultável brasileira está em mãos de estrangeiros, sendo somente 0,1% por chineses.

Tang calcula que o Brasil teria recebido US$ 100 bilhões em investimentos chineses na aquisição de terras nos últimos dez anos se a lei tivesse sido flexibilizada.

"Nenhum estrangeiro via vir ao Brasil e levar a fazenda embora. Os chineses querem trabalhar sob a soberania brasileira", diz.

Fábio Zanini – Folha de S.Paulo